Aquela tinha sido uma semana muito boa para uma primeira semana, sem nenhum susto, tudo tranquilo. Muitas conversas, um pouco de choro, mas muitos abraços e conselhos. Eles estavam se tornando grandes amigos. E aquele seria o primeiro dia da segunda semana. Ville torcia para que fosse só mais um dia normal, como aqueles que tinham se passado. Ele entrou na casa de Lara e estranhou a monotonia, ela costumava deixar a TV da sala ligada, pois tinha terror da solidão, mas hoje o silêncio era total, chegava a ser assustador.

Ville a chamava, enquanto passava por cada cômodo da casa. Ele temia o pior. Só faltava passar pelo banheiro e a porta de lá estava trancada. Ninguém respondia às batidas. Teve de arrombar a porta. Ao entrar, tomou um grande susto, a banheira transbordava e via um pouco dos cabelos escuros de Lara para fora da banheira. Ela tinha tentado de novo.

Num pulo já estava dentro da banheira, a puxando para fora da água. Ela estava pálida, gelada e nua, mas com semblante calmo. Parecia estar em paz com aquela atitude. Mas demorava a voltar a respirar. Ville fez respiração boca a boca, massagem cardíaca e os procedimentos comuns para afogamento. No desespero, não percebeu que ela tossia e estava com o seu celular em mãos, pronto para ligar para a emergência. Quando ouviu o “alô” da atendente, viu os olhos de Lara se abrirem repentinamente e a tosse ficando mais alta e desesperada. Desligou o telefone e a ajudou. Quando tudo se normalizou, ele reclamou:

- SUA LOUCA! O QUE VOCÊ QUERIA FAZER?

- Morrer. – balbuciou, com voz quase inaudível, com os olhos marejando enquanto se encolhia em um canto.

- Mas você estava tão bem. O que aconteceu que te mudou assim? – perguntou, preocupado, porém, mais calmo.

- Nada. Só me deu vontade e eu fiz. – uma lágrima caiu de seus olhos – Quase consegui.

- E você não vai me agradecer? Eu te salvei.

- E quem disse que eu queria? – continuou chorando.

- Me desculpa se não era, mas eu tô aqui pra isso. Te salvar, te ajudar. Sou seu amigo, não lembra? Amigos se preocupam, amigos cuidam.

Ela não respondeu e aumentou ainda mais o choro.

- Vem, vamos pro seu quarto. Você precisa se vestir, se não pode ficar doente. Eu vou limpar essa bagunça. – disse Ville, a levantando, andando para o quarto.

Ele foi cuidadoso, a deitou na cama, a cobriu, deu um beijo em sua testa e sentou-se ao seu lado. Deu um abraço apertado e a deixou chorar em seu ombro. Quando se acalmou, ele a soltou e foi limpar o banheiro. Quando chegou a porta, Lara o chamou:

- Psiu, depois você vai precisar trocar de roupa, se não vai ficar doente também. – ela tinha um sorriso carinhoso no rosto.

- Claro, querida. – ele retribuiu o sorriso e saiu.

Enquanto limpava a água no chão do banheiro pensou em quantas ele pôde ter feito sofrer daquela maneira ou até pior. Sentiu-se um horror de pessoa, e por um lado, ele realmente era. Partia corações e não se importava, passava por cima de sentimentos só por uma noite de prazer. Era só mais um cafajeste. Talvez levasse uma lição disso tudo. Quando terminou, percebeu que ela havia ligado a TV do quarto e estava vendo um filme qualquer, com o semblante de sempre: concentrado e ao mesmo tempo distante. Sorriu. Realmente tinha se apegado àquela menina.

Aproveitou a distração dela e tirou a roupa, que estava completamente molhada e estendeu no chão do quintal dos fundos para secar. Ele queria tentar passear com ela, aproveitar o sol que fazia, e tinha se arrumado para isso. Aquela jaqueta de couro, que ele tinha rabiscado com uma música do Iggy Pop, “Your Pretty Face Is Going To Hell”... Torcia para que não estragasse, e riu. Que pensamento mais egoísta! Tinha acabado de salvar a vida dela, que se dane a jaqueta! Enfim, teria que atrasar aquele passeio.

Voltou para o quarto, só de cueca. Ele já tinha feito isso tantas vezes, e com mulheres completamente desconhecidas, não entendia o porquê de estar constrangido naquele momento. Rapidamente se deitou ao lado de Lara e se cobriu. Ainda bem que ela estava distraída, ou o constrangimento seria pior.

Ville chegou mais perto dela, a fazendo sair do mundo em que estava. Só então perceberam o que assistiam: As Meninas Superpoderosas. Riram alto.

- Hoje eu queria dar um passeio com você, mas acho que vou ter que adiar.

- Ah, mas você disse que não ia me forçar a ver a luz do dia nem nada disso!

- Mas eu não ia te levar ao parque ou para dar uma volta no quarteirão. Iria te levar à Galeria do Rock, conhece? A gente ia fazer compras. Não gostou do programa?

- Sim, gostei... Mas estraguei tudo, né? – lamentou, olhando para baixo, triste.

- Não, você não estragou nada. A Galeria vai estar sempre lá, não vai fugir. Podemos ir outro dia. – sorriu, consolando-a. – Agora vamos voltar a ver esse desenho super legal! – ironizou, abraçando-a. – Vamos esquecer o susto de hoje.

Aquele dia seria mais um dia como os outros, exceto pelo susto que tinham acabado de passar. É, aquilo não seria nada fácil. A amizade deles parecia cada vez mais forte. “E quando a missão dele acabar? Como nos desapegaríamos?”, pensou Lara. Mas aquele abraço amigo estava bom demais para mais um drama, resolveu esquecer e assistir às meninas de Townsvile ao lado do seu cuidador.