Finais Felizes escrita por N Baptista


Capítulo 12
Capítulo 12




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 Andei pela clareira tentando me situar, buscando qualquer sinal de civilização ou, enfim, de um lugar onde eu pudesse me aquecer. Para qualquer direção que eu olhasse via apenas quilômetros de neve branca e espessa que tornava a caminhada realmente difícil. Meus tênis estavam molhados da neve e minha camiseta não servia muito naquele frio. Olhei para minhas mãos, estavam trêmulas como todo o meu corpo e minhas unhas tinham assumido tom arroxeado. Gritei pedindo ajuda, mas minha voz soou fraca e distante, isso preocupou. Continuei andando, se ficasse parada certamente congelaria mais depressa e eu precisava encontrar o tal de Jeferson.

 O céu cinzento não dava qualquer esperança do aparecimento do sol, nuvens pesadas se estendiam até muito além das montanhas que cercavam tudo. Não havia qualquer som a não ser o do vento. Não pude ver nenhum animal em meio as arvores, o que por um lado foi um alívio, pois sabia que não seria atacada de surpresa, mas por outro lado me fez questionar se realmente havia alguém morando ali. Fui forçada a parar a caminhada, pois minhas pernas não obedeciam mais, a tremedeira do meu corpo apenas aumentou com isso e me vi obrigada a ficar encolhida entre os joelhos e esfregando os braços freneticamente pra tentar manter o sangue circulando. A sensação era horrível, todas as minhas articulações doíam e meu rosto parecia estar congelado, até pensar era difícil. Os poucos sons a minha volta foram sumindo e perdi a visão periférica. Então é assim? Depois de tudo o que aconteceu vou morrer congelada Deus sabe onde? Será que realmente existe algum Jeferson ou foi apenas invenção da Julie para me mandar pra esse túmulo de gelo? Será que Serenity vai contar ao Josh e ao Nick o que realmente aconteceu comigo? Ou será que eles vão ser assombrados por essa questão para sempre, se culpando por terem me deixado sozinha? Não! Não se culpem vocês não fizeram nada de errado. Fui eu quem quis ficar sozinha. Fui eu quem resolveu dar ouvidos às feiticeiras. Nick... Eu preciso de você. As lágrimas não desceram pelo meu rosto e logo tudo escureceu.

 Finalmente algum som, o som de chamas crepitando, abri os olhos e pude ver a lareira. Sentia o peso de vários cobertores sobre mim, mas não importava, era tão bom estar aquecida. Olhei ao redor tentando identificar o ambiente e vi móveis velhos de madeira gasta, cobertores e mantos grossos por toda a parte, prateleiras com livros antigos e empoeirados, e velas apagadas, já meio derretidas. Havia também janelas grandes, mas a luminosidade que entrava era pouca. O lugar mais parecia uma pequena cabana de ski, mas claramente era a casa de alguém. Continuei a passar os olhos pelo ambiente até ver alguma coisa se movendo e gritar de susto, a coisa gritou em resposta como se tivesse se assustado com o meu grito e depois ficou me olhando. Usava um grande casaco de pele e por isso não identifiquei de cara a sua natureza humana, tratava-se de um rapaz de uns 25 anos, seu rosto tinha traços asiáticos, mas sua pele era mais dourada, como se queimado de sol. Estranho encontrar alguém bronzeado onde só tem neve. Ele disse alguma coisa, mas me pareceu um grunhido, e não palavras:

- Quem é você? – Perguntei empurrando os cobertores com dificuldade e sentando.

- Perguntei primeiro. – Ele disse levantando o nariz em tom esnobe, parecia mais um moleque de 10 anos.

- Não tinha entendido a sua pergunta. Meu nome é Luiza. E o seu?

- O que estava fazendo nas minhas terras? – Ele fechou a cara e cruzou os braços, mas sua postura ainda remetia a de uma criança.

- Nem pensar – Cruzei os braços – Você faz uma pergunta, eu faço uma pergunta. É assim que funciona.

- Ah – Ele soltou os braços que penderam ao lado do corpo – Entendi, mas assim não quero brincar. – Ele falou me dando as costas e caminhando em direção a porta.

- Espera! – Coloquei-me de pé – Você é o Jeferson?

