Trail of Feathers escrita por Venus Noir


Capítulo 1
Leeteuk tinha vontade de ser como eles.


Notas iniciais do capítulo

Fic pra Elly (aka @BigodeDaAhjumma) que queria uma KangTeuk. ♥ Quase não tem KangTeuk aqui, mas espero que você goste mesmo assim, sua linda. ♥
Escutem essa música durante a leitura: http://www.youtube.com/watch?v=1x6uc0um8k8 A moça tá tocando um gayageum, que, segundo a wikipédia, é um instrumento tradicional coreano.
Eu sempre me acanho quando vou escrever uma fanfic com um couple novo. Nunca sai algo grande ou muito explícito. ): É tipo uma maldição bahaha E com essa KangTeuk não foi diferente... Então me perdoem por essa tentativa fail.
Eu também achei essa fic muito parecida com Fade Out (?) Mas, sei lá, to postando mesmo assim porque achei que ela não tá de todo ruim...
Se estiver, por favor, não se acanhem em me dizer. ♥ Críticas construtivas e bem intecionadas são sempre bem vindas.
Boa leitura~



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Seu olhar implacável e duro recaiu sobre o homem prostrado diante de si. Em suas pupilas, queimava o mesmo fogo que se levantava em altas labaredas naquilo que os espíritos mundanos chamavam de Inferno. O submundo era, sobretudo, uma manifestação pessoal – as delimitações físicas para ele eram meramente espirituais. Ele estava dentro de cada um de nós, assim como o Paraíso também estava. Dentro de cada homem, ardia a danação demoníaca dos proscritos, assim como sobrevinha a celeste inspiração divina.

Leeteuk tentou dizer isso ao marceneiro que, de cabeça enterrada entre os joelhos e de ombros caídos, não era capaz de lhe fitar de volta. Sabia da revolta e da decepção do anjo e de como ele estava enraivecido com aquilo.

Com sua voz de mil tons, Leeteuk lhe segredou uma verdade inalienável sobre o cosmos e o andamento deste. Embora em sua face de aparência sublime houvesse gravidade, sua fala era serena e controlada. Nós não somos inimigos de Deus, ele disse, seu rosto se fechando de súbito, nós somos inimigos da humanidade.

Kangin se encolheu mais. Tinha medo, um medo absurdo que o engolfava a cada batida de seu coração, medo de que o anjo caído perante a si lhe arrastasse até às portas do Inferno selado. Medo de que ele retornasse sozinho para esse inferno. Medo de que ele o abandonasse para sempre.

Mas eu não odeio você, Kangin. Você é o mais próximo que eu posso chegar Dele e, por isso, eu te amo.

X

“Eu tenho uma encomenda para você”, o anjo anunciou, certo dia, ao entrar sem aviso na oficina de Kangin. O marceneiro trabalhava numa peça que, pela forma que estava tomando, serviria de mobília, provavelmente um criado-mudo ou uma mesa de centro.

Nunca antes Leeteuk fora até lá, geralmente eles se encontravam nos campos, mas, naquela ocasião, ele ousara visitar o camponês em seu ofício. Gostaria de observá-lo enquanto ele trabalhava com o serrote e a lima. Ao vê-lo ali, Kangin sorriu de modo a mostrar os dentes brancos e retos. O anjo devolveu com um sorriso mais contido, apenas um levantar de lábios, sem muita afetação. Cerrando os olhos por um breve momento, aproximou-se mais, parando ao lado do marceneiro.

“E qual seria?”, indagou o homem, ainda sorrindo tão intensamente que seus olhos pareciam não mais que dois traços de nanquim riscados às pressas em sua face.

O anjo, por sua vez, respirou fundo e estendeu a mão para afagar um dos ombros de Kangin.

“Eu quero um gayageum. No mundo inteiro, somente você será capaz de fazer o gayageum de que eu preciso. Por favor, aceite esse trabalho, Youngwoon-ssi.”

O pedido inesperado teve justamente o efeito que Leeteuk imaginara. Kangin arregalou bem os olhos, encarando o anjo, estupefato. Ele era um marceneiro, não um luthier. Como poderia fabricar um instrumento tão fino quando suas mãos só trabalhavam em móveis rústicos?

No entanto, Leeteuk não respondeu a nenhuma de suas perguntas. Se limitou a caminhar para fora da oficina e, vendo que não havia ninguém nas cercanias, abriu suas longas asas níveas e alçou voo no firmamento azul e claro. Atrás de si, deixou uma trilha de penas brancas e macias. Apanhando uma delas, Kangin voltou para dentro e se pôs a imaginar como conseguiria atender um pedido tão inusitado e complicado quanto esse.

Chegou à conclusão de que, se fora um anjo que lhe pedira isso, era porque ele estava apto a fazer – ainda que não fosse um anjo das alturas, e sim um anjo das profundezas. Sendo assim, rumou à floresta, onde acharia o material ou, ao menos, inspiração de como iria atender ao pedido de Leeteuk.

