A Escolhida escrita por Rfictions


Capítulo 4
Apavorante




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/252339/chapter/4

Por mais feliz que deveria estar pelo menino que me hipnotizou na noite passada e agora estava estudando no meu colégio, eu não estava. Era um sentimento confuso e apaixonante. Dentro de mim algo me dizia que era muito perigoso ficar próximo a ele, próximo do tipo “estudar na mesma escola que ele”. No outro me dizia que eu estava sentindo algo estranhamente não familiar. Não conhecia esse sentimento que crescia em mim, nunca tivera sentido antes. Só sei que eu não conseguia esquecê-lo.
O Sr. Jobin ensinava História. Eu não agüentava ter aula de História agora. Ao meu lado, as meninas pareciam eufóricas e algumas sussurravam algo sobre não perder o intervalo hoje. Outras diziam que Tom já era dela e algumas até diziam que já o conhecia. Isso me chateava um pouco, não era ciúme, não mesmo. Disso eu tinha certeza. Elas não sabem os problemas que o envolve, e até eu mesma não sei. Aparentemente as pessoas que sabem não querem me contar de forma alguma e isso acabava comigo. Eu estava tão cansada de mentiras quanto comer o Bacon da tia Celeste, que também está mentindo para mim. Eles não entendem que já sou bem crescidinha para lidar com esse tipo de problema?
O assunto era
ele ali. Somente ele. Ele e ele! Nem as barbas brancas e gigantes do Sr Jobin era mais assunto nas aulas dele. Por um momento pensei em gritar ou fugir, ou até mesmo implorar para ficar surda. É, mas nada aconteceu. O menino estava fazendo tanto sucesso nessa escola que algo remexia dentro de mim. Eu estava começando a odiá-los. Chegou a um infeliz ponto em que o Sr. Jobin cansou de gritar e imediatamente parou de explicar, o que o fez encostar na cadeira e ficar observando as meninas discutirem sobre quem levaria ele para o baile. Que tosco.
No final, não houve aula de História exatamente. A aula de história na verdade foi sobre “o mais novo menino popular do colégio” citado por algumas meninas do grupo de Tífanny. Mas isso não parecia ser o que realmente me incomodava, o que me incomodava era Tom ter algo haver comigo de estudar nessa escola. Tia Celeste surtaria quando soubesse, e eu não pretendia contá-la. Não mesmo.
O sinal tocou. Eu não sabia para onde ir, nem queria saber realmente. Preferia invadir o banheiro e comer lá mesmo. Mas algo me puxou por trás e por um instante imaginei ser
ele. Mas não era. Era María.
— Vamos logo, o pátio está tão cheio que talvez nem tenha cadeira para nos sentarmos.
Ela me puxou muito forte o me fez cambalear algumas vezes. Eu já tivera passado por isso hoje de manhã. Havia gente para todos os lados e eu ouvi alguns berros do diretor Robson tentando acalmar a situação. Ah Deus isso me enjoava. Agora, eu não queria nem saber onde ele estava, se falaria comigo ou não. Ele era ridículo, eu deveria perceber que um garoto com tal beleza não iria passar despercebido nesse colégio.
— Achamos — María sorriu ao ver Glauco e Erick juntos. —, obrigada gente.
Glauco não me notou. Ele parecia estar ocupado demais observando por todos os cantos. Ele vasculhava a área como um agente do FBI contratado para capturar um vilão. Mas a situação era bem diferente tratando-se de Erick. Ele estava calmo e sereno tomando alguns goles do seu suco de canja ou sei lá. Mas ambos pareciam tão tensos por dentro quanto eu. Mas com certeza por motivos bem diferentes.
— De nada — respondeu Erick.
— Vocês já notaram o novo “Tom Cruise” do colégio? — Ela riu mordendo a maçã.
Ninguém respondeu e ela revirou os olhos.
— Desculpem, era pra ser uma piada... é que o nome dele é Tommy... então eu pensei que... — Ela parou percebendo que ninguém ligava.
Eu ligava.
— Ah já sabem o nome dele...
— Porque, você já sabia antes de nós?
Conta ou não conta, conta ou não conta... Não conta.
— Não. Vocês são rápidas no gatilho — eu ri sem vontade.
— Pois é, o menino parece mesmo um ídolo. Vocês tem que ver.
— Nenhum de nós está interessado, María. Eu espero que você também não esteja, Emily. — A voz de Glauco pareceu me fuzilar, ele estava irritado comigo e eu reconhecia isso. Ele não queria que eu ficasse próximo a Tom de maneira alguma e ainda não sei bem o motivo. A não ser ao fato dos meus pais estarem envolvidos nisso. Como a tia Celeste falou.
— Desculpem.
Eu não respondi e senti os olhares me fitando. Ignorei-os virando o rosto.
Se eu não soubesse o verdadeiro motivo, começaria a pensar que Glauco ou Erick disputavam quem era o garoto mais popular do colégio e Tom estava atrapalhando definitivamente o plano deles. É, mas quem me dera fosse isso. Era pior, muito pior. Só que o pior dos piores era que ninguém me contava nada.
Foi quando numa pequena mudança de posição eu o vi. Meu corpo embrulhou e eu queria mesmo sumir dali. Seus olhos estavam extremamente mais claros do que o normal, seus cabelos balançavam de uma forma incrível e a bochecha rosada. Houve um formigamento em mim e eu desejei me encolher, abaixar a cabeça ou explodir. Tudo para que ele não me visse. É, eu queria vê-lo mas não queria que ele me visse. Nossa, algo muito simples de se resolver...
— Olha quem vem rodeado de meninas vadias — disse María.
Glauco e Erick não viraram ou se quer comentaram. Eles pareciam sentir a presença dele de longe. Mas apenas os dois meninos a minha frente me olhavam de uma forma sombria. Se estivessem temendo que eu iria em direção a ele ou falar com ele estavam enganados. Não mesmo faria isso. Não era nem louca. Eu só deveria ignorá-lo agora. Somente isso.
— Que idiotas. — Chingou ela só depois percebeu que estava falando sozinha. — Cara qual é o problema de vocês? O menino chegou e parece que vocês estão lidando com um espírito numa escola! Porque diabos ninguém fala nada?
— Acalme-se María — pediu Erick — só não queremos falar dele. Não aqui. Não agora.
— Por mim eu preferia
nunca — Glauco disse.
Claro que ele preferia nunca. Ele não gostava do Tom. Como eu também estava começando a odiar os dois.
Foi quando eu me levantei, nervosa e inquieta ao mesmo tempo. Eu revirei os olhos quando Glauco também se levantou, seus olhos estavam muito azul.
— Por que está saindo? — Perguntou.
— Por que está me seguindo? — Explodi. — Glauco, estou com 17 anos e só espero que Celeste não tivera contratado você para me vigiar. Aliás, não tenho
nada a temer sobre Tom. Ele não me parece perigoso ou maligno do tipo em que vocês falam — fiz um gesto sarcástico. Mas era mentira, eu sentia o perigo próximo a mim toda vez em que o via. Tom era perigoso para o que havia dentro de mim.
— Não. Claro que não! Só preciso de você próxima a mim. Eu posso protegê-la Emily. Eu sei disso.
Eu me afastei da mesa preferindo não pensar no que María estava pensando. E Glauco veio logo atrás de mim. Eu não iria perguntar novamente o que eu precisava me proteger. Estava cansada disso como também estava cansada normalmente dos meus dias. Pra mim as coisas não importavam mais. Me proteger? Pra quê? Pra viver? Ah sim e quem disse que quero continuar vivendo? Só sou covarde demais para me matar, mas achava mais bonito
alguém fazer isso por mim.
Fui para o campo e sentei na primeira arquibancada. Eu tapei meu rosto com as duas mãos e arfei. Parecia que um litro de água se formava no meu rosto. Eu não sabia o que fazer, nem com quem contar, ninguém parecia me entender.
Ele se sentou ao meu lado e ficou me observando bem próximo.
— Me desculpe se exijo demais de você, Emy. Só não quero perdê-la.
Eu olhei. As lágrimas escorriam rapidamente.
— Mas... perder... porquê? O que você sabe que eu não sei?
Ele fechou os olhos como tivera feito da última vez.
— Você corre perigo. Muito perigo. Há algo dentro de você que é mais forte do que imagina — eu lembrei do meu Dom que ninguém sabia —, e estão atrás disso. De você.
— Isso é loucura.
— É por isso que não te conto. Além de eu
não poder definitivamente. Cometi um erro.
— Você não me contou nada! Isso é grego pra mim. E o que Tom tem haver com isso?
Sua cabeça balançou e ele fechou os olhos novamente. Eu já sabia, não poderia responder isso também.
Eu é quem teria que descobrir.
Ele me puxou para mais perto dele e puxou a minha cabeça para seu peito. Ele era muito macio, como plumas.
O mutirão estava vindo na nossa direção. E claro, ele estava lá. Sempre estaria a partir de agora. Nunca poderia falar com ele sem nem ao menos haver uma ou duas meninas ao seu lado, como um escudo. Não tinha chance. Estava perdido.
Eu também não queria nem por um segundo que ele me visse, não sei por quê mas isso me dava arrepios em pensar. As vezes eu não pareço ser “legal” o suficiente para falar com ele, tinha vergonha disso. Eu corava logo, um calor estranho subia rapidamente para minha cabeça e eu não conseguia pensar em mais nada a não ser
ele.
— Vocês já se falaram? — Glauco agora olhou nos meus olhos.
