Advent Of The Unknown escrita por Rook Crossfield


Capítulo 1
Negação




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Últimos minutos de aula. Final do segundo ano letivo do ensino médio, e o professor ainda continuava passando matéria no quadro. Mas a maior parte da turma nem ligava mais para o professor. Uma parte dos alunos – ainda sentados em suas cadeiras – comemorava uns com os outros, declaravam saudades adiantadas e outros inclusive combinavam de sair juntos durante as férias. Outra parte era composta pelos alunos mais aplicados da turma, que apesar de estarem satisfeitos com o término das aulas, continuavam a copiar a matéria. Aparentava ser idiotice, mas, pra eles, nada mais justo que terminar o ano com o caderno completo.


Essa divisão entre dois lados nunca foi explicada convincentemente nem pelos próprios alunos da turma durante esses dois anos, mas isso se iniciou durante a metade do primeiro ano. Basicamente, os “bagunceiros” e os “inteligentes” começaram a se reunir entre si, criando uma divisão quase perfeita na sala de aula. Os bagunceiros ficaram com o lado direito, e os “intelectuais” ocuparam o lado esquerdo da sala. Apesar da convivência pacífica, o clima na sala de aula sempre foi tenso, e ambos os lados raramente interagiam um com o outro.


Enquanto isso, no canto esquerdo da sala, um rapaz com cabelos brancos e camisa azul com listras brancas e vermelhas nas laterais – típico uniforme da escola – estava sentado em uma das carteiras. Não comemorava, tampouco copiava a matéria. Alheio a tudo ao seu redor, lia com interesse um de seus livros de ficção – o da vez contava a história de um anjo renegado e uma feiticeira que volta e meia se envolviam em aventuras até a chegada do conhecido Apocalipse bíblico. Do jeito que ele estava, podia acontecer de tudo na sala de aula – desde um incêndio até a invasão de ETs – e ele continuaria lendo o livro. E isso enquanto corria ou sendo abduzido, mas enfim.


– Alunos! – disse o professor, em voz alta. De estatura média, moreno, com cabelos curtos, trajava jeans na cor tradicional, blusa preta lisa e um jaleco azul claro, típico dos funcionários da escola. A convocação fez o rapaz fechar o livro e olhar pra ele. – Espero que vocês tenham copiado a matéria que eu passei, é o meu presente sincero pra todos vocês que passaram de ano. E os que não passaram, considerem-se adiantados.


– Mas professor, por que você tá passando matéria no último dia de aula? – perguntou um aluno da segunda fileira, da direita pra esquerda.


– E isso é estranho, já que nos últimos dois dias o senhor não passou matéria nenhuma pra gente – continuou uma menina. O professor riu, como se já tivesse prevendo esse tipo de pergunta.


– Hehe... Isso é só o começo da matéria de Língua Portuguesa do terceiro ano. – a turma olhou pra ele, indignado. No instinto, o rapaz de cabelos brancos já olhou pra uma menina de cabelos castanho-avermelhados longos e olhos verdes, que sentava ao lado dele e tinha copiado toda a matéria. Isso realmente o tinha pegado de surpresa.


– Pode deixar – seu tom de voz era pouco suave, mas olhava gentilmente pro rapaz. – Eu te empresto a matéria depois, Paulo. – o garoto fez sinal de positivo com as duas mãos e sorriu, em agradecimento.


– Valeu, Luci! – dito isso, voltou a ignorar o movimento da turma e continuou lendo seu livro. Mas, apesar de estar concentrado na história do livro, volta e meia ele checava o calendário do seu celular. A tela mostrava catorze de dezembro, e daqui a três dias ele estaria junto com o pessoal que ele tanto queria ver. Ele estava bastante ansioso, mas nem precisava. Tudo já estava planejado, com todos, e nada poderia impedir isso. Nada. E os alunos ainda iam discutir com o professor, visivelmente aborrecidos.


– Poxa, sacanagem isso! A direção deixa os professores fazerem isso com os alunos? – perguntou um, em protesto.


– Mas não são vocês que dizem que querem terminar logo o ensino médio, e ainda reclamam porque eu adiantei uma parte da matéria do primeiro bimestre pra vocês? – perguntou o professor, fingindo espanto. A turma se calou por um momento, e uma menina do lado direito olhou com desprezo para o lado esquerdo da sala.


