POV Katniss

Eu estava presa em mais um daqueles pesadelos sem fim. Via a mina do Distrito 12 explodir, os gritos do meu pai, Prim sendo escolhida na Colheita e eu não podendo me voluntariar. (N/A: SPOILER ALERT!) Mas a última das imagens eu não conhecia. Eu estava em uma grande caverna que tinha tapeçarias penduradas na parede. O chão parecia ser feito de um material frágil, como teias de aranha. Uma grande estátua de ouro representando uma mulher estava lá. Parecia familiar das aulas de história. Sentia uma dor horrível no tornozelo, deveria ter quebrado. Havia cabelo nos meus olhos, mas a franja não era castanha, era loira. Então as coisas começam a ficar cada vez mais estranhas.

 O teto começou a desmoronar, o que caía com ele era semelhante alguns carros da Capital. Lá no alto eu vi um grande navio de bronze pairando no ar. Navios não deveriam ser feitos para andar na água? Desse navio desceram cordas, e em uma dessas cordas veio Percy. De todo esse tempo em que nos conhecemos eu nunca o vi tão feliz e preocupado. Ele me abraçou, me beijou e falou algumas coisas que soaram um pouco turvas para mim. Eu só consegui ouvir apenas algumas coisas com clareza: “Annabeth” e “Está tudo bem, nós estamos juntos agora”. Então eu me dou conta do que está acontecendo. Eu estou no tempo de Percy, vendo as coisas que provavelmente Annabeth viu ou virá. Sentia que eu estava em perigo eminente há poucos segundos, ele parecia saber disso também. Mas em nenhum momento falou coisas como “Você está bem” ou “Estamos vivos”. O que realmente importava é eles estarem juntos, seja da forma que fosse.

Apareceram outras pessoas do navio, devem ser meio-sangues também. Eles falam algo sobre a guerra contra Gaia. Digo algumas coisas também, mas não faço a mínima idéia do que signifique. Durante todo esse tempo Percy nunca se afastou de mim ou soltou a minha mão. Ele costuma agir assim comigo, mas ele com certeza amava muito mais Annabeth do que eu. Não estou triste, mas sim um pouco culpada. Eles eram – correção: são – tão ligados, tão apaixonados, eu estou estragando isso? Mesmo cansada e sentindo dor, Annabeth não parava de olhar para Percy por um só segundo. Eles só precisavam estar juntos para estarem felizes, isso é a forma mais plena de amor que já conheci!

Foi quando as coisas começaram a dar errado naquela visão. A estátua dourada tombou gravemente para o lado fazendo o chão de teias ceder. Os semideuses entraram em uma situação de desespero. Os minutos seguintes passaram como um borrão. Só voltei a mim com a dor insuportável no tornozelo. Ele havia se enrolado em um bolo de teias e, seja qual for o peso da coisa, estava me puxando para o grande fosso sem fim abaixo do chão. Era tanta dor que eu cheguei a desmaiar por poucos segundos.

Quando acordei estava suspensa no ar apenas pela mão de Percy, que estava se segurando no chão. Ele parecia fraco, pálido, e com o rosto coberto de sangue. Mas para mim – e eu sei que para Annabeth também – ele nunca poderia estar mais bonito. Minha voz saiu cansada e derrotada:

- Me solte, Percy. Você não vai conseguir me puxar.

- “Nunca”. – ele disse. Ele gritou algo para um garoto lá em cima, até um tipo de promessa. Quando voltou para mim eu pude ver a decisão no seu olhar, então ele disse:

- “Nós vamos continuar juntos. Você não vai mais se afastar de mim. Nunca mais”.

Entendi o que ele disse. Não iria se afastar de Annabeth, não importa o que precisasse fazer para que isso aconteça.

- “Contanto que estejamos juntos”. – murmurei.

Ele soltou a mão do pedaço de piso que estava segurando e nós caímos de mãos dadas, juntos, para a escuridão eterna. (N/A: SPOILER ALERT OFF! ) *

Acordei gritando. Percy estava segurando meus ombros, com uma expressão preocupada semelhante a dos meus sonhos.

- Katniss, acalme-se! Foi só um sonho ruim. Não precisa se preocupar.

Minha respiração estava ofegante, estava suando frio e senti lágrimas correndo pelo meu rosto involuntariamente. O bolo na garganta crescia cada vez mais, até eu não conseguir me conter e começar a chorar como uma criança. Imediatamente Percy me abraçou e começou a afagar o meu cabelo. Não sabia ao certo por que estava chorando. Pela situação em que Percy e Annabeth se encontravam? Pelo fato de eu saber que aquela visão se tornaria realidade? Não sei ao certo, mas no momento eu só conseguia chorar.

- Está tudo bem, Catnip. Seja o que for que você viu não vai te machucar de novo. Estou aqui para te proteger e é isso que eu vou fazer. – ele falava suavemente enquanto limpava as minhas lágrimas.

- O que eu vi foi pior do que qualquer monstro ou bestante que poderia aparecer na Arena. – falei com a voz rouca e embargada.

- Posso saber o que é? – ele falou com a típica curiosidade e preocupação na voz.

Fiquei hesitante entre contar ou não. Para começar seria difícil explicar isso na frente das câmeras, e não queria deixar ele mais preocupado do que já estava. Por outro lado, talvez ele pudesse reverter isso de alguma forma no futuro. Ou melhor, no passado. Quero dizer...Ai, isso já está me deixando com dor de cabeça.