— Ontem. Foi muito estranho — eu estava me abrindo com ele, tipo, agora parecia que uma onda de luz me atingiu e eu estava simplesmente tendo-o como um grande amigo —, ele estava jogado no lixo, todo machucado. Haviam muitos por todo o corpo, e eram tão grandes que sangravam demais. Cortes no rosto... e é tão óbvio quanto para qualquer ser humano que, um corte no rosto deixa cicatrizes. De alguns meses ou anos... mas agora... quando eu o vi deu para reparar bem que não haviam marcas nem rastros de que houve um corte tão profundo. Ele mal conseguia se levantar ontem...
— Celeste viu isso? — Virei para ele.
— Eu liguei para ela, chamando-a. A gente precisava ajudá-lo.
— Ah Emily! Vocês não...
— Não. — Interrompi antes que ele retome com a ideia do perigo de antes. — A tia Celeste não permitiu mesmo quando o viu. Eles pareciam se conhecer há
muito tempo. Mas eu não sei o porquê ou como. Ela não é da Califórnia, nem nunca veio aqui... e não é só isso, ela quase explodiu em chamas quando eu pedi para cuidarmos dele. Eu pensei que tivesse falado algo errado...
— Ela também o acha perigoso. É claro. Eu deveria saber.
Ele quase falava com si mesmo.
— Saber o quê? Que ela é estranha ao mesmo tempo em que não sente frio ou controla o carro perfeitamente bem para que não atole em buracos?
Ele sorriu lindamente como se estivesse citando um elogio a ele mesmo. É claro que ambos eram diferentes e estranhos assim como eu, isso era óbvio. Mas teriam dons também? Por um breve momento pensei em contá-lo sobre meu Dom. Mas acho que não acreditaria ou riria da minha cara, isso não é legal.
Ao mesmo tempo em que olhava para seus olhos incrivelmente azul eu via algo neles que eu não conhecia. Ele queria me perguntar alguma coisa mas não tinha coragem. Eu não via, eu sentia na verdade. Havia um muro impedindo dele falar o que queria, questionar ou afirmar. Talvez seja por esse motivo que ele nem ninguém nunca me conta nada. Sobre mim ou meus pais. Ou Tom.
O mutirão de gente estava se aproximando, assim como Tom dentro deles. A cada passo que ele dava era um ponto a mais de insegurança dentro de mim. Era como se fosse mais um tiro na vítima, mais uma dor a suportar. Arfei e Glauco percebeu e não gostou, e eu também não. Foi uma arfar tenso que nunca sentira antes, um arfar medonho de que algo ruim se aproximava, mas de fato não conseguia ver nada de ruim dentro dele. Na sua aparência...
— Venha — Glauco vinha me puxando pelo punho —, vamos logo sair daqui.
Eu não queria exatamente, mas aceitei. Recusar isso de Glauco agora o deixaria furioso a ponto de não falar mais comigo, e não era uma boa hora para discussões de amigos. Nós andamos pela arquibancada molhada, ele parecia se equilibrar com dificuldade pelo degrau em que me puxava. Ele queria sair logo dali, parecia estar fugindo. Tropecei mas antes que encontrasse o degrau debaixo ele me segurou num movimento rápido e incrível. Já estávamos distante e ele parecia mais confortável agora. Embora ainda não tivesse parado de andar.
— Glauco, já estamos bem longe, não há porque ir mais longe.
— Não estamos a uma distância favorável Emily.
Não. Já estávamos a mais de vinte metros e ali com certeza era uma distância bem favorável. Por algum motivo senti que Glauco falava com muito temor, como se soubesse que não era mesmo seguro aquela distância de Tom. Mas porque não?
— Glauco, porque está se afastando dele?
Eu virei. Estava congelante.
— Porque não quero que fale com você.
Isso me irritou.
— Você está parecendo meu pai ou a tia Celeste.
Bufei.
— Se foi com Tom, estão certíssimos.
De novo.
— É, mas você é apenas meu colega, não precisa impor as mesmas regras. Não quero regras a respeito disso.
Parecia um perseguição agora, o grupo continuava a andar acelerando os passos cada vez mais rápido. Precisei apertar as vistas para acreditar realmente no que via. Eles estavam praticamente correndo. Todos em volta pareciam estar controlados como robôs, as meninas estavam enlouquecidas como se estivessem com punhais ou facas na mão a procura de alguém para matar, parecia que iríamos morrer. Iríamos morrer?
Olhei para Glauco assustada demais, as coisas não estavam mais normais a esse ponto. Havia algo estranho e diferente, parecia uma tormenta.
— Argh, droga! — Gemeu ele apertando a cabeça.
Meu coração disparou.
— O que foi?
— Está sentindo algo?
Eu assenti tremendo, ele também parecia perceber. As coisas agora pareciam ficar em uma horripilante e doentia câmera lenta e ao mesmo tempo numa velocidade absurda. E um enjôo doentio parecia engolir-me por dentro e com Glauco parecia não ser muito diferente.
— Venha, vamos sair daqui.
Ele me puxou pelo punho mas eu continuei observando o grupo. Eles por fim pararam ao longe a única coisa que consegui ver foi a sua linda face olhando para mim com uma certa tristeza mútua nos seus olhos. Pensei em voltar, queria sair dali, mas Glauco não me largava, ele me puxava com tanta força que eu não consegui me soltar antes.
O céu trovejou e havia muitas nuvens pretas e pesadas. Estavam baixas, iria chover logo logo. Um frio arrebatador invadiu a minha pele, senti as minhas mãos congelarem por um curto período conforme o vento batia na gente. O sinal tocou e eu dei um puxão em Glauco. A sensação de tonteira e câmera lenta já tivera passado, mas não sei o porque ele ainda não tivera parado.
— Glauco já acabou.
— Isso volta, sempre volta.
— O que volta?
— A sensação horrível.
— Quem estava causando isso e como?
Seus olhos se estreitaram mas ele não olhava para mim. Senti que ele iria explodir.
— Tom, Emily! É ele quem faz isso tudo! Como? Ah bom, será que o motivo de eu não te dizer nada seja porque você deve descobrir isso tudo sozinha? Sem a minha ajuda? E tipo, você está obcecada por um menino idiota que mal conhece! Você não sabe nada sobre ele!
— Ah é? E você sabe? E porque diabos preciso procurar o histórico inteiro do menino se há um informante aqui para me contar tudo. Só que a diferença é que não me conta nada.
Eu quero respostas, Glauco. Pensa que é fácil saber que
tudo está envolvido com a morte dos seus pais e você nem se quer pode fazer alguma coisa?
Seu olhar caiu e ele olhou para baixo. Recolhi arrogante a minha mão. Eu não tinha culpa. Não tinha culpa se estava sentindo algo estranho por um menino ao qual parece ser louco ou algum tipo de bandido perigoso da cidade. E o problema é que as pessoas pareciam saber tanto sobre ele quanto Glauco e a tia Celeste.
Deixei Glauco para trás voltando pela mesma arquibancada em que corríamos. O grupão estava mais eufórico e minha cabeça doeu.
Doeu muito. Uma dor aguda pareceu rachá-la de uma forma em que cortava todos os meus nervos. As minhas mãos pareciam duras e senti algo sussurrar nos meus ouvidos. Mas eu não entendia o que era. Fitei o chão paralisada. Aquele sentimento novamente. Estava voltando. Glauco tivera razão. É, mas eu não voltaria agora para ele, que talvez estivesse bem longe dali.
Continuei caminhando até ao refeitório, os barulhos estavam intensos mas sentia que não estava com o meu Dom no modo ativado. Eu sentia as coisas de longe berrando, elas pareciam latejar mas eu não ouvia o que diziam. Pareciam vozes do além, não vozes dos alunos malucos pelo astro da escola.
— Finalmente eu te encontrei — María me abraçou e isso piorou —, porque fugiu?
Arfei. A dor me tremeu.
— Olha, depois eu falo contigo...
— Você está bem? — Erick colocou a mão na minha testa, se ele não tivesse falado não perceberia que ele também estava ali. — Ela está suando muito. Emily, consegue me ouvir?
Eu ouvia bem, embora doesse. Só não conseguia responder. Assenti.
— Onde está o Glauco quando eu preciso? — Resmungou ele.
— O que está acontecendo com ela? — A voz era de María.
— Eu não sei, mas Glauco sabe. — Suas vozes estavam como ecos.
— Porque? Ele está fazendo algum curso de enfermagem?
Ela riu nervoso.
— Droga, vá procurá-lo por favor. — Exigiu Erick. María sumiu de repente.
Precisei sentar. Caminhei até uma cadeira cambaleando. Por pouco não caí no chão até Erick me segurar pelo braço e deixá-lo vermelho.
— Emily — sussurrou.
Ele pegou minhas mechas escapadas e colocou atrás da orelha.
— O que está sentindo, tente me dizer. — Ele se ajoelhou na minha frente.
Ele não estava sendo carinhoso, parecia mais assustado e alarmado. Temia algo. Se estivesse sendo carinhoso comigo eu iria estranhar já que não parecia demonstrar sentimentos seja ele o mais forte.
— Argh!
Apertei os olhos. A dor fez um barulho intenso nos meus ouvidos.
— Droga!
— Há algo... u-um barulho horrível!
Berrei. As pessoas pareciam olhar para mim.
— Impossível...
— Mas o que isso?! — Estava em pânico.
— Você não tem idéia.
Ele tocou na lateral do meu pescoço. Eu senti algo macio sendo passado em mim, só que algo macio demais para parecer ser a sua mão. Era como um algodão e era bem gelado. Ele ficou esfregando discretamente... até que não vi mais nada.

