Inconsequencias escrita por L Holiday


Capítulo 3
O Apartamento




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- O controle está na mesinha. Fica a vontade – ele gritou da porta da cozinha.

Eu peguei os controles e liguei a televisão e o aparelho da Sky, parando na Warner Channel, meu canal predileto. Estava distraída vendo a chamada do próximo episódio de Cold Case e me assustei quando Gabriel se jogou no sofá ao meu lado, trazendo a garrafa de champanhe e duas taças.

- Sabe, duvido que a garrafa tenha gelado nos dois segundos que você deixou ela na geladeira – eu brinquei.

- E quem liga se o champanhe está quente?

- Eu não ligo, eu não bebo.

Ele pareceu decepcionado.

- Tá, eu sei que você não bebe, mas hoje você vai beber só um gole para não me deixar aqui sozinho.

 

            Ele estava certo, eu não bebia, e quando eu o conheci ele também não bebia. Mas os nossos motivos eram diferentes. Eu não bebia porque não gostava muito de bebida. Cerveja para mim era mijo, vinho era suco de uva estragado e uísque era amargo. Ele não bebia porque gostava demais de beber. Mas é claro que ele tinha deixado os tempos de sobriedade para trás.

 

- Ah, desculpa. Não vou não.

- Ok, então eu vou ter que beber tudo sozinho.

- Até parece – eu ri. - É impossível que você beba tudo isso sozinho.

 

            Escolha de palavras erradas. Gabriel ia encarar isso como um desafio, e ele não perdia um. E era óbvio que eu também desconhecia a tolerância que ele tinha ao álcool. Ele estourou a rolha da garrafa e, ignorando a taça, virou a garrafa de uma vez só. Deviam ter sobrado uns cinco dedos de champanhe quando ele me estendeu a garrafa de novo.

 

- Tem certeza que não quer? Última chance.

- Ah claro, champanhe quente, porque não?

Ele riu e bebeu mais um gole, deixando a garrafa quase vazia em cima da mesa.

- Ah, que gracinha, Gabriel – eu retruquei mal humorada.

 

            Ele levantou e foi até a geladeira, voltando com uma garrafa de cerveja. Me explicou que ele costumava usar o apartamento para dar festas e por isso nunca faltava cerveja na casa. Ele deu ênfase à palavra nunca. Estava começando Without a Trace, e como eu sempre tive uma paixonite crônica por Danny Taylor – o agente latino meio caliente que por acaso era um alcoólatra em recuperação e órfão – ficamos assistindo televisão. Eu estava sentada em um canto do sofá e ele em outro. Era tímida demais para sentar perto dele, minha amiga Joanne até dizia que eu era um tanto frígida. Eu odiava essa palavra. Eu não era frígida, só não gostava de me oferecer para todo mundo que passava que nem ela. Preferia que o cara tomasse a iniciativa. Estava pensando nisso mesmo quando Gabriel sentou de lado no sofá e colocou os pés na minha perna. Desviei os olhos da televisão e olhei para ele, mas ele não estava nem prestando atenção. Curtia a cerveja e assistia a abertura do programa. Então eu tentei não me importar também. Ficamos assim, rindo do episódio. A cada cara engraçada que algum deles fazia, eu e Gabriel inventávamos falas novas e reescrevíamos o roteiro com o que realmente devia ser dito. As únicas vezes que ele tirava os pés de cima de mim era quando me mandava buscar uma cerveja no congelador. Quando eu voltava ele fazia uma recapitulação do que eu tinha perdido, e eu sabia que ele estava inventando porque duvidava que a Sam tivesse tido um filho com o irmão bastardo de Jack Malone. Era exatamente isso que eu gostava nele, ele nunca levava nada muito a sério, tudo era motivo para se rir ou fazer piada. Não daquele jeito irritante que algumas pessoas tem de fazer piadinhas com tudo. Eram tiradas inteligentes e espontâneas, e não era preciso muito para fazê-lo rir. Quando Without a Trace terminou nós não mudamos de canal. Cold Case era o próximo programa. Gabriel nunca estava em casa para ver televisão: ele vivia saindo e visitava a casa de vez em quando; então assim que o programa começou e Lily Rush apareceu ele cismou que ela era parecida comigo. Quando eu perguntei porquê a resposta era óbvia: “Porque você e ela competem para ver quem é a pessoa mais branca do mundo.”