Respirei fundo e disse:

- Era uma visão sobre você e Annabeth.

Ele levantou as sobrancelhas levemente.

- Você viu Annabeth?

- Não exatamente, eu estava vendo o que ela via.

- Entendo. – ele parecia um pouco decepcionado. Talvez ainda quisesse mais lembranças dela. – Que tipo de visão?

Fiz uma careta e respondi:

- Vocês estavam com outros semideuses, falavam sobre a Guerra contra Gaia. Annabeth estava com o tornozelo quebrado. Você não saía de perto dela por nada. Então o lugar todo começou a desmoronar, ela iria cair em um fosso escuro sozinha. Mas... Você foi com ela, disse que não iria ficar longe dela novamente. – terminei com a mesma voz embargada de antes.

Ele franziu a testa e disse:

- Facilitaria se eu tivesse as minhas memórias de volta. Eu poderia distinguir se isso já aconteceu ou não.

- Vocês pareciam se amar tanto. Me senti um monstro depois daquilo. – falei culpada.

- Por quê?

- Ora, Percy. Eu roubei o namorado da garota! Isso não estaria na “Lista de Coisas Legais a Se Fazer Com Pessoas que Você Nem Conhece”, estaria?

- Você não roubou o namorado de ninguém, Catnip. Apenas está protegendo a mim e a você mesma, ok? – ele disse levantando o meu rosto para que eu pudesse olhá-lo nos olhos – Foram apenas acasos do destino, e a culpa é toda minha, Kat.

Fiquei alguns minutos em silêncio apenas observando-o, depois sorri.

- Acho que sei o que fez Annie se apaixonar por você.

Abracei ele e falei em seu ouvido:

- Não sei se já disse isso, mas obrigada por sempre me proteger, D4.

Ele retribuiu o abraço e disse:

- Só estou fazendo o meu trabalho, caçadora.

Fomos separados por um barulho metálico mais alto que a chuva. Percy foi em direção a entrada da caverna antes que eu pudesse alertá-lo sobre algum perigo. Com um grito de surpresa ele pegou algo lá de fora e entrou. Era alguma coisa enrolada em um tecido prateado, tecido de pára-quedas.

- Acho que Haymitch se deu conta de que precisávamos comer.

No pára-quedas estava um digno banquete. Arroz, cozidos, algumas frutas e cerca de quatro bolinhos com cobertura... azul?

- Isso é pra mim. – Percy disse apontando para os doces.

Eu ri e falei:

- Por que a psicose com a comida azul?

- Eu não sei. Faz eu me sentir em casa. – ele pegou um dos bolinhos e estendeu pra mim. – Prove.

- Não, obrigada. Eu não sou muito a fim de doces. – falei servindo um pote de cozido para cada um de nós.

- Está tirando uma com a minha cara? – ele falou com uma careta. – Que tipo de garota não gosta de doces?

- O tipo de garota que não quer engordar e ficar com cáries, Jackson. – falei revirando os olhos. Ele repetiu o meu gesto e nós comemos em silêncio. Na hora da “sobremesa” eu comi uma maçã e ele um dos bolinhos, mas parecia que certas pessoas estavam seriamente incomodadas com isso.

- Não acredito que você vai trocar um bolinho por uma maçã, Katniss. – ele disse.

- Pois acredite, é o que eu estou fazendo nesse momento.

- O bolinho é muito melhor.

- Me diga por que então.

- É de chocolate, tem recheio de sorvete e é azul. Quer que eu liste mais o que?

Pensei mais um pouco e falei:

- Ainda prefiro as minhas maçãs.

- Eu estou dizendo: os bolinhos são melhores.

Bufei e falei:

- Prove o que está dizendo.

Ele encolheu os ombros e disse:

- Você que pediu.

Ele acabou com a distância entre nós e me beijou. O gosto de baunilha, chocolate e glacê invadiu a minha boca, mandando uma sensação calma e doce pelo meu corpo. Certo, eu admito: bolinhos são melhores que maçãs. Mas só há uma coisa melhor que os dois: beijos. **

Me separei dele rindo e falei:

- Você gosta mesmo de me beijar, não é?

- Não posso evitar. É o meu passatempo favorito. – ele disse passando a mão pelo cabelo bagunçado e corando. Coisa rara. – Gostou do bolinho?

Assenti e disse:

- São bons sim. Mas eu suspeito que eu só tenha gostado por causa da forma que eu recebi ele.

Ele sorriu abertamente e sussurrou:

- De santa você só tem a cara, Everdeen. Acho que seu tempo comigo está te afetando, grande parte da pureza original já era.

Dei um tapa atrás de sua cabeça e falei:

- Eu sou um anjo, ok? E nem esse seu jeitinho de malandro grego vai mudar isso.

Ele negou com a cabeça e falou:

- Tsc, tsc. Quanta inocência em uma pessoa só...

Bufei e fiquei olhando para ele por um longo tempo. Ele me irritava tanto, mas eu não conseguia ficar brava de verdade. Será que Annabeth passava pelo mesmo problema? Ou será que conseguiu a cura para “a carinha fofa de semideus”? Vou ficar sem saber por um tempo, por enquanto devo suportá-lo assim mesmo. Mas não é um trabalho difícil, qualquer garota daria um braço para ter alguém como ele por perto.