Não sabia ao certo o que tivera acontecido quando acordei. Só sei que as minhas aulas no primeiro ano da Stohenthill tivera sido muito menor do que esperava. Eu estava faltando muito, ou quase sempre não completava as aulas. Eu não fazia a mínima idéia do que estava fazendo aqui, na casa de Susan. Era meio sem sentido pensar nisso, completamente louco pra falar a verdade. Não sabia ao certo se tivera dormido ou desmaiado, só me lembro exatamente que Erick passava algo macio no meu pescoço e eu cai num sono/desmaio profundo e atemorizante. Por algum motivo idiota estava me sentindo bem menos idiota do que me sentia naquela escola. Sair de lá realmente foi uma boa idéia.
Eu não estava mais com dor e o mundo ainda assim parecia estar rodando na minha mente. Eu felizmente não o via rodar como antes, muito menos a câmera lenta que fico me perguntando se realmente foi o que vi, estava bem agora. Bem mais ou menos, bem dentro do possível já que estava na casa de uma das famílias em que eu menos pensei que passaria grande parte do tempo depois da morte dos meus pais. Não sei porque me trouxeram para cá, ou como vim parar aqui, ou como descobriram o endereço da casa de Susan. E o porque ela nunca parecia ir para escola. Sempre focada nesta casa.
Olhei em volta, provavelmente não tivera percebido que já tivera acordado. Seu quarto estava mudado, a cor diferente e os móveis também. Nada era igual ao da última vez. Só reconheci que era seu quarto pelo simples motivo das janelas e portas não terem mudado também de posição, o que facilitou muito as coisas. O quarto era mais gótico, sombrio. A decoração era de algumas cruz e “X” nas paredes desenhadas com canetas permanente. Havia o número 17 em uma delas e algumas coisas estavam escritas de forma em que não era inglês definitivamente. Não haviam bonecas nas estantes como qualquer menina de 10 anos gostaria de ter, haviam livros e mais livros. Pareciam grossos e envelhecidos como se estivessem ali há muitos anos. Ele de alguma forma me atraiam, como magia. Levantei seguindo lentamente até eles, a estante parecia ser bem maior vista de mais perto. Essa estante também não estava lá na última vez em que fiquei em sua casa.
Era um amontoado deles. Eram antigos, nada de romances ou contos de dormir. Pareciam coisas sérias. Tão sérias que estavam em pura conservação, se não fosse pelas capas antigas seria difícil perceber que eram velhos, já que não havia cheiro de antigo. Peguei um deles, não havia título na divisão, era na cor vinho escuro liso.
Ele era grosso e havia páginas tão amareladas como nos tempos antigos. Algumas estavam rasgadas mas todas elas eram repletas de frases e textos enormes, escritos com uma caligrafia bonita e exemplar. Mas por mais que tentasse não conseguia ler o que estava escrito, era confuso mas fácil de entender as letras. Não era inglês. Era uma língua desconhecida aparentemente. Alguns trechos estavam escritos na nossa língua, mas eram pequenos e curtos.


