Lendas De Fendor : O Príncipe Bastardo escrita por Caio Gelmo


Capítulo 3
Capítulo 3 - Terras Devastadas




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O anão fumava um grande cachimbo, e entre uma tragada e outra contava sobre o passado do misterioso homem.

- Nós fomos vizinhos quando éramos crianças e naquela época o Argrim já era muito quieto e reservado, se bem me lembro, eu fui o único amigo que ele teve na infância toda. Quando o pai dele faleceu, ele decidiu ingressar nos exercito real, o que era a única opção de um futuro próspero pra um garoto de doze anos que acabara de ficar órfão e vivia em uma vila minúscula sem esperanças de crescimento.

- E então vocês perderam o contato? – O garoto tremia de frio, mas estava curioso demais pra interromper a conversa e ir buscar um casaco.

-Não, uma amizade como a nossa não acaba por causa da distancia. Durante muitos anos trocamos cartas. Eu até fui visitar ele algumas vezes em Victorya.  Mas há catorze anos eu recebi uma carta selada por magia de reconhecimento, que só poderia ser aberta por mim. – A cada tragada que Haszar dava, uma fumaça azul saia do seu cachimbo e se perdia na escuridão da noite

- O que falava na carta?

- A carta contava sem muitos detalhes o ocorrido no castelo quando aquele infeliz imundo usurpou o trono. Dizia também que antes de morrer o Rei Prim III contou sobre o caso que tivera fora do casamento e pediu para Argrim ajudar você a tomar o seu trono por direito quando completasse catorze anos, que a idade que vossa majestade tem agora.

- E o que ele fez enquanto me esperou chegar nessa idade?

- Essa é a parte da historia que eu não conheço. Há poucos dias atrás ele bateu em minha porta, me disse que precisava de um favor e que iria completar sua obrigação com o reino. Mas posso dizer que ele está muito mais quieto do que era antes, e sinceramente, isso tem me incomodado um pouco.

- Mas por que você acha que ele está assim?

- Não sei com certeza, mas apostaria minha barba que aconteceu algo muito terrível com nosso amigo na batalha contra o Feiticeiro. Ele não tinha aqueles olhos brancos de cadáver quando saiu da nossa vila natal, e isso não pode ser um bom sinal.

- Também acho isso muito estranho, mas pensei que não fosse educado perguntar nada sobre seus olhos.

- E vós fizestes o certo em não perguntar, realmente não seria nada educado. Majestade, eu detesto ser incomodo, mas acho melhor irmos nos deitar, pois “temos que levantar cedo amanhã” – e o anão fez uma imitação muito engraçado de Argrim enquanto dizia a ultima frase.

- Concordo, acho que já estou ficando com sono – disse o garoto rindo.

_____

Corin foi se deitar e realmente conseguiu dormir mais tranquilo, talvez por ter saciado um pouco sua curiosidade ou somente por não estar acostumado com o forte fumo dos anões, que ás vezes pode causar sonolência. Já Haszar continuou ainda por muito tempo do lado de fora da casa, fumando e pensando nos dias terríveis que estavam por vir.

Todos acordaram bem cedo e depois de um rápido café partiram em direção ao estábulo onde o anão alugou um lagartonho cinza, que segundo o dono do lugar, era tão rápido quanto qualquer cavalo. Durante a viagem Haszar contou varias estórias que tinha ouvido na juventude, deixando Corin deslumbrado com todas as façanhas incríveis que tantos heróis já tinham feito na grande terra mágica de Fendor. Para o garoto, além de diversão, isso foi uma grande ajuda para conhecer melhor o passado de seu próprio reino. Quando eles finalmente pararam para almoçar, o menino se sentiu muito aliviado, pois quem está acostumado a montar, já sente o incômodo de horas e horas de cavalgada, agora pra ele que nunca havia feito isso antes, o cansaço era dobrado. A comida foi preparada pelo anão, que fez um belo ensopado de carne de coelho salgada, acompanhada de pão e vinho dos faunos. Após a refeição, eles tiraram um pequeno descanso perto de um riacho, enquanto Argrim reabastecia os cantís e os cavalos se refrescavam na água. Antes que o traseiro de Corin parasse de formigar eles voltaram à estrada, o que fez com que o garoto se arrependesse profundamente de ter desejado tanto uma montaria.

Com o passar do tempo, todos notaram que a paisagem de uma floresta cálida e florida foi dando lugar a uma terra árida e seca, mas não era um deserto, pois não tinha areia, somente um solo cinza com enormes rachaduras.

- Todo esse lugar já foi um grande bosque, antes do Feiticeiro aparecer e sugar toda a vida daqui. – Disse Argrim.