- Assim não vale – O rapaz me olhou de cara amarrada – Você tem informações privilegiadas. É trapaça!

- Não tenho tempo para jogos – Cruzei os braços – Foi a Julie quem me mandou aqui. Ela disse que você pode me ajudar.

 Seu rosto ficou verdadeiramente sério e pela primeira vez sua postura mostrou um adulto:

- Não conheço nenhuma Julie.

 Ele colocou o capuz e saiu pela porta. Atravessei a cabana em passadas longas na intenção de alcança-lo, mas quando cheguei à porta e senti o vento frio recuei imediatamente. Preciso fazer alguma coisa, se permitir que ele saia pode levar horas até que retorne. Corri até o armário e puxei uma capa com a qual me agasalhei e sai correndo pelos campos de gelo atrás de Jeferson. Ele já tinha se distanciado bastante e tive que seguir suas pegadas, andei bastante por entre as arvores até que finalmente me dei conta que estava andando em círculos. Apoiei as costas em um dos pinheiros e escorreguei até o chão. Fiquei vasculhando a área com meus olhos até desistir de olhar para o nada e resolver analisar a minha própria aparência. Meus tênis e a barra da calça ainda molhavam por causa da neve e não sentia mais os meus pés. Minhas unhas por outro lado tinham voltado ao tom rosa natural. A verdade é que meu corpo estava bem agasalhado em todas as partes que a capa cobria. Pensando nisso, ainda nem tinha reparado na capa. Puxei a ponta do tecido para ver e reparei que era bem vermelho, cobri o cabelo com o capuz e soltei uma gargalhada debochada:

- Em caso de lobo, chamem os irmãos Grimm!

- Quem? – Perguntou uma voz e eu gritei de susto.

 Levantei-me e olhei ao redor buscando a pessoa que tinha falado:

- Vai gritar toda a vez que me ver? – Perguntou Jeferson sentado em um dos galhos acima de mim.

- Como você subiu aí?

- Com as mãos ora. – Respondeu em tom debochado dando um salto para o chão e caindo bem ao meu lado.

- Engraçadinho... Espera. Não se machucou?

- Por que eu iria me machucar? – Perguntou franzindo a testa.

- Qualquer um que pulasse dessa altura, no mínimo quebraria a perna.

 Ele deu de ombros e saiu andando despreocupadamente, apressei as pernas para alcança-lo torcendo para que o rapaz não sumisse da minha vista dessa vez:

- Você é vampiro?

- Nunca repita essas palavras. Eles são criaturas repugnantes que merecem mais do que tudo a extinção.

E a Julie acha que ESSE cara vai me ajudar a achar a Anita Swan? Engoli em seco, mas tentei parecer indiferente:

- E... O que motiva tanto ódio?

- As coisas são o que são garota. E eles são demônios que não deveriam existir nesse mundo. Ponto, não precisa ter mais que isso.

- Precisa sim! – Falei alto – Você não pode odiar alguém baseado em mitos e folclore. Aposto que nunca se quer viu um vampiro.

 Senti quando ele segurou o meu braço e me jogou com força contra uma arvore me prendendo de forma que não pudesse me mover enquanto ele chegava o rosto bem perto do meu. Sua expressão era tensa, os músculos estavam retesiados e os dentes cerrados. Seu nariz se apertava num movimento involuntário de súbita raiva e ele falou quase sem mover os lábios:

- E você viu?

 Não tinha dúvidas quanto à resposta para essa pergunta, era óbvia para qualquer um que desejasse sobreviver a essa experiência:

- Não.

- Então não defenda. – A frase saiu num sussurro enquanto ele me soltava.

  Cambaleei para o lado tentando me afastar, foi um movimento involuntário de autopreservação. Meu coração estava acelerado como poucas vezes o vi e minhas mãos tremiam, imaginei que as pernas também tremeriam se não estivessem dormentes pela neve. Que criatura é essa? Jeferson retomou a caminhada e eu o segui em silêncio até a cabana, onde finalmente consegui me acalmar:

- Pode me ajudar ou não? – Perguntei tirando a capa e a apoiando no encosto de uma cadeira.

- Depende de que tipo de ajuda precisa. – Ele respondeu tirando o grosso casaco de pele e o jogando em um canto.