“Profecia eis que será cumprida com o consentimento ou não. No décimo-sétimo aniversário, a primeira filha de uma Deusa da qual a deixou marcada iniciará o processo de libertação dos poderes das trevas e seu coração será o principal mandado. O poder flui dentro de si e uma força sobrenatural, se for libertada testemunhará o pior apocalipse que uma terra poderia presenciar, o fim da humanidade, o fim da esperança. Ò salve a Deusa que protegerá a filha de todo o mal. Ò salve Valentina”.

As palavras eram curtas e grossas escritas ameaçadoramente. Elas pareciam confusas em meio a tantas escritas e em meio a minha vida que, por algum motivo parecia ter tudo haver. Um sentimento estranho pareceu me tomar por alguns segundos, a frase parecia ameaçar a quem lia, ela não assustava, ela avisava.
Fechei o livro nervosa. As páginas seguintes pareciam ser mais provocantes ainda. Abri novamente hesitando em continuar, precisava ver o resto, seja qual for precisava vê-lo. Era um livro de magia, era óbvio. Sentia algo estranho fluindo sobre nós ao segurá-lo com força. Um formigamento repentino me estourava por dentro. E a porta abriu.
Susan me olhava com os olhos arregalados e a expressão sombria. Estava escuro e seus olhos pareciam mais gigantes bolas pretas encarando com raiva. Ela estava com a perna um pouco aberta e o braço esquerdo esticado completamente a fim de fazer a porta também abrir completamente. O livro por fim caiu das minhas mãos e um som de dor agonizou o quarto. O livro parecia ter gemido. Ele parecia vivo e respirando. Eu o peguei sem pensar e ele queimou as minhas mãos, na verdade foi como um choque. Então caiu novamente. Na última tentativa ela me interrompeu.
— Você sabe o que significa este livro? — Perguntou ela, parecendo de repente que ela causava o choque do livro em mim, a ponto de eu não mais tocá-lo.
— Não. Era isso o que queria saber.
— Pare de ficar bisbilhotando os livros dos outros, Emily. Não é bom. Você pode encontrar coisas que desejaria nunca saber.
Eu assenti nervosa. Ela sorriu falso. Meus batimentos estavam acelerados e apavorantes, ela quase poderia escutá-lo. Tentei me acalmar.
— Como seu quarto mudou tanto? Na última vez ele estava tão diferente...
Ela riu um pouco.
— Está dizendo que garotas de 10 anos não fazem reforma nos quartos?
— Não. Mas esta estante...
— Esta estante... — Ela chegou bem mais perto a ponto de avançar em mim, mas apenas abaixou e colocou o livro na estante como se não tivesse sentido
nada. O livro não causou choques nela também. — Sempre esteve aqui, só escondida demais para você perceber.
— Susan eu passei duas semanas aqui. Impossível...
— Você só não repara bem as coisas.
— O que há naquele livro? — Perguntei ansiosa.
— Um dia eu deixo você ler, mas antes uma simples coisinha precisa acontecer. Você me assustou sabia?
— O que precisa acontecer?
Ela sorriu.
Tudo ao seu tempo. Quantos meses já fez desde quando fez 17?
17! O livro continha 17! E todos me perguntavam sobre meus dezessete anos. Até mesmo aqueles aos quais nunca tivera visto na minha vida. Algo estava relacionado a isso.
— Quase 2 meses. Por favor Susan. Me conte alguma coisa...
Ela começou a desfilar pelo imenso quarto como se estivesse contando um plano.
— Vamos dizer que depois dos 6 meses completados algo
bom acontecerá com você. Você irá mudar, Emily.
— Mudar como?
— Irá adquirir algo bom. Algo capaz de ajudar a si mesma.
— Eu não estou entendendo. Quer dizer que algo bom precisará acontecer comigo e só assim poderei ler o livro que peguei antes?
— Sim. Você entendeu bem.
— Como sabe disso tudo? Digo, você parece saber
muito mais sobre mim do que eu mesma. Por um momento todo mundo parece ser como você. Há um assunto confuso envolvido nisso mas ninguém sai do “tudo ao seu tempo”.
— Emy, você só precisa entender que nem tudo é tão simples para os que “sabem”.
— Então há mesmo algo sobre mim?
Ela sorriu.
— Emily, você não imagina como é o seu passado.
— Meu passado?
Eu não poderia continuar com as perguntas, só a impediria mais ainda de me dizer alguma coisa. Até ai eu sabia mais ou menos de 2 coisas. Era algo relacionado aos meus pais e algo relacionado ao meu passado.
— Sim.
— E mais alguém sabe disso? — Torci para ela me responder.
— Ah, sim. Todos que tem conhecimento.
— E posso saber mais ou menos o tipo de conhecimento?
Ela sorriu.
— Sim. — Esperei. — Bruxarias, Magia Negra, Magia Branca, Feitiços, Livro das Sombras, Vilas, Invasores... — Ela riu tampando a boca.
As palavras soaram nervosas. Era muita coisa relacionada a Bruxarias.
Eu estava relacionada à Bruxas ou Feitiços? Mas... como?
— Como posso estar envolvida nisso?
— Foi o que eu pensei. Você ainda não entende — ela inclinou a cabeça com pena —, mas um dia isso tudo se tornará claro pra você. Eu garanto Emily. Confie em mim, somos amigas certo? Eu vou cuidar bem de você. — Ela sorriu como se fosse uma cabeleireira e tivesse a missão de cuidar dos meus cabelos. É, mas ela não tinha a aparência de uma menina de 10 anos simples e querida que brinca com bonecas. Ela sabia de tudo sobre mim, ela sabia também sobre várias coisas das quais apenas um adulto muito estudado poderia saber... ela era muito estranha.
Ela pegou na minha mão e observou uma pinta de nascença logo cima do dedão da esquerda. Ela ficou inclinando a cabeça para os dois lados como se tentasse descobrir algo.
— Essa pinta...
Ela sorriu pra mim. Seus olhos escuros brilhavam junto com os cachos dourados. Até perceber que estava ali há algumas horas e talvez a tia Celeste estivesse desesperada me procurando, sem falar que ainda precisava descobrir como vim parar aqui ou quem me trouxe... ao invés de ter ido para a minha casa. Mas isso eu não queria saber, estava focada demais nos olhinhos relutantes de Susan observando a insignificante pintinha.
Ela parecia uma criança. Mas agia como um adulto.
— Vou lhe amostrar uma foto. Não resisto.
Ela correu até a imensa estante de livros e puxou um bem do meio. Ela se esticou bem e quase caiu, mas logo ele já estava em seu colo. Ela nem ao menos olhou o título, parecia ter certeza de que era nele que continha o conteúdo.
— Você tem livros de Bruxaria?
Ela sorriu procurando a página.
— Sim. Mais ou menos — ela suspirou —, são todos sobre isso. Eu me entendo mais com esse assunto, entendo mesmo sobre isso e derivados... pode me perguntar o que quiser!
Ela sentou-se ao meu lado e estendeu o livro pra mim, mas rapidamente deu um tapinha em uma das minhas mãos quando eu ia tocá-lo.
— Não toque — ela parecia séria.
Havia uma figura desenhada nela. Era uma mulher com a aparência muito igual à minha. Os olhos eram castanhos escuros como os meus e o contorno do rosto era idêntico. Os cabelos eram negros só que bem mais brilhosos que os meus, ela era branca demais para uma pessoa comum, mas ainda assim parecia jovem e perfeita. A pintura estava meio manchada, mas dava bem para perceber que ela utilizava um vestido grosso e comprido completamente bordado da mais fina estampa. A imagem parecia nunca rasgar mesmo estando muito antiga. Era divina.