– Vocês não perceberam? Isso deve ser coisa daquele bando de nerds do outro lado. Aposto que o professor combinou com eles que iria passar matéria e ferrar o nosso lado. Olha o outro ali, lendo, provavelmente já devia ter uma cópia da matéria adiantada. – apontou para Paulo, que não prestou a mínima atenção no que ela disse.


– Ei! Ele não copiou matéria nenhuma, ou copiou? – perguntou um garoto de cabelos espetados, que sentava na frente de Paulo. Vendo que ele não respondia, sacudiu o rapaz pelos ombros. – Paulo, acorda pra vida meu filho, um dia tu ainda vai mergulhar dentro de um e-book.


– Fala o que tu quer logo, sua peste! – sua voz saiu mais alta que o normal, logo, olhou ao redor e viu que a maior parte da sala, em silêncio, olhava pra ele. O lado esquerdo, sabendo que o professor não tinha combinado nada com eles, continuou tranquilo, mas alguns do lado direito achavam coerente o que ela dizia. – O que houve aqui, Rodrigo?


– A garota ali – “Eu tenho nome!”, exclamou ela, mas Rodrigo continuou – tá dizendo que o professor combinou isso com o nosso lado e disse que você tinha uma cópia dessa matéria. Só porque você tava lendo e não tava copiando nada.


– Não copiei porque não quis, ora. – disse Paulo. – Se fosse por isso, ela teria uma cópia da matéria por estar com fone de ouvido, ele teria uma cópia da matéria por estar conversando e por aí vai... – disse, enquanto apontava pra um garoto e uma garota próxima a ele. Era incrível como alguns alunos lado direito da turma tinham certa animosidade em relação a ele. E a garota não se deu por vencida.


– Você tá mentindo! Claro que é mentira dele, ele quer ferrar o meu lado! – ela levantou, e seguiram-se murmúrios de concordância ao redor dela, mas Paulo já começava a ficar levemente irritado. Já não gostava de ser chamado a atenção, e se sentia incomodado com muita gente olhando pra ele. O professor sentou-se nesse meio tempo, observando.


– Seu grupo... Desde quando você é a líder dele? Aliás, desde quando isso é um grupo? Bom, que seja, eu definitivamente não me deixaria guiar pela sua “liderança”. – respondeu, provocando um pouco a menina. – Mas enfim, não tem porcaria nenhuma de matéria comigo, eu tô na mesma situação que vocês. Mas até que você tem talento, garota. Suas “verdades” distorcidas podem gerar um bom blog de conspiração.


– Caralho, fudeu... – comentou Willian, um garoto de cabelos negros e aparência oriental, sentado atrás dele. A sala toda ficou atenta. Quieto, normalmente o rapaz ignorava qualquer tipo de implicância com ele, mas ele detestava ser acusado por algo que não tinha feito.


A menina, furiosa, se levantou e foi em direção a Paulo, que ficou parado, observando ela se aproximar. O professor, por fim, se levantou e deu um basta na aparente confusão.


– Ele falou a verdade, eu que quis passar a matéria agora – disse o professor, com um olhar divertido para os dois. – E você, Marcela, pode descontar sua raiva em mim, contanto que você aceite de antemão sua ida ao conselho tutelar.


Finalmente derrotada, a menina voltou ao seu lugar, sem antes lançar um olhar de raiva para Paulo, que respondeu o olhar tranquilamente. Minutos depois da tensão da sala aliviar, o sinal tocou, e como a maioria já tinha o material guardado na mochila, todos desceram rapidamente, menos o professor, guardando uns papéis, e o grupo onde Paulo estava, que continuou na sala conversando.


– Paulo, eu não sabia que você tinha uma língua tão afiada – comentou o professor, ainda concentrado nos papéis. – Eu ainda acho que você tem que ser mais participativo na aula, você pode ser bom em debates.


– Que nada, esse daí tem preguiça de falar! – disse uma menina, bonita, de cabelos pretos curtos e lisos e com aparelho dental quase imperceptível, transparente. O resto do pessoal riu, Paulo inclusive.


– Acho que a Amanda respondeu por mim, professor. Prefiro continuar na minha, mesmo. – o rapaz ainda ria quando terminou de falar. O professor terminou de guardar seu material, e saiu da sala, se despedindo de todos ali. E quando Rodrigo começou a abrir a boca, Paulo já previa o que ia sair dali.


