Pó Mágico escrita por Ayla Pupo


Capítulo 1
Capítulo 1




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Pó mágico

 

Aeka passeava no jardim de Jurai. Belas flores encontrava... O dia estava claro, o vento gracioso roçava nas folhas, que farfalhavam aos pés da princesa. Os terrenos do castelo eram enormes e divinos, e poderiam distrair a herdeira do trono por anos a fio... ou ao menos até que conseguisse parar de pensar em Tenchi.

         Sentou-se em meio a algumas flores azuis, que, apesar de pequenas, tinham o perfume tão intenso que impregnava a pele. E, olhando para o céu, Aeka tornou a pensar justamente naquilo que deveria esquecer em sua viajem a Jurai: a Terra. Não seria capaz de esquecer Tenchi... Alguns dias longe acabaram fazendo com que a princesa enraizasse mais profundamente o amor no peito. E suspirou. Seu querido Tenchi não a amava. Recordou-se tristemente dos dias em ela indiretamente declarara seu amor e seu Lord não demonstrara interesse. E soube, mais uma vez, que seu coração era dele, mas que o coração dele era seu apenas no círculo de amizades, e Tenchi jamais seria Rei de Jurai, jamais reinaria absoluto ao seu lado no trono de seus ancestrais.

         O Sol esquentou e brilhou e, desviando os olhos dos raios cegantes, Aeka voltou a admirar as delicadas flores azuis aos seus pés. Eram lindas e dóceis... e pareciam passar a certeza de que tudo acabaria bem. Sorriu. Aeka suspirou novamente, mas, dessa vez, com uma estranha felicidade melancólica e, fazendo cócegas em uma das flores, observou um pó azul claro desprender-se da planta e voar pela brisa. De repente, ficou estática, encarando o pó, esperando que ele se dissipasse. E lembrou-se quando, há muitos anos, visitara aquele jardim com seu amado noivo e irmão...

 

         _ Está vendo esse jardim, princesinha ?

         _ Claro que estou ! – e a criança encheu os olhos de brilho.

         _ Pois será todo seu quando se tornar rainha. – Yosho agachou-se tranquilamente sobre as flores e pediu com um gesto de mão que a irmã se sentasse ao seu lado. – Você gosta daqui ?

         _ Sim, mano, eu adoro esse lugar ! – Aeka aconchegou-se ao seu lado e admirou, espantada, toda a beleza do jardim mais belo de Jurai. – Posso trazer meus amigos aqui ?

         Yosho, que até então sorria, ficou sério e perdeu-se no horizonte. Mas não demorou a responder. E falou sério:

         _ Sabe, princesa, talvez não tenha percebido que esse jardim é de exclusividade da família real. Percebeu ? – e esperou que sua irmã negasse com a cabeça – Nossos jardins têm coisas muito especiais. Coisas que o povo de Jurai não deve conhecer. Coisas que podem ser perigosas.

         A menina prestava toda a atenção, e agora já franzia o cenho, pois sabia que o irmão tinha algo importante a contar.

         _ Nossas plantas são místicas. A maioria delas tem propriedades mágicas que fascinariam qualquer pessoa... seja ela boa ou ruim. Essas flores podem trazer sucesso... podem provocar a dor. – e Aeka fez uma careta assustada – Nossos preciosos jardins são capazes de transformar pessoas comuns em reis. E, como não poderia faltar, essas flores podem trazer o amor e a paixão à vida de quem mais precisar. – e sorriu docilmente.

         _ Mas trazer o que amor não é uma coisa boa ?

         _ Não, minha querida Aeka. O amor não deve ser conquistado por um feitiço. O amor deve ser conquistado por amor. Essa flor azul – e apontou umas pequeninas flores que estavam por perto – é responsável por esse amor. Que é falso. É egoísta e cruel. E eu espero que jamais precise ele em sua vida.

         Ficaram em silêncio por um instante, ambos atraídos pela cor hipnotizante da flor.

         _ Como é que se usa ? – perguntou Aeka, de repente, na curiosidade.

         _ A flor solta um pó que, se ingerido, faz com que o homem se apaixone pela primeira pessoa que vir. E é incontrolável, destruidora... e instantânea.

         _ Pó ? Não é um pólen ?

         _ Não, minha princesa. O pólen serve para fecundar plantas. O pó serve para fecundar pessoas.

         E passaram o resto da tarde conversando sobre as várias flores do jardim de Jurai.

 

         Aeka encarou tão profundamente o azul que por segundos deixou de respirar. Era um pó mágico. Um pó azul, belo, cheiroso, raro e mágico. Não havia como ser melhor. Yosho, seu querido noivo e irmão era sábio, mas Aeka duvidava que ele já tivesse experimentado o pó, e, por isso, talvez não estivesse tão correto em suas afirmações. O amor que ele proporcionava não poderia ser falso... o amor jamais é mascarado, é sempre puro e transparente. Fungou. E pensou em Tenchi. Quanto valeria o amor de seu Lord ? E, apanhando um bocado de flores azuis, a princesa levantou-se com pressa e decidida, indo em direção ao palácio.

 

 

         A casa de Tenchi estava tranqüila. Quando Aeka chegou, todos estavam nadando no lago, inclusive Ryoko. Mas, por algum motivo, Tenchi encontrava-se só, sentado na varanda. Observou Aeka pousar com a nave e esperou que ela se aproximasse da casa, quando sorriu.

         _ Oi, Aeka. Voltou bem antes do que dissera.

         _ É... – e a princesa sentou-se ao seu lado, ruborizando – Não agüentei a saudade. Tive que largar meu reino novamente.

         Silenciaram e vislumbraram ao longe as garotas se divertirem no meio da água e da noite.

