Sai de trás da parede de gelo e dessa vez a passagem foi mais fácil. Jeferson reclamou da minha demora e perguntou o que eu vi.

– Sei onde encontrar a minha mãe. – Respondi – E... A sua também.

Ele me encarou com os olhos negros. São os mesmos olhos de Julie, mas não quero pensar nisso.

– Não precisava ter feito isso. – Falou depois de um tempo – Eu a encontrei há alguns anos... É por causa dela que eu estou aqui.

Franzi a testa confusa e ele explicou melhor:

– A pessoa que a minha mãe serve, me julga perigoso demais por não ter completo autocontrole... Então estou preso aqui.

– O que? – Arquejei surpresa – Quando Julie me disse que nenhum vampiro ou feiticeiro podia entrar, não imaginei que a intenção era não sair.

– Isso é o exilio Luiza, conviver para sempre sozinho com a criatura que eu mais odeio... Eu mesmo.

Ficamos um tempo em silêncio e então ele começou a andar lentamente para a saída, sua cabeça e os ombros estavam baixos.

– Não devia se odiar! – Não falei muito alto, mas o eco da caverna fez o seu trabalho – Você é uma pessoa incrível, e eu nunca vou me esquecer do que fez por mim hoje.

Caminhei até ele sem hesitar e segurei em seu braço. O rapaz tremia sob o casaco de pele, mas duvido que fosse o frio.

– Prometo que um dia vou te tirar desse lugar. Você merece uma vida de verdade.

Jeferson riu como se eu tivesse contado uma piada:

– Você é muito doce, Luiza! Agora vamos embora, porque eu não estou com vontade de encontrar as feras de gelo quando escurecer.

Concordei com ele, também não queria encontrar algo assim. Então o rapaz jogou o casaco para mim e voltou a se transformar no lobo negro. Nunca vou me acostumar com isso. Montei em suas costas e praticamente voamos pelo caminho de volta, e em poucos segundos estávamos na cabana. Desmontei e caminhei em direção a porta, mas Jeferson me interceptou antes que eu a atravessasse e me encostou contra a parede externa da casa. Ele acariciou os meus cabelos e engoliu em seco quando disse:

– Obrigado por tudo.

– M-Mas foi você que...

– Shuuuu – Ele me interrompeu – Apenas obrigado!

Sorri em resposta e ele pegou o casaco me dando as costas e voltando para a floresta. Parece uma despedida. Quando entrei na cabana entendi melhor. O que vi não era a casa de Jeferson, e sim um corredor bastante familiar, a porta se fechou atrás de mim impedindo qualquer ideia de voltar e foi então que vi uma ruiva de cabelos rebeldes e cacheados me encarando de braços cruzados.

– Samantha? – Estranhei e ela bateu o pé no chão.

– Precisa controla-lo!

Controlar quem? Um estrondo oco me vez pular, parecia que alguém tinha socado a parede. Segui a feiticeira pelos corredores e logo me identifiquei na mansão de Serenity.

– Não me peça para ficar calmo! – Era a voz de Nick – Me peça para arrancar um braço, mas não para ficar calmo.

Ele gritava com todos na sala, isto é, com Josh e as feiticeiras. Sua mão estava arranhada, ele deve mesmo ter socado a parede.

– Nick? – Chamei quando entrei na sala e ele reagiu à minha voz antes mesmo de me ver.

Disparou na minha direção como um foguete, me agarrando pela cintura e levando consigo para longe. Paramos em um corredor sem saída onde ele me colocou contra a parede e começou a me examinar como se fosse um médico:

– Lu, onde você estava? O que fizeram com você?

– Não fizeram nada, ai, tira a mão daí!

Ele segurou o meu rosto com as duas mãos e sorriu me prendendo com seu olhar hipnótico:

– É você! – Comemorou me beijando.

Seus lábios eram apaixonados como sempre, mas eu não conseguia responder da mesma forma, só pensava na imagem de Julie o beijando e isso me dava raiva.

– O que foi? – Ele perguntou percebendo a minha distancia, mas apenas fiz que não com a cabeça, não sabia ainda como tocar no assunto se é que deveria tocar.

– Você não é o único que sentiu falta dela, irmão. – Disse Josh aparecendo no final do corredor.

– O único que vale a pena. – Provocou Nick me apertando um pouco mais nos seus braços.

– Os dois estão exagerando! – Falei – Foram só dois dias.

Ambos me olharam como se eu tivesse dito algo em uma língua completamente diferente, e Nick me soltou.

– Dois dias? – Josh chegou mais perto ainda com a expressão confusa – Luiza, foram mais de duas semanas!

– Semanas? – Por essa eu não esperava.

Os dois me acompanharam de volta até a sala de estar onde estavam as feiticeiras. Segurei de leve a mão de Josh para cumprimenta-lo, mas Nick puxou o meu braço me envolvendo com os seus.

– Está vendo como não havia razão para o descontrole? – Sorriu Julie quando nos aproximamos – A Luiza está perfeitamente bem.

– Julie não é uma fofa? – Comentei com o meu sorriso mais “Diabo veste Prada” soltando-me de Nick e andando até ela – Sempre tão boazinha!

– Ah, Luiza, não sei. Acho que sou um pouco assim!

– E é maravilhosa! Acontece... Que há algum tempo você deu uma coisa pra um amigo meu, e acho que é a hora de devolver.

– Que coisa? – Ela perguntou se inclinando na minha direção.

Perfeito! O estalo da bofetada que lhe dei ecoou pelas paredes da mansão.

– V-Você ficou louca?! – Ela gaguejou massageando a bochecha vermelha.