– Mas o que ele não fala, compensa escrevendo né. Porque porra, não sei como tu tem paciência pra escrever aqueles textos no Facebook, puta que pariu! – exclamou, fingindo raiva, mas brincando.


– Ele é tipo um ninja da escrita, do mesmo jeito que tu é um ninja com as mulheres, mano... – definiu Willian, deixando Rodrigo confuso.


– Exato! Tu chega perto das garotas e elas nem te notam! Mestre, por favor, me ensine essa técnica de invisibilidade! – disse Lucas, um garoto moreno e o mais forte do grupo, em um tom debochado de admiração.


Todos começaram a rir e Rodrigo fechou a cara, mas logo após riu, também.


– Ah, vão se ferrar! – disse, embora não estivesse chateado.


– Que maldade com o garoto, gente... – Luci balançou a cabeça negativamente, mas também tava rindo. – Mas e aí, o que vocês vão fazer nessas férias? Eu vou pro Pará com a minha irmã, visitar uns parentes em janeiro!


– Eu não tenho nada pra fazer nas férias, acho que nem viajar eu vou. Então, tô de bobeira. – respondeu Willian. Rodrigo, Lucas e Amanda partilharam da mesma resposta.


– Eu vou pra Belo Horizonte, pra casa do meu tio, mas só em janeiro. – respondeu Iasmin, que tava ao lado de Amanda. – Então acho que dá pra gente marcar de fazer alguma coisa juntos nesse mês! Que tal, Paulo?


Paulo, que já tinha outros planos em mente, fez o restante do grupo concluir que ele já tinha algo pronto só de olhar pra eles.


– Poxa, eu já tô indo pra Sampa nesse domingo agora, pessoal... Vou passar parte das férias lá, volto na última semana de janeiro. – respondeu, rapidamente. E logo todos se lembraram de que o rapaz tinha comentado com eles no meio do ano que ia tentar se encontrar com alguns de seus amigos virtuais em São Paulo, nas férias de verão.


– Ah, é o encontrão né, mano? – perguntou Rodrigo, enquanto tirava um pacote de biscoito da mochila e, depois de oferecer para o pessoal, começou a comer. – Vai na fé, cara! Não precisa se preocupar com a gente não, ainda vamos ter um ano inteiro juntos aqui na escola.


– Deixa de ser viado, porra. – Willian deu um empurrão em Rodrigo, que bateu na parede e se engasgou com o biscoito. Os zeladores apareceram na porta da sala pra limpar, era a deixa pra eles descerem.


Ao cruzarem o corredor do primeiro andar e descerem as escadas, o grupo saiu no pátio principal da escola, que era bastante largo e possuía algumas árvores, vários bancos de madeira e uma fonte com uma estátua jorrando água, além do tradicional pedestal triplo com a bandeira do Brasil, do estado do Rio de Janeiro e das Forças Armadas no centro do local. Enquanto cruzavam o local, um assobio do lado esquerdo do pátio pode ser ouvido pelo grupo, mas Paulo foi o único a olhar na direção do som, familiar pra ele.


Sentada em um banco que ficava sob a sombra de uma árvore, uma menina de longos cabelos castanho-escuros ondulados estava com o fone no ouvido enquanto olhava para o rapaz, chamando-o com um aceno de mão. Fora a típica blusa da escola, usava jeans claro e um All-star branco com detalhes em quadriculado vermelho. Paulo se despediu do resto dos seus colegas e foi em direção a ela.


– Everybody knows that I want you, if you want me, baby show me... – cantava meio desafinada, enquanto Paulo recostava na árvore e ria olhando pra ela, que tirava o fone do ouvido pra falar com ele.


– Apaixonada por mim, né Letícia? Sabia. – disse o rapaz, irônico, o que fez Letícia rir e logo em seguida ela se levantou, colocando a mochila nas costas. – Enfim, vamos?


– Ihhh, garoto, deixa de ser ridículo! Vamos logo. – Letícia foi andando em direção ao portão da escola, e Paulo seguiu ao lado dela. Ao cruzarem o portão, o rapaz viu Marcela olhar de cara feia pra ele do outro lado da calçada, mas ele só riu e ignorou, enquanto Letícia estranhava a situação. – O que essa corva quer contigo? – indagou, curiosa.


