Finais Felizes escrita por N Baptista


Capítulo 2
Capítulo 2




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Quando acordei vi o carro parado a beira de um lago maravilhoso, tratava-se de uma parada de ônibus, mas estava quase deserta. Nicolas estava fora de vista, então eu aproveitei o momento de privacidade para ligar para casa:

– Oi mãe.

Luiza minha filha, onde você passou a noite?

– Ah, eu... Meio que to viajando.

– Viajando? Pra onde?

– É coisa da faculdade mãe. Desculpa, pensei que já tinha falado no assunto.

– Não faça isso de novo! Estávamos ficando loucos atrás de você.

– Não se preocupe. Eu estou bem e isso não vai acontecer de novo.

– Assim espero...

Escutei uns barulhos estranhos, como se alguém tivesse tirado o telefone da mão da minha mãe:

– Luiza? – Ouvi uma voz conhecida e esganiçada.

– Oi dona Shirley. Sou eu sim.

Você tem notícias do Nicolas, aquele pão?

Pão? Que coisa sem noção. Comecei a rir me debruçando no capô do carro enquanto formava a resposta:

– Não tenho nenhuma notícia. Sabe que não nos falamos muito. Por que, o que aconteceu?

– Ele saiu ontem e ainda não voltou... Mas não deve ser nada. Um beijo querida. Volta logo.

Depois dessa despedida ela desligou e eu fiquei rindo comigo mesma. Olhei o ambiente refletido na tela do meu celular e vi Nicolas bem atrás de mim, ele estava olhando a minha...:

– Está gostando da vista?

– É maravilhosa! – Ele respondeu com um sorriso ousado.

Me endireitei e ele me entregou um copo de chocolate quente, dei grandes goles e fiquei olhando para o lago:

– Quer dizer então que você não sabe onde eu estou? – Ele zombou.

– Não faço ideia. – Respondi no mesmo tom.

Ficamos só apreciando a brisa fresca enquanto eu formava a primeira pergunta da minha lista:

– Quem exatamente está atrás de você Nicolas? E por quê?

Ele soltou um longo suspiro e encostou os quadris no capô do carro assim como eu, cruzou os braços fortes e inclinou a cabeça para trás:

– Meu pai, Murrihad, era o chefe do nosso clã e nos manteve firmes por séculos, mas há dois anos... Ele foi morto por um rival e meus irmãos e eu passamos a brigar pela liderança. Meus irmãos são Joshua, o mais velho, e Guilherme, o caçula...

– Desculpa interromper... Mas vampiros têm laços familiares assim?

– Normalmente não, mas nosso clã é antigo... Descendemos dos originais...

– Só mais uma coisinha. Vampiros podem ter filhos? – Ele riu com a minha pergunta.

– Só os que tem em ascendência a família original.

– To confusa. Que eu saiba vocês não envelhecem... Como podem crescer? Digo... Nasce, cresce, e você entendeu.

– Tá legal, eu já vi que você não sabe nada sobre vampiros, então vou começar bem do início. Existem muitos clãs de vampiros, e cada clã tem suas próprias características. Um jeito de diferenciar é a forma como transformam os humanos, em alguns isso acontece com a troca de sangue, quero dizer, se o sangue de um vampiro desse tipo entrar no seu corpo pela boca ou por uma ferida aberta você se transforma. Em outros casos você precisaria morrer com o sangue do vampiro dentro do seu corpo e depois se alimentar. E também tem os vampiros que transformam apenas com a mordida, como um veneno, mas esses têm um problema, quando provam do sangue humano não conseguem parar e por isso não são capazes de hipnotizar as pessoas.

– Então eles estão em desvantagem em relação aos outros clãs não é? Quero dizer, não conseguem se misturar. – Comentei fitando o céu nublado.

– Hum, não exatamente. É verdade que eles não se misturam e por isso são nômades, mas eles têm uma capacidade que os outros não têm... – Ele fez uma pausa para dar suspense e observou a minha expressão – Podem andar sob a luz do sol sem se queimar. Não têm bem a aparência humana, mas é uma adaptação para que não precisem ficar escondidos o dia inteiro.

– Então você é um deles?

– Não. Eu sou do tipo da troca de sangue, que é a transformação mais fácil se quer saber, mas isso é uma afronta a natureza.

– Como assim? – Analisei a expressão de Nicolas e interrompi seu devaneio.

– Todo o bônus tem o seu ônus, e o nosso é que ao contrário dos outros clãs não conseguimos ficar sozinhos. Por isso montamos... Como eu posso dizer... Ninhos onde vivemos como família...

– Então Joshua, Guilherme e Murrihad não eram a sua família de verdade? – Interrompi.

