Inconsequencias escrita por L Holiday


Capítulo 1
O Jantar




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Gabriel era meu melhor amigo, e praticamente o único em que eu confiava desde que tinha me mudado de volta para o Brasil. O conheci em uma padaria/ lanchonete/ café. Ele estava lendo um livro, fumando cigarros e bebendo coca-cola e eu automaticamente o apelidei de poeta nova-iorquino (embora ele fosse filho de um alemão com uma brasileira e nunca tivesse posto os pés em Nova York). Devo confessar que sempre tive uma quedinha por ele, mas era impossível não ter. Ele era simplesmente lindo e além do mais tudo sobre ele tinha um certo mistério e glamour.
    Talvez tenha sido essa paixão que me fez aceitar ir a um jantar na casa dos pais dele.
    Ele tinha me avisado que os pais dele eram meio metidos, e que o traje era a rigor, mas eu não levei muito a sério. Agora estava sentada em uma mesa de jantar de oito lugares, forrada com uma toalha de mesa de linho e coberta de talheres de prata e uma comida meio chique demais para o meu gosto. Os pais dele estavam de terno e vestido, ele de terno, e eu... bem, eu estava com um vestido que gritava eu-quero-ser-hippie e uma rasteirinha que completava o look garota-maconheira. Além do mais, meu cabelo mel (graças a horas no salão) estava liso e coberto de trancinhas na parte de cima. E não era só meu visual que estava completamente deslocado. Seus pais conversavam sobre casas, decoração e fofocavam sobre problemas dos outros. Eu odiava todos esses assuntos fúteis. Me convide para um debate sobre problemas sociais ou política e eu ficarei feliz em participar. Se o assunto for o azulejo do banheiro, não se importe em mandar um convite. E para piorar minha situação, Gabriel – que estava lindo em um terno, blusa de botão, gravata e all star – estava mais preocupado em beber vinho tinto do que em me entreter. Afinal de contas, ele que tinha me convidado para o jantar.
    A cada taça que ele esvazia o garçom enchia novamente. Sim, eramos só nós cinco (Cecília, a irmã mais velha de Gabriel também estava presente), mas o garçom era quem servia as bebidas. Tinha perdido a conta de quantas taças ele tinha bebido porque não era muito divertido contar. Comecei a remexer a comida com o garfo. Era massa, mas cheia de coisa colorida no molho aos quatro queijos. Tinha quase certeza que presunto fazia parte da receita, e como eu era vegetariana (pelo menos na época) resolvi só fingir que estava comendo.

- Gabriel, não acha melhor dar um tempo do vinho? - eu sussurrei no ouvido dele.

    Sabia que ele ia ficar irritado quando eu dissesse isso. Uma das poucas coisas que o tirava do sério era implicar com a bebida dele. Mas era meu objetivo, pelo menos assim ele ia prestar atenção em mim, nem que fosse para dar um sermão de como ele conseguia se controlar e não beber demais, o que era completamente fantasioso da parte dele. Na maioria das vezes ele começava a beber e só parava quando perdia os sentidos, mas é claro que ele negava isso até a morte. Surpreendentemente ele afastou a taça e sorriu.

- A comida está nojenta. Acho que minha mãe brigou com a cozinheira ou cozinheiro, sei lá – ele brincou, também sussurrando. - Quer sair daqui?

    Ele não me esperou responder. Empurrou a cadeira para trás, levantou e puxou a minha. Também não se importou em responder quando a mãe perguntou aonde estávamos indo. Me puxou pela mão e me levou através da sala até o elevador. É, os pais tinham elevador em uma casa de três andares na Barra da Tijuca. O elevador era menor do que os que se tinham em prédios, mas era um elevador. Ele apertou o número 2 e em poucos segundos as portas fecharam e abriram de novo. O segundo andar era uma sala de home theather gigantescas, com sofás e pufes, e duas portas. Gabriel me guiou até a primeira das portas.

- Esse é o meu quarto. Era meu quarto.

    Eu sabia que ele não morava mais com os pais, mas não tinha certeza se tinha sido expulso ou tinha saído por vontade própria, afinal ele só tinha 17 anos e morava sozinho em um apartamento perto da praia na zona sul, Ipanema para ser mais exata. De qualquer forma, ainda parecia que alguém vivia naquele quarto de paredes azul-acizentado. O quarto era pelo menos o dobro do meu; e a cama, a mesa do computador, a televisão e o armário ainda estava lá. Gabriel afrouxou a gravata e se jogou de costas na cama de casal forrada com uma colcha azul marinho. Eu continuei analisando em volta. A mesa já não tinha nenhum computador em cima, mas ainda tinha um bando de papéis e a cadeira. O armário estava quase vazio, tirando umas blusas de botão que eu sabia que eram do Gabriel. Quando achei que a investigação estava completa, sentei em cima da mesa e fiquei balançando os pés, imaginando um Gabriel de 7 anos de idade brincando de carrinhos do chão de carpete. E depois minha imaginação vagou para um Gabriel de 13 anos roubando uma garrafa de uísque do pai e tomando um porre na varanda do quarto. Só depois que percebi que o Gabriel do tempo  presente estava muito quieto, claro, porque estava dormindo.

- Ei, deve ter sido legal crescer aqui – eu comentei em voz alta só para acordá-lo.
Ele abriu os olhos, então talvez não estivesse realmente dormindo, só cansado demais.
- Eu não cresci aqui, mas era legal. Também é legal morar sozinho e não dever satisfação a ninguém, mas sei lá, às vezes é só morar sozinho, entende?
Ok, descoberta número 1: Ele não parecia ter saído de casa por conta própria.
- Por que você não volta para aqui? - Ele deu de ombros, então mudei a pergunta. - Onde você cresceu então.
- Num apartamento. - Ele riu. - É, eu sou um cara de apartamento. Se eu pudesse voltar para algum lugar, voltava para o apartamento no Leblon onde eu cresci. - Ele se sentou com um sorriso de lado, sabia que ele tinha tido alguma idéia e que eu não ia gostar dela. - Vem comigo.


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Notas finais do capítulo

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