Pra referência futura, corvo e derivados do mesmo radical são apelidos usados entre alguns dos amigos de Paulo pra designar pessoas não conhecidas, ou estranhas e esquisitas. Ou eles mesmos, inclusive, mas enfim. E enquanto viravam a esquina em uma rua pra chegarem até ao ponto de ônibus, Paulo contou sobre a quase discussão que ele teve com ela na sala de aula por causa da matéria extra que o professor tinha passado.


– Que garota babaca, eu hein, te acusando por nada. E esse professor também é maluco de passar matéria no ÚLTIMO DIA DE AULA, pelo amor de Deus. – comentou, levantando a mão e girando para o alto. Sim, ela tinha mania de gesticular do nada.


– “Porque se fosse eu, já ia com o dedo na cara dela e chamando ela de ridícula, eu hein.” – replicou Paulo, imitando o mesmo gesto de Letícia e rindo, acompanhado por ela na risada.


– Ah eu ia mesmo. Duvido que eu fosse deixar... – afirmou Letícia, enquanto Paulo fazia sinal para o ônibus. Por sorte, deu pra ver de longe que o mesmo estava vazio e não tinha muitos estudantes no ponto indo para o mesmo local que os dois. Os dois entraram e, após pagarem a passagem, sentaram no fundo do ônibus. Mais por preferência do garoto, pois era o lugar favorito dele.


Paulo olhou pra Letícia, animado. Era uma sensação que ele não experimentava com tanta intensidade há muito tempo, e a menina logo deduziu o que se passava na cabeça dele.


– Tá chegando, né? Fernanda vai ficar doida, vou perturbar ela DEMAIS lá em SP. Ela que me aguarde... – Letícia acabou também contagiada pela animação do garoto. – Seus amigos confirmaram, já?


Ele afirmou positivamente com a cabeça.


– Só mais três dias e vamos estar lá! Já planejei tudo há mais de seis meses com o pessoal de lá e com vocês aqui, também. E o local que eu consegui arranjar, graças ao Isra, é bem grande, cabe todo mundo ali dentro e... Opa, pera. – o celular dele tinha tocado e ele pegou para ver, era uma mensagem de texto.


“Não tô a fim de ir pro último dia de aula naquela escola horrível, posso matar aula aí na tua casa?”, e Paulo riu ao ler o nome do seu amigo, Renan no remetente da mensagem. Era sempre ele que mandava mensagens do tipo. Rapidamente, digitou uma resposta e enviou.


– Pronto. Mas enfim, como eu dizia, vai sobrar espaço lá e vai dar pra todo mundo se divertir. – concluiu, sorrindo. – Até parece que eu ia enfurnar todo mundo em uma casinha no centro de São Paulo, né? E só a Isa que não vai, pena.


– Pois é, né? Ela ainda tá na Grécia... Eu hein, tira foto da vista do mar e aparecem aquelas favelas no fundo. Um monte de casa branca em cima da outra...


Isadora, amiga dos dois, morava em São Paulo e provavelmente iria encontra-los lá. Mas as aulas dela acabaram mais cedo e ela voltou pra Grécia com a família, não aguentando de saudades do país. E ela não gostava quando Paulo e Letícia a perturbavam com isso. Claro que ambos sabiam sobre a importância da cultura helênica, mas isso não vem ao caso quando se trata de perturbar uma aficionada pelo país igual a ela.


O resto da conversa transcorreu tranquilamente pelo resto dos quinze minutos de viagem tradicionais que o ônibus fazia, até ambos saltarem do ônibus. Paulo se despediu de Letícia, e ela atravessou para o lado esquerdo da rua, seguiu mais uns metros pra frente e entrou em uma transversal, a rua onde ela morava. Já o rapaz apenas pegou a transversal ao lado do ponto de ônibus e andou até o fim da pequena rua, virando a esquerda, por fim, na rua onde o mesmo morava.


– Nossa, você não perde tempo mesmo né, Renan? – o rapaz ria enquanto observava um rapaz alto, porte físico normal, com cabelos castanho-claros espetados e olhos verdes, parado em frente ao portão de seu apartamento. O uniforme da escola era a blusa, cinza com a lateral azul-escuro, típica das escolas estaduais do Rio de Janeiro. Além da blusa, ele vestia um jeans azul, um pouco apertado, e calçava um par de Vans cinza.


– Bem cheguei, Paulo. Já ia te mandar SMS de novo. – disse Renan, rindo enquanto bagunçava o cabelo do rapaz, que pegava a chave pra abrir o portão.