 Pela primeira vez pude realmente analisar a aparência de Jeferson, ele era alto de cabelos pretos jogados para o lado. Seu corpo era forte, como o de quem faz trabalho braçal para sobreviver, o que não é difícil de imaginar nesse lugar, provavelmente ela caça a própria comida. Estava usando uma velha camisa branca de mangas compridas, calças escuras e remendadas e botas para neve.

- Bem... – Fiquei sem jeito – O que tenho para pedir acho que não vai ser do seu agrado, mas é muito importante.

- Diga. – o rapaz cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha.

- Preciso que encontre alguém, Julie disse que você é bom nisso.

- Quem?

 Abri a boca pra falar, mas fiquei muda, a voz simplesmente não saía acho que era por causa do medo que senti agora pouco. Jeferson começou a dar passos lentos na minha direção, mas a cabana era pequena então ele não demorou a cobrir a distância entre nós dois, caminhei para trás na tentativa de me manter afastada, mas logo eu estava encurralada na parede com ele a apenas uns centímetros de mim:

- Quem? – Repetiu num sussurro enquanto mantinha nos lábios um sorriso de quem tem o controle da situação.

- Anita Swan. – Respondi com a voz falha, mas tentando manter a postura.

- Quer que eu encontre um vampiro?! – Ele disse sem se afastar.

- Sim. – Dessa vez minha voz saiu firme e decidida, o que me deu um pouco mais de confiança.

- Por quê?

- Porque... – Era a primeira vez que eu realmente diria isso – Ela é minha mãe.

 O olhar de Jeferson fez caminho até os meus olhos onde paralisou. Sua expressão mudou, não era de provocação nem intimidação, ele parecia assustado como se eu tivesse tocado em seu ponto fraco. Ele se afastou lentamente e me deu as costas quando caminhou até a lareira e se sentou frente às chamas:

- Tem razão, procurar um vampiro não é do meu agrado. Mas você disse que nunca tinha visto um.

- Ela não me criou – Caminhei em sua direção parando ainda com alguns passos de distância – Apenas deu a luz. Nem considero minha mãe de verdade, mas preciso de uma informação que só ela pode me dar...

- Que informação? – Perguntou fitando o meu rosto intensamente.

- Acho que não precisa saber tanto – Ergui a cabeça e assumi uma postura confiante – Ainda nem ao menos disse se vai ou não me ajudar, e receio que os assuntos que tenho a tratar são sérios demais para ficarmos papeando.

 Ele riu e inclinou a cabeça para o lado:

- O que tem pra falar com a sua mãe é importante assim?

- Minha felicidade depende disso. – Pensei em Nick quando falei, nunca tive tanta certeza sobre algo.

 Jeferson abriu um sorriso travesso e deu uma piscadela:

- Então vamos procurar a mamãe sangue suga.

 Fiz uma careta mostrando que não gostei do apelido, mas ele riu o que me fez rir também. Jeferson ficou de pé e pegou um dos livros empoeirados que pesavam na estante, passou a mão sobre a capa para tirar a poeira e jogou para mim, consegui agarra-lo, mas ainda havia muita poeira o que me fez espirrar várias vezes:

- Como você é frágil!

- Engraçadinho, como é que você consegue morar num lugar com tanta poeira?

- Ah, sei lá – Ele balançou os ombros – Nem ligo.

 Coloquei o livro sobre a mesa e me virei para falar com Jeferson, mas o rapaz já estava do meu lado olhando por cima do meu ombro (bem pertinho). Isso me deixou realmente desconfortável e voltei a atenção para o livro:

- Então, o que faremos agora?

- Eu vou olhar o livro de feitiços a procura do que quero, e você – Ele deu uma piscadela – vai preparar alguma coisa para comermos.

- Eu vou fazer o que? – Perguntei incrédula colocando as mãos na cintura.

- Me ouviu senhorita Luiza Swan, eu não posso fazer as duas coisas.

Luiza Swan? Não sei por que, mas achei melhor não corrigir. Por fim concordei com um meneio de cabeça e andei até a parte da cabana onde era a cozinha. Não havia grandes coisas apenas um fogão, uma geladeira e uma pia. As panelas estavam embaixo da pia, o armário da dispensa estava quase vazio e a geladeira tinha carnes as quais eu não conhecia:

- Jeferson – Debrucei-me na mesa onde ele tinha sentado para olhar o livro – Como você faz pra comprar comida?