— Ela se parece muito comigo...
Susan assentiu.
— Sim...
— Que estranho...
Ela não disse nada, apenas fechou o livro impedindo que eu veja mais algo. Eu queria levar a figura para a casa e ficar observando-a para sempre, mas parecia algo que Susan nunca deixaria eu fazer.
— Ela tinha 17 anos.
— Ela era uma Rainha ou algo a isso?
Ela balançou a cabeça.
— Não, ela era muito mais que isso. Ela era comparada à Deusa. Conhece algo sobre Deuses ou Deusas?
Deusa. Também havia no livro. Quando Blacky disse algo sobre isso quando éramos pequenas, não mencionou muito sobre a história das Bruxas.
— Não. Não conheço nada sobre isso. E porque me amostrou a foto?
É claro que ela não iria me amostrar a foto apenas pela beleza da jovem.
— Emily, você faz perguntas demais. Da próxima vez eu não vou lhe amostrar nada!
— Não... desculpa.
Ela sorriu.
— Você precisa ir pra casa, a hora da escola já está acabando!
— A tia Celeste ainda não sabe que estou aqui?
Ela balançou a cabeça.
— E você...? está sozinha?
— Emy, estou!
— Mas... você só tem 10 anos!
— Tenho 10 anos e sei me virar muito bem.
— O que fica fazendo em casa? Não deveria estar na escola?
— Férias. Estou de férias.
Ela me empurrou apressadamente me puxando logo depois para a porta da frente. Eu pensei que ela iria me trancar ali dentro mas ela veio comigo. Eu ainda não tivera percebido a sua roupa de hoje. Estava usando um macacão (preto, é claro), com um casaco de renda branco por cima. Preto e Branco. Era sempre assim?
— O que você tem com preto e branco?
Ela sorriu.
— Vamos dizer que posso ser ou não ambos. Eu acho. Ainda não descobri meu caminho na terra, espero que seja do bem mas eu possa usar preto. — Ela riu.
— Caminho na terra? Todos temos um, eu sei. Mas escolhemos qual queremos seguir.
— Não é bem assim comigo.
Ela sorria.
— Não estou entendendo.
— Pois é, e nem pretendo explicá-la.
Eu calei. Já estava falando demais novamente. O sol estava abrindo. Ainda havia nuvens é claro mas estava começando a esquentar, eu acho. Susan era legal, mas muito sombria para alguém de 10 anos. Eu não me importo.
Eu ainda estava usando a roupa da escola e achava que Susan era meio louca demais. Fábio nem Cláudia sabia que eu estava na casa deles, e ainda havia coisas a se perguntar.
— Quem me trouxe? E o que houve comigo? Porque vieram pra cá?
— Ah, Glauco trouxe você. Você tinha desmaiado como na última vez. Mas tudo bem, eu entendo, devem ser coisas demais na sua cabeça.
— Não me levaram para o hospital?
Ela riu.
— Não foi necessário, você logo acordou. Tive que expulsar Glauco porque queria ficar e estava dizendo coisas como: creio que sou o principal culpado... e você iria para a sua casa, se a tia Celeste não tivesse no Supermercado comprando sopas enlatadas. Então eu vi pedi para deixá-la aqui. Adorei Glauco! — Ela soltou um risinho. Mas mesmo falando assim dele, parecia ter tido boas conversas com ele. — Ele é muito cismado, começou a se acusar pensando que você não acordaria. Ele é nervosinho.
— Ah, preciso mesmo ir logo para a casa. Celeste estaria surtando.
— Também vejo algo bom nela, não sei o que é.
— Ah, deve ser a sua habilidade em fazer Bacon de manhã.
Nós duas rimos e viramos para a minha rua. Susan desfilava como um manequim produzido para um desfile de moda. E eu usava o suéter simples com uma calça Jeans simples. É, era inferior a ela, e isso me dava algum tipo de segurança.
Quando cheguei em casa, tudo pareceu simples e normal para a tia Celeste. Isso eu pensava quando tive a primeira impressão quando a vi na cozinha, onde sempre vivia. Mas depois de um curto tempo em que estive junto a ela assistindo um filme chato que ela cismara que era lindo para mim (falando sobre um amor problemático e que no fim o amor morria), eu percebi que havia algo estranho no seu olhar, muito mais estranho do que a expressão de uma tia que descobre que a sua sobrinha desmaiou e foi parar numa casa há dois quarteirões. Havia algo sombrio nos seus olhos azul. Ambos pareciam paralisados como se estivessem mortos. Ela também não estava falando muito comigo, estava me tratando muito mal hoje. Seria um simples mau humor?
— Uma amiga sua ligou. Uma tal de... María — ela falou com desgosto como se estivesse falando o nome de um inimigo.
— Ah... Certo, acho que tenho o número dela...
Então era isso. Eu teria que falar com a tia Celeste de qualquer jeito. Talvez fosse esse o motivo dela estar assim comigo. María deveria ter ligado e dito a ela que eu fui embora mais cedo da escola porque tive um pequeno desmaio
não típico dos adolescentes sobrenaturais como eu. Certo, estava com uma bomba na mão. Mas primeiro iria ligar para María, talvez a sua voz super aguda e alta fizesse alguma diferença no meu grau de coragem agora. Disquei seu número lutando para encontrá-lo na minha pequena agenda de anotações que agora parecia mais para rabiscos mal-tratados.
Subi correndo, discando os números rapidamente. O que ela queria?
— Alô? — A voz do outro lado era rouca e diferente.
— María?
Ela pigarreou e por fim a voz voltou a ser aguda novamente.
— Você estava dormindo? Desculpe eu ligo...
— Não. Quer dizer, peguei no sono. Eu liguei pra você... é que a Sr. Marian de Redação passou um dever idiota sobre “escrever poemas”. Só liguei mesmo porque é a Sr. Marian, ela é do tipo — ela imitou a voz — “não tolero nenhum tipo de deveres de casa não feitos, são as suas obrigações crianças”! — Eu ri um pouco feliz por estar “rindo”. — E você está melhor?
— Sim... Me sinto melhor agora — dei uma pausa. — Certo, obrigada então. Vou ter que fazer um... poema. Nem é tão chato... — Mentira. Era estrondosamente chato.
— Sei. Tenho que desligar, tenho curso agora e obrigada por me acordar — ela não falou por maldade —, beijinhos. — E desligou.
Beijos. Disse ouvindo o barulho ocupado do telefone. Talvez por mim eu ficasse ali tempo suficiente para o meu grau de coragem finalmente fazer as pazes comigo e subir, mas creio que não adiantaria, só pioraria mais ainda a minha situação. Agora, precisava falar com a tia Celeste. Ou não. Poderia fazer meu poema primeiro.
Catei meu caderno no meio das folhas em branco. Quando finalmente achei, peguei o lápis e a borracha, fitei o branco vazio da folha sem a mínima idéia do que escrever. Nada se passava na minha cabeça agora, doía um pouco só em pensar em escrever, mas não era porque odiava estudar, era por algo desconhecido.
Tom. O seu nome passou pela minha cabeça refletindo nos meus pensamentos e na ilusão. Lembrei-me dos seus olhos, lembrei-me da primeira sensação em que senti quando o vi, dos seus lábios, da sua voz... aquilo tudo parecia montar-se num amontoado confuso de palavras, mas ainda sim, eram verdadeiras. Escrevi por fim, adormecendo aos poucos e deixando por fim o lápis cair depois do ponto final.