– Chegou cedo demais, até. Normalmente você chegaria as uma, por aí. – notou, e o relógio em seu celular ainda marcava quinze pra uma da tarde.


Após abrir o portão, Renan empurrou o rapaz pra dentro do corredor que levava as escadas e Paulo o empurrou de volta.


– Cheguei cedo mesmo, tá pensando que a vida é fácil? – perguntou Renan. Sim, perturbar e falar coisas sem sentido fazia parte da natureza dele, e acreditem. Isso é só o básico. Os dois começaram a subir as escadas. – Garoto, experimenta essa bala aqui. - Renan pegou umas balas de framboesa e empurrou na mão de Paulo. Ele pegou uma e chupou.


– É, até que é boazinha... – disse Paulo, em um tom propositalmente desanimado, o que prontificou Renan a empurrar o rapaz mais uma vez, mas dessa vez ele desviou. – Fail, Renan. – riu.


– Boazinha nada, essa bala é ótima. Eu nunca vi igual, nem Satã viu, tu tem a obrigação de achar ela ótima. – disparou Renan, em mais uma de suas “crises”. Paulo abriu a porta, entrou, largou a mochila jogada no sofá e abriu a tampa no notebook, que só estava suspenso ao invés de desligado. Renan fez uma pausa dramática após entrar na sala, cruzou os dois braços e exclamou. – TUM!


E se jogou no sofá, dramaticamente. Acostumado com os exageros do garoto, Paulo ligou o notebook na TV de LCD da sala pelo cabo HDMI – pois o som saía com melhor qualidade por ali – e deixou aberto o Firefox e o Messenger. Logo em seguida, o rapaz foi ao seu quarto mudar de roupa.


Saindo do quarto com uma bermuda cinza e uma camisa azul com a estampa da bandeira do Reino Unido, foi até a cozinha e colocou sua comida rapidamente. Arroz, feijão, carne moída, batata frita e salada de alface com tomate, em uma proporção equivalente a um “prato de pedreiro”.


O apartamento de Paulo não era tão grande assim, mas era ideal. Varanda, sala, três quartos, cozinha, banheiro, área de serviço, era o suficiente pra Paulo, sua tia e seu pai morarem ali. Mas no momento ele estava sozinho, seu pai foi trabalhar cedo e só volta à noite e sua tia tinha saído pra “resolver uns negócios”, como ela mesma costuma dizer. Quanto ao bairro onde ele morava, não era o lugar ideal aonde ele gostaria de morar. Mas pelo menos era tranquilo e ele ainda não tinha sido assaltado ali. É... Pelo menos isso.


O rapaz bateu seu prato em cinco minutos, lavou-o, lavou a boca e voltou pra sala, levando dois pratos de sobremesa com pudim de leite, entregando um a Renan.


– Ai, amo muito esse doce que tu nem imagina... – e Renan começou a rir sozinho do que tinha falado. Paulo quase cuspiu o pudim, rindo. – Mas então, nós vamos no domingo mesmo, né? Minha mãe tá quase arrumando as minhas malas, ela é maluca, falando pra eu levar um colchonete pra lá.


– Que isso, garoto, leva uma ou duas malas com as suas coisas, nada demais. – disse, lembrando-se de como a mãe dele se preocupava com todos os detalhes na hora de arrumar as coisas. – Mas enfim, vai ser no domingo mesmo. A partir das duas vamos estar no aeroporto, pra pegar o voo das duas e meia. Mas antes vamos passar na casa de uma amiga minha, Nina, então nós vamos sair cedo.


Paulo voltou para o notebook, onde todos os seus amigos o chamavam, também comentando sobre a proximidade do encontro. Tudo tinha sido planejado pelo rapaz desde a metade do ano, e corria tudo do jeito que ele queria. De princípio, só iria ele, Renan, Letícia e mais três pessoas daqui do Rio se encontrar com a amiga deles, Fernanda, e iriam ficar na casa dela em São Paulo. Porém, Paulo teve a idéia de fazer um encontro em maior escala, e nisso, resolveu chamar alguns amigos virtuais, os que ele mais considerava.


O único problema seria a casa, mas isso foi logo resolvido. Paulo conseguiu arranjar uma casa de férias com Israel e Gabriel, que eram conhecidos do dono da casa, e ele ofereceu a casa com prazer. Felizmente, ela tinha acabado de ter a despensa renovada por esse mês de dezembro. E o local tinha suporte o suficiente pra mais de vinte pessoas.