– Louca, eu? Imagine! Só não gosto de quem manda o próprio filho pro exílio!

– Então é por isso? – Ela se endireitou – Aquela coisa não é humana, Luiza.

– Não seja hipócrita, Julie! Humano ninguém aqui é!

Dava para ver as outras três feiticeiras agoniadas para virem em defesa da companheira, e Josh e Nick me observavam sem saber o que fazer. Mas aparentemente eu estou com duas semanas entaladas na garganta que a Julie vai ter que aguentar.

– Foi a Serenity quem mandou que eu fosse encontrar o Jeferson, não é? Você sozinha nunca teria feito isso.

A feiticeira de traços orientais não me respondeu, apenas olhou para sua senhora e depois para Nick.

– Ou, eu estou falando com você. – balancei o braço na sua frente – O que mais a dona mandou que a cachorrinha fizesse? Distraiu o Nick na primeira vez que estivemos aqui para que o Joshua me encontrasse?! – Ela olhou assustada para mim – Já sabia!

– Julie, por que? – O de olhos azuis parecia mais decepcionado do que bravo... Isso me deixou ainda mais brava.

– Porque ela ainda te ama Nick. É obcecada. – Virei-me para olha-lo – Essa vadia abandonou o filho pequeno para ter essa vida miserável, e quando o coitado veio atrás dela, foi banido para um inferno de gelo.

– Aquele menino? – Nick ainda não estava bravo – Mas... Você me disse que ele morreu.

– Ele foi a única coisa que te impediu de me tornar sua. – A vaca resolveu falar.

– Você queria abandonar o seu filho! – Gritou o de olhos azuis – Isso foi o que a minha mãe fez comigo, eu não ia permitir.

– Você me odeia, não é? – Perguntou a feiticeira com os olhos marejados.

– Não sei. – Ele deu um passo para trás.

A sala de repente ficou tão quieta que mal se ouvia nossas respirações. Não queria magoar o Nick, mas o que essa mulher fez com o Jeferson não podia ficar em segredo, ele ainda está preso lá. E também depois da cena que eu vi to com um pouco de dor de corno.

– Por sua culpa... – Murmurou Julie, mas eu consegui ouvir – Uma aberração, vinda direto do inferno, rejeitada até pelos próprios monstros que te deram a vida... Quem você acha que é pra acabar com a minha? – Conforme ela falava, suas unhas cresciam pretas e pontudas – Uma aberração!

Ela gritou a última palavra enquanto fincava firmemente as garras na carne das minhas costas, senti a dor excruciante dos cortes, seguida pelo calor do sangue e o formigamento do provável veneno. Nick e Josh não vieram me socorrer, por que não? Olhei para eles e percebi que tentavam se aproximar, mas algo segurava seus pés no lugar. Julie tirou as garras de dentro de mim e escutei o baque do meu corpo no chão. Ninguém se movia na sala a não ser Julie que alternava seu olhar assustado entre um furioso Nick e a sempre gélida Serenity. Então esse era o plano dela? Fazer eu ser morta na frente dos rapazes e a Julie levar toda a culpa por ela?! Minha garganta está queimando... Não consigo emitir nenhum som. Minha visão de repente ficou dupla, e então se juntou de novo, tornando mais profunda. O que é isso? Será o veneno?

Escutei batidas ritmadas, de onde vem? De dentro deles... São seus corações! Como posso ouvi-los? Os de Nick, Josh e Julie estão acelerados, mas os outros batimentos permanecem inalteráveis. Olhei para Ester, sua pele negra de repente se tornou cinza e eu pude enxergar seu fluxo de sangue... Minha boca salivou. O que é isso? Olhei para Julie, ela ainda está com as garras escuras, e eu não tinha reparado nos cortes em suas bochechas, mais parecem guelras. Então esta é a verdadeira aparência de uma feiticeira! Sua pele parece papel, e também posso ver seu fluxo sanguíneo, mas tem algo mais, como veias diferentes e mais finas, acho que é por onde circula a sua magia, não poderia ver se ela não estivesse nessa forma. Minha audição também está diferente, consigo ouvir o leve soprar do vento além dos limites da mansão.

Mas só consigo me concentrar na coisa ao lado do coração da Julie, acho que é onde se concentra a magia... Não seria bom se essa vaca não pudesse mais fazer feitiços?! Meu corpo se impulsionou sozinho contra ela derrubando-a no chão, não parecia eu... Era melhor! Minhas unhas de repente também pareceram maiores, capazes de cortar e rasgar e foi o que eu fiz, abri um grande buraco no seu peito. A mulher estava preza abaixo de mim se debatendo de dor, mas eu não me importava, seu sangue quente escorrendo nas minhas mãos era tão prazeroso que eu não podia parar. Continuei rasgando sua carne, o belo vestido azul agora era puro carmesim, não parece mais tão bonita. Devo ter quebrado algumas das suas costelas, mas não me importo. No que a feiticeira ainda conseguia se mexer, ela se debatia e me arranhava nos braços e nas costas, o veneno fazia a ferida formigar, mas não seria o suficiente para parar a minha diversão.

Algo pressionou o meu pescoço e me jogou para trás, era tão forte que me vi presa na parede oposta. Não via nada me segurando, mas seja lá o que fosse ainda estava ali. Ninguém havia se mexido, a não ser... Serenity! O que essa bruxa velha está fazendo comigo?

– Acho que já chega dessa exibição. – Disse a anciã – Quero que tirem Julie daqui e cuidem dela. – As feiticeiras no mesmo instante rodearam a ferida e todas sumiram – Quanto a vocês... – Josh e Nick de repente tropeçaram para frente – Cuidem do seu bichinho!

Tudo escureceu...