Acordei alarmada. 19:46hrs, ainda. Respirei de alívio ao perceber que era de noite. Haviam papeis por toda a parte espalhados à minha volta. A cama estava praticamente branca de amontoados. Não me lembro de ter espalhado tantos papeis, apenas o suficiente para rascunho. Mas confirmei ao perceber que o vento fora o principal culpado. Eu vi as palavras escritas à minha frente. A sinceridade tão crua que se lida em voz alta estaria óbvio sobre quem era. Estava meio confuso, mas ainda assim eu gostava, gostava do modo em que as palavras se desembaralharam tão facilmente na minha mente e pô-las num papel fora esplendoroso. Amanhã não estaria animada em lê-la para a Sr. Marian, mas estava animada em apenas
eu reconhecê-las com tanta verdade em seus significados.
Ainda tinha a tia Celeste, a quem eu devia umas boas explicações. Ela me gritou para o jantar alguns minutos depois, parecia que ela sabia exatamente a hora em que eu acordava. As vezes era esquisito ser tratada por uma idosa. Ela fazia tudo ali em casa e de certa forma me sentia mal por isso. Era como se tivesse explorando-a.
Desci consciente do que deveria fazer, precisaria encará-la.
Ao invés dela servir o jantar, eu mesma pus meu prato e ajudei-a com os copos e talheres. Dois. Somente dois pares.
— Preciso falar uma coisa. — Disse assim que ela se sentou ao meu lado. As cadeiras da ponta ficavam vazias e mortas.
— Sim? — Ela sorriu levemente servindo-se.
— Hoje, desmaiei na escola.
— Eu sei.
Arregalei os olhos.
— Sabe?
— Sim, a escola ligou. Ou você pensou que poderia sair da aula com um simples motivo?
— Não sabia que a escola sabia que eu tinha desmaiado.
— A escola não sabe. Foi Glauco quem avisou a diretora e ela ligou para mim.
— Ah, como se o que a diretora soubesse a escola não soubesse também.
— Acontece também com as senhas privadas?
Eu calei. Era isso o que ela pedia agora.
— Desculpe-me, só ando meio estressada ultimamente. Talvez eu esteja lendo demais. Prejudica um pouco a minha visão e mexe com a minha cabeça.
Ela sorriu amostrando a fileira perfeita de dentes perfeitos.
— Está tudo bem... você sabe também que fui para a casa de Susan, então?
Ela assentiu. Sabia de tudo! Sempre sabia de tudo!
— Infelizmente estava longe quando trouxeram você aqui. Susan não é? — Assenti. — Ela fez um grande favor acolhendo-a. Menina encantadora. — Ela não achava Susan sombria como eu também achava? Susan era tudo, menos encantadora. Ou qual é o significado de encantadora? É talvez ela fosse.
— É, encantadora.
— Você precisa fazer algum exame, para saber o que são esses desmaios. — Ela disse sem importância, como se o significado disso não tivesse nada haver com médicos ou agulhas.
— Ah, não... Já fiz. Disseram que é o trauma...
Ela assentiu, como se estivesse dispensando e acreditando no que eu dissera.
Subi, coloquei meu fone de ouvido e apertei Play no meu Ipod, escutando a melodia.

Tivera adormecido ao som de uma das minhas músicas favoritas. Era lenta e aconchegante. E agora já estava na hora da escola.