X

Bereshit bara Elohim et hashamayimve'et ha'arets”¹, no instante em que recebeu o gayageum de Kangin – o objeto cuja confecção dera ao marceneiro mais trabalho e mais prazer do que qualquer outro – Leeteuk recitou o primeiro versículo do Pentateuco. Sem saber o que ele dizia ou sequer em qual língua ele falava, Kangin se limitou a acenar negativamente com a cabeça quando Leeteuk lhe indagou se ele fazia alguma ideia do que o anjo tinha dito.

Concluindo que ele de fato não tinha como saber, Leeteuk sorriu ternamente. A ignorância humana se estendia por quilômetros e, antes de ser uma maldição, era uma imensurável benção. Se eles ao menos imaginassem as batalhas e guerras travadas no campo espiritual por suas almas, eles sequer dormiriam à noite, eles seriam assombrados o tempo inteiro pelo fantasma da incerteza e pelo espectro da desolação. Tão frágeis, tão belos.

Leeteuk tinha vontade de ser como eles.

Passando a ponta dos dedos sobre as cordas do instrumento, o anjo suspirou, relaxando sua postura. Suas pálpebras se cerraram e ele tragou uma boa dose daquele ar puro e límpido.

“Hoje eu estou voltando para a Sua presença. Tocarei o gayageum para Ele e me colocarei a seus pés. Eu não quero mais ser um anjo caído, Youngwoon. Eu me arrependi sinceramente.”

Aquelas palavras surpreenderam Kangin. E, num gesto fraternal e caloroso, ele puxou o anjo para um abraço. Seus braços fortes e bronzeados envolveram a cintura dele e imediatamente Leeteuk descansou a cabeça na curva de seu pescoço. O marceneiro afagava as penas das asas arqueadas com uma delicadeza atípica para um alguém de sua compleição; enquanto isso, a criatura em seu regaço se encolhia. Kangin sentia o corpo alheio contra o seu, tão morno e de textura agradável. O peito descoberto também tocava o seu, já os lábios sedosos do anjo imprimiam uma carícia imperceptível em seu pescoço.

“Ele vai te aceitar. Não se preocupe, ele vai te aceitar.”

Não foi o que aconteceu. Leeteuk mal dedilhou uma nota de seu gayageum e foi enxotado das portas do céu.

X

Você é o mais próximo que eu chego Dele em eras e, por isso, eu te amo.

“Por favor”, Kangin murmurava, o rosto lavado de lágrimas. Era a primeira vez que Leeteuk parecia ameaçador ou austero. O marceneiro não precisara perguntar para saber o que havia acontecido quando Leeteuk tentara retornar ao lugar ao qual pertencera, muito antes do princípio. Ele conseguira supor só de olhar os olhos negros e coléricos do demônio. Ele estava irado e magoado. Kangin tinha medo de que fosse aniquilado pela fúria de Leeteuk.

“Eu me arrependi. Eu me arrependi sinceramente”, ele bradava, os orbes injetados e a voz saindo entrecortada. “Por que eu não fui aceito?!”

Não seria Kangin que sanaria sua dúvida. Não seria ser nenhum, celestial ou demoníaco, que o faria. Era uma equação simples, de fácil resolução. Somente o próprio Leeteuk a solucionaria.

Kangin era seu empecilho, o espinho na carne que o impedia de se juntar ao Senhor mais uma vez e, dessa vez, para toda a eternidade. Leeteuk o desejava demais, tinha apego a ele. Mais do que se arrepender, ele deveria se despojar de Kangin.

Assim pensava o anjo caído.

Portanto, decidiu fazer o que tinha de fazer. Antes de se despedir definitivamente daquela alma que em breve seria extinta, Leeteuk deitou seus lábios sobre os dele. Naquele beijo casto, ele foi engolfado pelo fôlego de vida vibrante do marceneiro. E então Leeteuk o abraçou. Kangin não se mexeu, não disse nada. Só fechou os olhos, aceitou o fado e descansou na fé bruxuleante que lhe restara.

Deus estava consigo. Não com Leeteuk, mas consigo.

Seria a abóbada celeste que se fechara com nuvens cinzentas ou era impressão sua, fruto de uma mente abalada? Kangin suspirou fundo e novas lágrimas caíram do canto de seus olhos.

Leeteuk o apertou mais contra si. E a existência de Kangin se extinguiu em uma luz amena.

Vayomer Elohim yehi or vayehi-or.²


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Notas finais do capítulo

¹: No princípio, criou Deus os céus e a terra.
²: E disse Deus: haja luz. E houve luz.
do original em hebraico. Porque eu tinha que jogar meu parco hebraico em alguma fanfic aleatória. mwaha
E aí, o que vocês acharam do meu debut em KangTeuk? TT___TT
Eu meio que kibei algumas coisas de Vintner's Luck (o anjo e o ~conceito~ de anjo, principalmente). A capa, aliás, é com o Gaspard Ulliel todo gato de anjo. Eu super recomendo esse filme, é muito bom. No mais, é isso. n_n
Obrigada por lerem. ♥