         _ Como foi de viagem ? Bem ?

         _ Sim... foi tudo bem e normal. – Aeka estava sem jeito, como se temesse que, de alguma forma, Tenchi pudesse ler seus pensamentos e adivinhar seu plano.

         _ Que bom. Fiquei preocupado quando você resolveu partir do nada. Parecia que estava tão triste com alguma coisa...

         Novamente, o silêncio, que separava-os como um muro. E, de súbito, Aeka levantou-se.

         _ Lord Tenchi, vou fazer um pouco de chá. Gostaria de beber uma xícara ?

         _ Bom, não precisa fazer por minha causa, mas, se for fazer do mesmo jeito, então eu gostaria sim de um pouco de chá. – sempre tão gentil, educado... Aeka sentiu o peito bater mais forte. Sentia-se culpada e temerosa por enganar coração tão bom.

         Foi até a cozinha, onde colocou água pra ferver e encostou-se na pia. Do bolso, retirou algumas flores azuis amassadas e, deitando-as em uma tábua, começou a espremê-las e retirar o pó.

         Esmagou as pétalas, e o pó se soltou na tábua. Esmagou. Apertou, trucidou, concentrou-se tão firmemente na tarefa que acabou por levar um susto quando a chaleira indicou a água fervendo. Aeka retirou-a do fogo e, jogando algumas folhas de chá na água, espalhou também delicadamente o pó, que desceu ao fundo da chaleira.

         O aroma impregnou a cozinha. Além do cheiro de chá, havia também o odor tão convidativo daquele pó mágico. Aeka ficou séria. Não sabia qual seria o próximo passo... tinha medo do que estava prestes a fazer. As rodelas de vapor subiam e rodopiavam no ar, conforme a princesa pensava. Porém, antes mesmo de alinhar os pensamentos, Aeka já estava depositando chá em duas xícaras e caminhava até a varanda.

         Parou de repente. No meio do caminho, semi-escondida pelo batente da porta, observou Tenchi ainda sentado, olhando para as estrelas. Era tão doce... seu Lord parecia ainda tão inocente e alheio às maldades do mundo. Era belo. E grande. Mas poderia ser facilmente manipulado por um simples pó. Novamente, sentiu o compasso do coração demasiadamente acelerado. Como queria aquele amor ! Seu desejo por Tenchi poderia transcender qualquer outra vontade, qualquer outra riqueza. Aeka amava Lord Tenchi como poderia amar a própria vida. A pele clara do rapaz brilhava à luz da Lua. Era jovem e tão completamente inexperiente... talvez Tenchi nem conhecesse o amor. Talvez fosse por isso que era incapaz de corresponder aos sentimentos de Aeka. Porque ainda era puro, e seu coração nunca tivera sido destroçado pelo sentimento mais deslumbrante e doentio do universo.

         A princesa olhou para as mãos e franziu o cenho ao perceber que o chá envenenado de paixão ainda estava lá. Seria mesmo capaz de fazer com que Tenchi a amasse ? Seria ? Talvez... mas o amor deve ser conquistado por amor. E Aeka desejava, mais do que tudo, que Tenchi pudesse amá-la incondicionalmente... e verdadeiramente. Valeria a pena a eternidade ao seu lado, mas com a certeza de que todo aquele sentimento era uma fraude ?

         Aeka pensou. A cabeça doeu, os olhos umedeceram, as mãos tremeram e ela voltou a encarar Lord Tenchi. Ele merecia sentir o amor verdadeiro ainda. Seu primeiro sentimento de afeição necessitava ser real e legítimo. E que fosse com Aeka ! Que ela tivesse a capacidade de conquistá-lo pouco a pouco, dia após dia, com cautela e dedicação. Porque é disso que o amor é feito. Dedicação. E liberdade de escolha.

         Voltou com pressa para a cozinha. Sem pensar duas vezes, derramou todo o chá no ralo da pia. Respirou forte, apressadamente, ainda refletindo sobre o que fizera e se era bom ou ruim. Mas já não havia mais escolha. O pó já se ia pelos canos, deixando um último vapor de aroma adocicado e levemente azul. E Aeka esperava não desejar tornar a vê-lo.

         Minutos depois, retornou à varanda e, sentando-se com Tenchi, entegou-lhe uma xícara de chá.

         _ Como demorou, Aeka ! – e sorriu – Pensei que estivesse com problemas pra usar a parafernália da cozinha. Não tinha certeza se, sendo princesa, aprender tarefas domésticas.

         _ Bom... – e a princesa sorriu-lhe de volta com autêntica alegria – confesso que estava um pouco em apuros. Me atrapalhei com a chaleira. Desculpe. Mas aqui está. Brindamos ?

         _ Com chá ?

         _ É o que está em mãos agora. – e riu divertida.

         _ Está certo. Brindaremos a que ?

         E, sem pensar muito, Aeka disse com sonoridade:

         _ Ao amor ! Ao amor legítimo e real que atinge a todos nós.

         _ Ao amor !

         E bateram xícaras. Beberam um gole e observaram o lago. Um minuto de silêncio e, arrastando o corpo, a princesa aproximou-se bem de Tenchi, encostando-se nele e deitando a cabeça em seu ombro.

         _ Fiquei com saudades, Lord Tenchi.

         _ Também fiquei com saudades, Lady Aeka.

         Talvez houvesse esperança. Mas o que mais importava que certamente haveria a felicidade, porque Aeka queria, antes de tudo, o bem de seu amado.

         E ali ficaram, sob a luz da Lua taciturna, olhando as garotas brincarem, enquanto no céu um pó azul sobrevoava-os sem nem ao menos existir. //


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