Hoje estava menos frio. Não precisei abusar muito das roupas por baixo do meu Suéter marrom que vestia hoje. Eu sai do carro e fui em direção ao campo, onde já tivera visto os meus amigos loucos e misteriosos. Exceto María a quem é maluca na maior parte do tempo.
— Emy, tudo bem?
Ela me olhou com os olhos brilhantes.
— Sim... — Então eu o vi. Estava sozinho hoje, a multidão parecia não ter percebido que ele chegara.
— Ele está sem ninguém? É isso mesmo ou vou precisar usar óculos?
— Ele está sem ninguém — respondi quase que para mim mesma.
— Ah, não. — Gemeu ela ao avistarmos uma menina correndo em sua direção e lhe dando um abraço de “que saudades, não o vejo há três anos”! — Não tão rápido, foram apenas 5 segundos.
Eu também queria lamentar, mas algo me dizia que era bom assim.
Era era tudo ao oposto de mim. Ele era popular, eu era como a estranha para a maioria das pessoas, ele era incrivelmente lindo e eu não passava de uma simples garota inferior ás líderes de Torcida. Bom, então as coisas não combinam muito entre eu e ele. Não é o nosso destino. Embora ele não vivesse das aparências.
Glauco agora me olhava. Eu evitava ao máximo observar os olhos grandes e azulados, mas era impossível. Não tão impossível quanto aos olhos de Tom, é claro. Erick estava neutro como sempre, suas expressões era um mistério para mim desde então.
— Ele já foi engolido para o grupo das populares... — Ela ainda lamentava nos meus ouvidos, e isso só a dava mais certeza do que eu via: Tífanny Snewers gritando ao vê-lo, como se já se conhecessem há tanto tempo quanto a outra menina. Ambos sorriam e ele parecia mais feliz e esplêndido ao vê-la, como se fosse a única e última mulher dos seus sonhos. — É claro, ele nasceu para ser popular, talvez eu...
— María — Glauco alterou muito a voz e eu sobressaltei —, tem como não falar dele mais, por favor?
Ela o fitou com tristeza, como se a tentativa de ser simpática tivera falhado. Mas ao mesmo tempo estava com raiva dele e tirando decisões erradas.
— Não é ciúme, ou algum tipo de inveja dele. Eu juro. É só que não agüento mais as meninas falando sobre ele em todas as aulas. Talvez agora eu pudesse ter algum descanso.
Eu sabia do que ele falava. Mas não era esse o motivo. Tom era perigoso e Glauco só estava tentando proteger María, assim como eu. Mesmo não sabendo exatamente o perigo que aquele menino representava, eu teria que ficar longe dele. Todos estavam me alertando.
— Ceeerto, quero falar sobre o Baile Anual então. Sabem que os preparativos começarão amanhã não é? Algumas pessoas deixam alguns bilhetes nos armários de alguns alunos que concorrerão a Rainha do Baile. — Ela soltou um risinho como se soubesse que eu nunca seria uma escolhida.
— Nossa, porque se importam com isso? É tão... idiota — desabafei e María me fitava como se eu tivesse cometido um crime na sua frente.
— Ah não, você só pode ter bebido. Vodca?
Revirei os olhos.
— Emy está certa María, você deveria não se importar com essas coisas que só nos fazem perder tempo — disse Glauco.
— Ah, nem vem, eu não sou a estranhona daqui não. Ano passado você era um esquisitão completo, lembra Erick? Glauco não falava com ninguém e só andava por aí como se estivesse esperando a sua princesa encantada. Só esse ano que você mudou. O que deu em você? — Ele me olhou e eu estava nervosa. Por algum motivo bem
não simples aquilo pareceu se referir a mim.
— María, você também não precisa falar disso... — Rebateu Erick. Ela o fuzilou com os olhos.
— Tudo bem — ela fitou a mesa desapontada. —, ficar aqui também não fará diferença.
Ela pegou a bandeja de comida e levantou rapidamente, frustrada.
— Marí... — Erick tentou chamá-la mas fora tarde demais, ela sumiu entre a multidão de alunos há uma certa distância.
Erick pensou em se levantar, mas a sensação que eu sentia quando Tom passara perto da gente, ele também pareceu sentir. Ele se sentou rapidamente fuzilando Tom com os olhos que parecia feliz e distraído com a “Petty Girls”.
O sinal tocou. Os alunos nem se mexeram na verdade. E aproveitei esse pique lento para passar no meu armário e pegar o livro de Redação. Os corredores estavam tão vazios que não parecia fazer parte da escola. Estava deserto e sentia frio. A escuridão me atrapalhou para achar meu armário, mas por fim eu o encontrei.
Escutei passos. Leves passos atrás de mim, mas não me virei, quem quer que fosse, dar confiança só faria falarem mal de mim. E eu não queria brigar agora. Um cheiro familiar preencheu o espaço de tal forma em que só sentia o
seu cheiro. Era impregnante, mas bom, realmente bom.
Puxei o livro do armário, ele fez um barulho desconfortável, desejei sair dali. Os passos aumentavam, olhei. Eu não o via, mas sabia que era homem, e conseguia reparar nas suas curvas perfeitas, junto com o cabelo balançando de tal forma em que era impossível não se encantar. Era Tom. Estava vindo na minha direção, a pressão era tão forte sobre mim que arfei quase deixando tudo cair no chão. Apertei mais o poema contra a minha barriga, eu sentia a energia fluindo estranhamente no lugar, ah nossa, iria desmaiar.
Respire fundo, respire fundo...
Ele parou à minha frente, estava tão perto que poderia jurar que iria me beijar, mas ele sorriu ao olhar nos meus olhos e eu nos deles. Havia apenas um curto feixe de luz claro o suficiente para iluminar apenas os nossos olhos, o resto era só sombra. Ele mexeu o braço, estava inclinando-o para frente enquanto eu me perdia no seu olhar. Havia tristeza neles, uma tristeza bem diferente da que vira na primeira vez em que o vi, naquele dia era sarcasmo, agora parecia tão real quanto ele que estava na minha frente. Ele ia falar alguma coisa, mas eu não suportei. O garoto deslumbrante à minha frente representava algum tipo de ameaça a algumas pessoas dessa cidade, e parecia que era
somente a mim que ele parecia ser perigoso. Logo a mim, que estava perdidamente apaixonada por ele.
Não poderia estar ali, não poderia fracassar, precisava seguir os conselhos da tia Celeste e ela não era do tipo que me alertaria de algo que realmente não fosse importante.
Mas por outro lado, eu ainda não sabia o motivo dele ser tão perigoso, ele era tão perfeito e parecia compartilhar comigo uma energia tão incrível que não parecia algum tipo de mágica ou truque. Amor.
Ele ia mesmo falar alguma coisa, eu sentia pelo volume em que seus lábios grossos balançavam, ele estava sério como eu. Parecia perdido também. Ele estava se aproximando mais e mais, só que não era em direção aos meus lábios em sim aos meus ouvidos. E por fim chegou bem próximo ao lóbulo da orelha deixando com que seus lábios úmidos roçassem-nos e sussurrou bem de leve:
— Isso não pode acontecer — e permaneceu assim. Ele tocou de leve nos meus ombros e senti que seus olhos se fecharam. Seus lábios ainda aprofundavam o lóbulo e a sensação era incrível, tudo pareceu morrer à minha volta. E por um momento eu despertei dos meus devaneios estúpidos e sonhadores e corri.
Sim, corri. Corri para o outro lado, seus ombros esbarraram nos meus, mas ele não se virou e pareceu nem sentir o choque. Mas eu senti, e doeu uma pequena parte deles. A velocidade do vento furou a minha pele conforme eu avançava pelos corredores. De repente senti as folhas escapulindo aos poucos do meu braço, voou tudo para o chão, mas eu não parei, não podia parar. Continuei assustada para a minha sala que era logo mais à frente. Senti o tumulto novamente se espalhando e tudo estava de volta ao normal.
Entrei na sala e todos estavam em posição. Bom, pelo menos estavam na posição de apresentação dos poemas e por pura falta de sorte minha, era a nossa vez. Minha e de María. Ela me olhava como: você-é-louca-onde-estava?
— Porque sumiu? — sussurrou ao me ver de mãos abanando, sua expressão era a mesma como se eu tivesse cometido um crime.
— Senhoritas María Evangeline e Emily Foster, poderiam por favor começar o poema?
Arfei. Tivera caído com as folhas, é claro. Sou uma idiota.
A porta bateu. Eu virei instantaneamente. Era ele novamente. Estava tão deslumbrante quanto antes, e muito menos dele entrar na sala, eu conseguia perceber a sua presença. Só ouvia sussurros, murmúrios na sala inteira, nada parecia importar mais. Só ele.
— Desculpe-me a interrupção senhorita Marian, mas creio que Emily deixou essas folhas caírem. — Ele me olhou e eu congelei. María me cutucou por trás quando ele me estendeu as folhas e eu não tivera me movido. Peguei-as num sobressalto. Ao redor as pessoas me xingavam.
— Certo... Seu poema se encontra nesse amontoado de papeis Sr. Emily? — Virei-me para ela e ela ajeitou os óculos como se me encarasse de propósito. — Pois caso não estiver, apenas a sua amiga María receberá nota. — Pra falar a verdade nem sabia que María era do meu grupo, e o poema estava ali, nas minhas mãos entre alguns amontoados de folhas. Parecia queimar mesmo sem tocá-lo.
— Certo — respirei fundo, arfando. —, ler aqui?
Houve risos e Tom estava paralisado, fitando-me, eu percebia pelo canto do olho.
— Mas é claro, ou se preferir ler no refeitório no microfone particular também é uma boa idéia, dependendo do contexto do poema, é claro.
Ela estava zombando de mim com necessidade, eu era a real idiota ali. O problema era que a pessoa que eu pensei quando escrevi esse poema estava ali do meu lado sem dar sinais de que voltaria para a sua sala. Foi quando eu respirei fundo uma ou duas vezes, e li:


Ò paixão desconhecida.

Meus olhos ardem ao encontro do seu.

Meu amor cresce a cada vez que o vejo.

Não temo, não odeio, só amo.

O fogo queima ao encontro da sua pele.

Um arrepio invade as chamas e queima

Meu coração reconhecendo o meu amor

Só por você.



Arfei com a verdade das palavras. Tom ainda estava ali, ao meu lado paralisado. O meu medo estava tão visível que eu não conseguia entender a expressão da Sr. Marian. Houve aplausos, mas eu queria fugir dali. O mais estranho era que todos à minha volta pareciam perceber tanto quanto eu que a pessoa em quem pensei quando escrevi fora a qual estava ali, ao meu lado. Ninguém pareceu se incomodar com isso. Virei-me para María que sorria com um sorriso de orgulho estampado. Orgulho de quê? De que todos acabaram de descobrir que era para ele? Era o que eu sentia a respeito dele?
— Muito lindo o Poema Sr. Emily. Agora, sente-se.
Mas de repente tudo voltou ao normal, as pessoas não pareciam estar realmente percebendo. Ele já tivera saído mas eu ainda sentia a sua presença, sentia que estava comigo em algum lugar e que, ele sentira tanto quanto eu quando estava lendo aquele poema, uma sensação estranha de amor e medo.
— Nossa, nem sabia que você gostava tanto de Poemas.
— Eu não gosto.
— Ah, então imagino que tenha copiado da internet? Estranho, a Sr. Marian teria percebido com certeza. Ela conhece tudo sobre Autores de Poemas.
— Não copiei da internet. — Sentei-me. — É simples criar um, basta ser sincera e ouvir seus sentimentos.
— U-u-u-h que melancólico “Sr. Emily”. — Disse imitando o modo em que a Sr. Marian me chamava.
Na saída eu o vi. Estava fitando-o do mesmo modo quando ficamos a sós no corredor escuro. Ele estava mais calado hoje, brincava com algo que eu não conseguia enxergar entre as duas mãos. E nem estava dando atenção às meninas. Estava mudado.
— O-ou! Estou aqui meu bem, se continuar me ignorando desse jeito sinto muito mais vou deixá-la sozinha. — Ela sorriu. Já estava bem com os dois meninos. Glauco e Erick.
— Qual é o problema dos dois? Não falam nada, não riem, nem desviam o olhar de Emily!
Eu sobressaltei ao ouvir meu nome. Olhei para eles nervosa. Tom me olhou e desviou. Nossos olhos se chocaram pela quarta vez e eu estava pirando.
— Certo, desculpe.
— Vamos todos ao cinema?
— O quê? — Glauco perguntou como se tivesse sido xingado.
— É, há uma surpresa para vocês. Bom, é claro que aquele “desentendimento” é por falta de popularidade... — Ela balançou a cabeça ao perceber o olhar confuso dos dois — O-k, vamos hoje à noite, tudo bem? Quero ver um filme de terror ou relacionado. Emily — ela me olhou —, convide alguém para ir com você. Eu já tenho alguém para ir.
Glauco e Erick balançaram a cabeça.
— Ah por favor! — Ela implorou, por um minuto pensei que ela se ajoelharia — É sério, não vão se arrepender, eu imploro a vocês! Por favor, Por favor, Por favor, Por favor, Por favor...
— Ah chega! Tudo bem... eu vou. — Disse Glauco e ela sorriu.
— Certo, também vou. 5ª avenida? — Erick perguntou.
— Aham. E não se esqueçam que é às 19:00hrs. Nem você do seu acompanhante Emily.
Eu não fazia a mínima idéia onde ficava a 5ª Avenida e quem María convidaria. Mas algo me dizia que isso não era bom, não sei porquê.
Cheguei em casa exausta, provavelmente se eu não fosse hoje à noite María me mataria e eu ainda precisava levar alguém. É óbvio que não vou pensar duas vezes antes de levar Susan. Elas se darão bem, eu acho.
— Vai sair? — Perguntou a tia Celeste, ela sabia?
— Ah sim. Vou. Eu ia te avisar e... preciso da sua ajuda.
— Minha ajuda? Com o quê?
Ela endireitou os óculos e mexeu nos cabelos. Na mão esquerda segurava um livro grosso e antigo. Muito antigo. Tipo o de Susan em sua casa.
— Onde fica a 5ª Avenida?
Ela riu.
— Simples, eu escrevo o caminho.
Ela desceu para pegar uma folha e um lápis. E eu liguei para Susan.
— Alô? — Perguntou ela.
— Susan... tem compromisso agora? É que... quer vir ao cinema comigo e uns amigos?
Ela bufou.
— É... não sei. Estava lendo algumas coisas
muito importantes. Mas... vou perguntar aos meus pais, que horas?
— 18:50 eu passo para buscá-la.
O telefone ficou mudo de repente. E logo voltou.
— Está certo. Venha me buscar neste horário então. Será minha responsável hoje.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que gostem, se gostarem deixem um review ou recomendem :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Escolhida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.