- Há um vilarejo, mas aviso que não é perto. – Ele deu um sorriso amigável.

- E por que você escolheu viver tão afastado das outras pessoas?

- Eu não escolhi – Ele voltou a olhar para o livro – Foi coisa da minha mãe.

- Legal, e ela mora aqui com você?

 O rapaz estava de cabeça baixa, mas não estava mais lendo:

- Minha mãe não mora mais comigo desde que eu tinha seis anos.

- Nossa – Engoli em seco – Sinto muito.

- Não se preocupe, ela não morreu – Jeferson voltou a folear o livro – Apenas julgou que havia algo no mundo que era mais importante.

 Resolvi ficar calada, acabei de chegar com uma missão impossível, não é justo ainda ficar perturbando o coitado com mágoas do passado. Concentrei-me em fazer a comida, não sou boa cozinheira, e nem tinha muitos ingredientes, então apostei em uma sopa mesmo e Jeferson pareceu não se importar. Até que ficou saborosa, e sentamos para comer assim que ficou pronta, ajudou a esquentar. Falando nisso, o rapaz me disse que no armário havia algumas roupas que pertenceram a sua mãe, e que era melhor eu me trocar, concordei afinal a cabana não era tão quente assim. Peguei algumas roupas e fui me trocar no banheiro, pus um vestido de mangas compridas branco que se estendia até o pé e calcei um par de meias de lã, dentro da cabana não era necessário sapatos, além do mais meus dedos dos pés estavam frios e doloridos. Quando voltei para a sala, Jeferson estava com duas velas acesas encima da mesa e um prato de ferro com alguns pedaços de madeira entalhada. Achei melhor não interromper já que ele mantinha os olhos fechados e murmurava alguma coisa que eu não compreendi.

 Sentei-me sobre um tapete macio em frente ao fogo da lareira e tentei me distrair com as chamas enquanto descongelava meus pés. Deixei que meus pensamentos vagassem sozinhos e como de costume foram parar em Nick, como será que ele está agora? Será que está muito preocupado comigo? A Julie contou pra ele onde estou? E quanto ao Josh, será que os dois vão ficar acusando um ao outro por terem me perdido de vista? Senti a manta pesada cobrir as minhas costas e me virei para olhar Jeferson se sentar ao meu lado:

- Então... O que você estava fazendo? – Perguntei ajeitando a manta sobre os ombros.

- Apenas preparando tudo para o feitiço de localização que faremos amanhã.

- Amanhã? – Olhei incrédula para a janela e vi que já era noite, provavelmente fiquei desacordada tempo demais quando caí na neve.

- Sim, amanhã – Ele sorriu – Não podemos fazer nada no escuro.

 Voltei a olhar para as chamas e perguntei curiosa:

- Jeferson, como funciona esse feitiço?

 Não estava olhando pra ele, mas minha visão periférica captou quando ele coçou a cabeça depois se deitou de costas no tapete:

- Vampiros não ficam em um só lugar, por isso são mais difíceis de achar que os humanos, quero dizer, ele pode estar hoje em um lugar, mas quando chegarmos lá já terá se passado tempo o suficiente para que o vampiro vá embora. Por isso é mais inteligente usar um feitiço que prevê onde esse vampiro vai estar daqui a alguns dias. Mas para usar esse tipo de magia precisamos ir a um lugar especial que eu vou te mostrar amanhã.

- Não pode me dar nem uma dica de como é esse lugar? – O olhei tentando parecer fofa.

- Não – Ele deu uma piscadela – Vai ser surpresa.

 Ficamos mais um tempo diante da lareira e depois Jeferson se levantou para guardar os objetos que usou no feitiço ou sei lá o quê que ele estava fazendo antes. O rapaz dormiu na cama e eu num monte de mantas e cobertores que juntos eram mais macios que o colchão do hotel que me hospedei com Josh e Nick. Poderia dizer que passei a noite em claro pensando no feitiço para localizar a Anita, mas isso não era verdade, a sensação dos cobertores e da lareira era boa de mais e eu apaguei num instante.


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Notas finais do capítulo

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