 

Quando a musica dos créditos de Cold Case começou a tocar eu percebi que já era tarde. Às onze horas de uma segunda-feira eu deveria estar dormindo, afinal amanhã teria aula. Joguei as pernas do Gabriel para fora do sofá, e ele, achando que eu ia buscar outra cerveja para ele, nem se importou.

- Gabriel, está tarde. Tenho que ir para casa.

Ele olhou para mim surpreso.

- Já? - Eu assenti com a cabeça. - Ok, então eu te levo.

Ah claro, porque ele não estava enrolando as palavras nem tinha bebido vinho, champanhe e algumas garrafas de cerveja.

- Ha-ha. Tô achando que não, hein.

- Por que? - Ele parecia realmente não ter entendido.

- Por que você está bêbado? - Era mais uma afirmação do que uma pergunta.

- Eu não estou bêbado!

Ele botou a garrafa de Heineken pela metade em cima da mesinha de centro e se apoiou nela se  preparando para levantar. Respirou fundo e se levantou, mas assim que soltou a respiração ele cambaleou para trás.

- Ok, talvez eu esteja só um pouco bêbado, mas eu posso te levar mesmo assim.

Obviamente eu não ia o deixarele dirigir naquele estado, mas resolvi brincar com ele.

- Então é assim, se você conseguir andar em linha reta até a cozinha eu deixo você me levar. Mas, se você não conseguir, eu fico com as suas chaves do carro e você me paga a corrida do táxi até a minha casa e depois até a sua.

 

            Era um jogo em que eu sempre ganharia. Primeiro porque ele cambaleava para ficar em pé, então nunca que ia conseguir andar até a cozinha. Segundo porque eu ia ficar com as chaves dele e evitaria que ele se matasse ou matasse alguém em um acidente. Terceiro porque eu estava sem dinheiro nenhum então precisava que alguém pagasse o táxi. E claro, eu ia dar boas risadas.

            Gabriel respirou fundo de novo, baixou a cabeça e deu alguns passos – nenhum deles em linha reta, mesmo que a linha tivesse vinte centímetros de largura – e quase caiu, se segurando no sofá para evitar a queda. Depois ele olhou para mim e fez uma careta, do tipo de careta que ele dava quando seu orgulho tinha sido ferido (na maioria das vezes por sua ex-namorada Ana Paula ou seu melhor amigo Gee). Rindo, eu me agachei no chão e fiquei imitando aquelas mães corujas, que estendem os braços e chamam o filho para perto com as mãos, fazendo aquelas vozes de bebê de assustar. Ele desistiu e sentou no chão, de pernas cruzadas.

 

- O que eu tenho que fazer mesmo?

- A chave do carro. - Ele apontou para as chaves em cima da mesa da televisão. - Ok, e pagar o táxi.

Ele tirou a carteira do bolso do terno e tirou uma nota de dez.

- Só tenho isso.

- Você está brincando, não é? Isso não paga a corrida até a minha casa!

- Não pode pedir o dinheiro pros seus pais quando você chegar?

 

            Pensei no que iria dizer para os meus pais. Oi pai e mãe, o amigo que ia me dar carona para casa ficou bêbado enquanto a gente assistia televisão no apartamento dos pais dele, ah porque sim, eu saí do jantar sem avisar vocês e fui sozinha para a casa de um garoto que eu não conheço há tanto tempo assim e tenho uma tremenda atração por ele. Mas voltando ao assunto, ele não tem dinheiro para o táxi, então vocês podem pagar o táxi para mim?

            Melhor arranjar outra idéia.


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Notas finais do capítulo

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