– Calma, eu chego lá.

Um ônibus se aproximou da parada e Nicolas concluiu que já era hora de voltarmos para a estrada. Ele abriu a porta do carro para mim e depois que eu entrei, deu a volta e se sentou no banco do motorista. Demorou um tempo até que ele retomasse o assunto:

– Quando muitos vampiros montam moradia permanente em um lugar, os humanos acabam notando que eles representam perigo, mesmo com a hipnose a nossa disposição. Mas em resposta à sua pergunta, sim, eles eram a minha família de verdade.

Fiquei quieta só observando a estrada e me sentindo cada vez mais confusa. Ele continuou:

– Para o meu clã especificamente, os que descendem dos originais podem “ter filhos” com uma mulher humana. A criança nasce normal como qualquer outra, mas tem dentro de si o gene de vampiro adormecido e pode ficar assim para sempre. Mas se em algum momento ela provar o sangue humano, irá se transformar e passa a ser como os outros vampiros.

Pensei comigo mesma, então foi assim que ele cresceu:

– Minha mãe era uma mulher normal quando conheceu o meu pai. Eles se apaixonaram, se casaram e tiveram filhos. Mas com o passar dos anos era óbvio que o meu pai não estava envelhecendo e foi quando ele contou tudo para a minha mãe. Ela ficou revoltada por ele ter escondido esse segredo e o mandou embora da nossa vila, afinal não era como esconder uma amante, ele escondeu que tinha mais de quinhentos anos e bebia sangue. – Essa comparação soou mais como uma piada e eu soltei uma risadinha – Meus irmãos e eu ainda éramos crianças quando aconteceu, por isso a nossa mãe não nos contou a verdade. Nós nos mudamos e o tempo passou, um dia Joshua e eu saímos para caçar e encontramos um sujeito que era rápido e forte demais para que pudéssemos enfrentar. Tratava-se do braço direito do meu pai na época, e estava caçando com ele, infelizmente meu irmão e eu viramos a caça.

Eu dei um salto no banco e olhei para Nicolas, mas ele permanecia calmo e concentrado:

– Quando Murrihad nos viu, reconheceu imediatamente os filhos e foi tomado por um sentimento de culpa. Nós estávamos gravemente feridos, quase mortos, e ele nos deu sangue humano. Se virássemos vampiros íamos nos recuperar e isso era o que importava na hora. Joshua adorou as novas habilidades e em poucos dias criou o hábito de sair com o nosso pai para aprender um pouco mais. Mas eu não estava aguentando, me recusava a tomar sangue humano, afinal a nossa família era humana e eu não queria pensar neles como comida. Meu irmão me convenceu a manter isso em segredo da mamãe e eu estava fazendo isso até...

– Até o que? – Perguntei, foi a primeira vez que ele demonstrou emoção.

– Descobri que Joshua tinha transformado Guilherme e contei tudo para a nossa mãe. Meus irmãos acharam que eu era um traidor, mas eu não conseguia mais mentir.

– Acho que você fez o certo. Eu teria feito a mesma coisa no seu lugar.

Ele segurou a minha mão antes de continuar:

– A nossa mãe sumiu depois disso e passamos a morar com Murrihad e o resto do clã.

– Acho que entendi. Agora que o seu pai se foi, você está fugindo dos seus irmãos não é? Disse que estavam brigando pela liderança do clã.

– Posso falar disso mais tarde? – Ele apertou os meus dedos – Não estou com cabeça agora.

Depois que o Nicolas me contou toda aquela história o mínimo que eu podia fazer era respeitar o seu direito de permanecer calado, pelo menos por enquanto. As horas foram passando, mas ele não voltou a falar de si, queria saber de mim. Perguntou coisas do tipo “qual a minha banda favorita, que tipo de filme eu gosto de ver, que lugar do mundo eu sonhava conhecer, etc.” respondi cada pergunta e sempre que terminava, ele vinha com mais um monte delas, terminou perguntando como eu me sentia morando em uma pensão:

– Ah, é legal. Eu conheço um monte de pessoas novas, cada uma com uma história mais interessante que a anterior, e por sinal até agora a sua é a campeã. – Ele riu do meu comentário – Mas as vezes é meio frustrante... A gente não tem privacidade.

– Sei como é, quando morava com os meus irmãos nem quarto próprio eu tinha. Por isso eu passava quase todas as noites fora.

– Tá que era por isso. – Zombei sarcástica.

Paramos em um self-service para almoçar, quero dizer, para que eu almoçasse, porque ele ficou só me olhando comer. Quando voltamos para a caminhonete retomei o assunto, a verdade é que ele ainda não tinha respondido as minhas perguntas do dia anterior:

– Agora você pode me explicar por que estão atrás de você?