- Maldito crápula, mal posso esperar pra colocar minhas mãos naquele imundo, mas me diga uma coisa, se bem me lembro, a cidade de Shaar ficava por aqui não? – para o anão que amava tanto o seu reino, era muito doloroso ver aquela cena.

- E ainda fica, mas agora é só um pequeno vilarejo falido. – ao contrário de Hazsar, ele não demonstrava sentimento algum pela tragédia que se abatera naquela terra.

- Mas por que o Feiticeiro está roubando a energia de Fendor, o que ele pretende fazer com ela? - Perguntou Corin.

- Desconheço o motivo exato, então prefiro não dar resposta alguma a dizer algo que lhe de falsas expectativas de como deve agir em seu futuro embate. – Ele mantinha a voz soturna de sempre.

- Aposto que ele quer dominar o mundo, todos os vilões sempre querem isso. – O anão já voltara ao seu humor rotineiro.

______

Depois de mais alguns minutos de cavalgada eles chegaram a Shaar. Corin tinha se incomodado com a paisagem tétrica que viu durante o percurso, mas a visão daquela cidade em ruínas fez com que ele sentisse uma repulsa ainda maior pelo seu êmulo. Em volta das casas velhas e sujas havia vários tanques de ferro, já corroídos pela ferrugem, que eram usados para recolher e armazenar a água das poucas chuvas que caiam ali. Devido á dieta baseada somente em vermes cascudos, que era a única forma de vida que havia naquele solo infértil, os moradores eram quase todos franzinos e apáticos. Mas a fraqueza física não era nada comparada a ausência de ânimo. Ninguém ali fazia coisa alguma para melhorar a precária situação que vivia e isso era devido ao fato de que as pessoas que restaram na cidade foram os que não tiveram condição financeira de se mudar para um lugar mais próspero. Essa era uma realidade desconhecida pelo jovem Rei, mas agora que tinha a ciência de que existe esse tipo de sofrimento em seu belo reino, ele prometera a si mesmo que mudaria tudo aquilo.

Mesmo sendo estranha a visão de três forasteiros naquela vila, nenhum dos cidadãos os importunou, o desânimo que os assolava era grande demais até para isso. Como já era noite e não havia nenhuma hospedaria , eles decidiram que iriam pedir abrigo em alguma das velhas choupanas. Argrim se pronunciou a um homem que recolhia vermes das rachaduras escuras que havia no chão.

- Boa noite, gostaria de saber se vossa senhoria conhece alguém que possa nos abrigar por um preço que esteja dentro de nossas posses, pois o crepúsculo já tem inicio e não queremos continuar nossa viagem na total escuridão.

- Se quiserem podem passar a noite em minha casa, não é preciso pagar nada, mas somos humildes e não sei se teremos comida e camas para todos. – o homem era de fala simples, mas notava-se que tinha bom coração.

- Agradeço muito vossa bondade, aceitarei a oferta. Quanto á comida e cama, nós temos um acervo grande de provisões que ficaremos contentes em partilhar no jantar desta noite, e cobertores que serão o suficiente para dormirmos confortavelmente.

- Então já podemos ir, acabei de recolher os vermes. Minha casa é aquela ali – e dizendo isso apontou para uma grande, porém velha, casa que ficava a alguns metros da onde estava.

- Antes gostaria de saber a graça de seu nome.

- Me chamo Abel, e vocês forasteiros?

- Eu sou Argrim, esse é Haszar e o garoto se chama Corin.

- Muito prazer Argrim. Podemos ir agora? Minha senhora já deve estar preocupada com a minha demora.

_____

Ele realmente disse a verdade sobre a humildade de seu lar, tinham poucos móveis e eram todos velhos, mas toda sua família compartilhava de sua generosidade.

- Sinta-se em casa amigos, essa é minha esposa Úrsula e minhas filhas, Harle e Diana. Meninas, estes senhores passaram a noite em nossa casa, sejam educadas com eles.

A esposa de Abel era gentil e muito bonita para a idade avançada que já tinha. Harle, a filha a mais velha, era alta e tinha os cabelos negros como á noite que lhe desciam até os ombros, moldando lhe o rosto, já Diana era pequena e alourada, mas ambas haviam herdado a beleza da mãe.

Depois das devidas apresentações, Haszar e Úrsula ficaram encarregados da comida enquanto Argrim e Abel foram cuidar das montarias. Como os dois jovens não tinham tarefa nenhuma, e a caçula já tinha ido se deitar, foram para o quintal da casa conversar enquanto esperavam o jantar ficar pronto.