– Não quero falar disso. – Ele ficou bem sério.

– Por que não?

– Não quero que tenha medo de mim Luiza... A história é sombria demais.

– Se vamos viajar juntos, uma hora vai ter que me contar.

Eu o encarei com severidade, mas ele sustentou o meu olhar, me mantive firme e por fim ganhei a nossa batalha silenciosa. Nicolas deu um suspiro profundo e se virou para a estrada falando em uma voz bem baixa:

– Como eu disse, quando Murrihad morreu Joshua, Guilherme e eu entramos em conflito. Todos queríamos a liderança do clã que hoje é composto por mais de 600 vampiros. – Ele parou de falar para observar a minha expressão – Uma noite eu estava... Bem, digamos que eu não estava em casa e quando cheguei fui atacado pelos demais. Eles me agrediam e me chamavam de traidor, mas eu não sabia o por quê. Acontece que Joshua tinha matado Guilherme e posto a culpa em mim...

– Como sabe que foi ele? – Interrompi incrédula.

Foi ele... Se vangloriou na minha cara quando assumiu o clã e me trancou no calabouço.

Seu rosto lindo foi tomado por uma raiva intensa, seus olhos estavam apertados e ele firmava o maxilar. Senti um arrepio me percorrer o corpo e percebi que, eu estava com medo:

– Aproveitei uma noite de festa para escapar, pensei que todos estariam distraídos, mas mesmo assim não foi nada fácil. Tive que matar para sair de lá, matar a família que me acolheu. Você não faz ideia de como é isso...

Ele se virou para mim e percebeu minha expressão apavorada. Eu estava tremendo, minhas mãos estavam geladas e meus olhos arregalados. Eu tinha me mantido calma até agora, mas me pareceu que só naquele momento caiu a fixa de que o homem sentado ao meu lado era um VAMPIRO:

–Me desculpa Luiza... Eu não queria te assustar... Perdi o controle... Me desculpa.

Nicolas parou o carro no acostamento e desceu, ele estava tremendo de raiva e apesar de tentar desmanchar a sua postura ameaçadora, seus músculos permaneciam rígidos. Fiquei olhando para ele de dentro do carro, todo o meu corpo tremia e o meu coração estava tão acelerado que eu sabia que mesmo distante Nicolas conseguia ouvi-lo. O que se faz numa hora dessas? O que se diz? Cadê o roteiro dessa história?

Desci do carro ainda com as pernas bambas, cambaleei em sua direção e abracei Nicolas por trás, embora ele soubesse que eu me aproximava aquilo o pegou de surpresa. Ele respirou fundo e então se virou e retribuiu o abraço, na verdade ele me apertou contra seu peito como se precisasse daquilo há muito tempo, talvez dês de que a sua mãe sumiu:

– Agora eu entendo porque você não pode ficar sozinho. – Brinquei com o momento o que fez ele sorrir.

O vampiro afastou o rosto sem me soltar e ficou me estudando, depois prendeu uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e acariciou o meu rosto com as costas da mão:

– Você só pode ter um parafuso solto. Esqueceu que eu sou um monstro?

– Eu tenho um parafuso solto? É você que está abraçando a sua comida.

Nós ficamos rindo, o que foi muito bom para dissipar a tensão que tinha tomado conta do ambiente. As nuvens se abriram e o sol bateu em sua pele, eu dei um salto para trás achando que ele ia se queimar, mas não aconteceu nada:

– Achei que tivesse dito que o seu clã não é imune aos efeitos do sol.

– Ah é, não somos. Mas há alguns meses... Bem... – Ele não sabia por onde começar – Eu passei os últimos dois anos fugindo do meu irmão, Joshua colocou todos os vampiros do clã atrás de mim porque sabe que eu sou uma ameaça. Mas há alguns meses começaram a aparecer umas mulheres desconhecidas. Na verdade feiticeiras, Caroline, Samantha, Ester e Julie – Fiquei boquiaberta, eram os nomes que eu vi na escrivaninha do quarto dele lá na pensão – Elas me deram esse anel que me protege do sol.

Ele me mostrou o anel e riu do quanto aquilo parecia ridículo:

– elas disseram que são servas de uma quinta feiticeira que é a mais poderosa de todas. Ela quer me ajudar por algum motivo e nesse momento estou indo me encontrar com ela, não sei por que, mas acho que dá pra confiar. Além disso, eu to meio sem escolha.

Lhe ofereci um sorriso sincero indicando que estava tudo bem e que eu tinha entendido. O medo a essa altura já não existia mais e nós caminhamos lado a lado de volta à caminhonete e retomamos a viagem.



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Notas finais do capítulo

Por favor, comentem.