- Pra onde vocês estão indo Corin? – A garota era extrovertida e alegre, e para aumentar ainda mais a vergonha do garoto, tinha quase a mesma idade que ele.

- Vamos para Victorya, tenho uma coisa muito importante para fazer lá. – Ele mantinha a cabeça baixa, pois em menos de um minuto de conversa já estava envergonhado.

- Eu adoraria ir pra capital um dia, deve ser muito divertido, mas tenho que cuidar da minha irmã, desde que ela ficou doente passo quase o dia todo cuidando dela. – Ela fitava perdidamente o céu escuro da noite enquanto falava, sem nem perceber que o garoto havia ruborizado.

- O que sua irmã tem?

- Não sabemos, desde que... Deixa pra lá, você não acreditaria mesmo.

- Tente me contar, descobri coisas bem inacreditáveis sobre minha vida nos últimos dias, e era tudo a mais pura verdade.

- Hm... Certo, só me prometa que não vai rir ou comentar nada do que eu disser agora ao meu pai, ele acha que é tudo mentira e fica bravo quando eu insisto nisso – A garota deixara de olhar pro alto e encarava-o continuamente.

- Prometo – e pela firmeza com que disse tal palavra ela não teve dúvidas de que ele estava falando sério.

-Certo. Isso aconteceu na época em que esta cidade passou de paraíso verde para podridão cinza. Era noite e eu estava brincando com a minha irmã perto do riacho que corria atrás de casa. Infelizmente nós fomos as únicas a ver aquele homem. Ele estava agachado entre as árvores da margem com as mãos no solo e uma luz verde saia do chão e entrava pelo seu manto.

- Como era esse homem Harle?- Corin já havia percebido de quem ela estava falando.

- Alto, magro, e com a pele branca, mas não como uma pessoa normal, ele era branco como neve.

- Certo, continue contando, por favor – Ele havia perdido toda sua timidez infantil e escutava a estória atenciosamente.

- Então. Minha irmã o viu primeiro e foi até ele, e eu só me dei conta disso quando Diana já havia o tocado. No mesmo instante que isso aconteceu o homem branco sumiu e ela desmaiou. Eu corri até ela, a peguei no colo, levei-a até em casa e contei o que aos meus pais o que tinha acabado de ocorrer. Minha mãe acreditou em tudo, acho que por que o pai dela foi um ladino muito famoso e sempre contava suas aventuras envolvendo magia. Já meu pai não acreditou em uma palavra do que eu disse. Depois disso Diana foi ficando doente e nossa cidade foi ficando cada vez mais improdutiva. – A garota olhava tristemente para as rachaduras no solo.

- Harle, eu sei quem era o homem que você viu.

O jovem Rei contou tudo que sabia sobre o feiticeiro, sobre o que iriam fazer a respeito disso e sobre ele mesmo. Ela ouviu tudo com muita atenção e quando ele parou de falar disse histericamente:

- Me leve com você, preciso vingar minha irmã, preciso matar esse ser nojento com minhas próprias mãos, preciso fazer acabar com ele assim como ele acabou com a vida de todas as pessoas de Shaar. – ela agarrou-se ao garoto, e falava tão iradamente que chegava a cuspir em suas vestes.

- Não, o ódio é sempre o menor caminho para o erro. Gostaria muito que você viesse conosco se fosse para encontrar uma cura para Diana, pois assim seria por amor, e não por ódio. - Corin mantinha os braços caídos junto ao corpo e falava com a voz profunda e impactante de um Rei, e por um segundo ela pode ver um brilho azulado saindo de seus olhos.

- Me perdoe, eu amo minha irmãzinha e faria de tudo para salvá-la, até porque sua saúde já esta muito debilitada, não sei por quanto tempo ela vai aguentar – a garota tinha perdido sua raiva e estava de cabeça baixa com os olhos marejados de lágrimas.

- Você não me deve perdão nenhum Harle. Se quiser vir comigo para salvar sua irmã, eu prometo que acharemos um jeito de curá-la, mas não volte a ter essas idéias horríveis em relação ao Feiticeiro, pois nem mesmo eu sei o que farei em relação a ele.

- Obrigada, muito obrigada – E dizendo isso o abraçou firmemente colocando a cabeça em seu peito.

Ele a envolveu em seus braços em um gesto impulsivo, mas já havia passado de Rei imponente para adolescente tímido, pois não conseguiu fazer mais nada além de ficar vermelho como um tomate.


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Notas finais do capítulo

Agradeço ao meu amigo Vítor Dorico por me ajudar a criar uma personagem feminina legal ^^