No MSN, Lucy e Eitham haviam acabado de avisar a Paulo que não iriam mais, e Isadora tinha voltado pra Atenas. Estranhamente, outros três amigos seus não tinham dado notícias durante os últimos três meses. Já o restante, tudo combinado.


– Pronto, tudo confirmado pra domingo! – comemorou Paulo, em meio à música alta que tocava na sala. Seu celular começou a tocar, e rapidamente ele abaixou o volume e foi atender.


– Oi, mãe! – tinha reconhecido o número pelo identificador do celular. – Tudo bem?


– Tudo ótimo, amor, como sempre. E parabéns por ter passado de ano!


O rapaz ergueu uma sobrancelha, surpreso.


– Como você... Ah, ligou pra escola, claro. De qualquer jeito, valeu! – disse, sorrindo. – E, como eu já te avisei, a viagem vai ser no domingo, ok?


– Não, eu sei, é que...


– O que, mãe? Aconteceu alguma coisa por aí? – perguntou, preocupado.


– Só toma cuidado quando estiver por lá, querido. Tive um mau pressentimento, e eu nunca gostei disso, você sabe. – disse, mas logo voltou ao tom doce que normalmente adotava ao falar com o filho. – Enfim, tome cuidado e divirta-se. Afinal, você merece, e esse ano não foi nada fácil, né?


Ele definitivamente se preocupou. Não obstante sua mãe tinha pressentimentos bons e ruins. No melhor dos pressentimentos o rapaz ganhou uma coleção de livros novos, e no pior... Só faltou sofrer um traumatismo craniano.


– Ok, mãe, obrigado de novo. – respondeu, tentando disfarçar a preocupação. – É só isso?


– Da minha parte, sim. Agora vou passar pra sua irmã, ela quer falar com você. Tchau, querido, te amo. – o rapaz mal tinha terminado de sorrir quando imediatamente uma voz enérgica e alta invadiu o alto-falante do seu celular.


– EU VOU FICAR MUITO DECEPCIONADA COM VOCÊ SE VOCÊ NÃO...


O rapaz respirou fundo, antes de perguntar:


– Se eu não...?


–... Usar camisinha nesse encontro. – concluiu a irmã, o que fez Paulo abaixar a cabeça. Definitivamente esperava algo importante, vindo da irmã.


– Caralho, que susto. É uma casa de férias, garota, não um puteiro. – respondeu, levemente irritado. Na sala, Renan ria. A irmã de Paulo tinha falado tão alto que não precisou de viva-voz para o som ecoar na sala. – E eu tenho bom senso, ao contrário de você.


– Olha como você fala com a sua irmã mais velha, viu?


– Não quero saber, não fui eu quem ficou rindo pra um guarda-chuva, de acordo com a nossa mãe. – do outro lado da linha, a irmã já ia articular uma resposta, mas se calou.


– Ok, você venceu dessa vez. Mas, me aguarde... – avisou, supostamente ameaçadora. – Então, agora é sério, Paulo. Toma cuidado lá, não se envolva demais com estranhos e vê se liga pra gente quando chegar e enquanto estiver lá, tá bom?


Normalmente o rapaz acharia engraçado a irmã dele falar sério com ele desse jeito. Mas, independente das brincadeiras ou inconveniências, ela sabia dar importância às situações.


– Tá, pode deixar, eu vou ligar. – respondeu, e do outro lado da linha a irmã dele se despediu.


Paulo desligou o telefone, e voltou a aumentar o som.


– Põe Britney aí pra mim, Paulo. – pediu Renan, fã da cantora. Paulo revirou os olhos, não por não gostar da artista, mas sim por não estar no clima pra ouvir as músicas dela.


– Ah, agora não...


– Ih, garoto chato, não faz nem um agrado pra visita, eu hein. – censurou Renan, tacando a colher de pudim em Paulo.


– Não sei que visita você é aqui, hein? Só se for esse sapato que eu nunca vi você usando, Renan. – comentou, ironicamente, zoando o fato de o rapaz comprar vários pares de tênis por mês. Renan insistiu mais um pouco, e por fim, o rapaz atendeu ao pedido dele.


– Agora sim... Era essa mesma que eu queria ouvir. – Renan se recostou no sofá e colocou os pés no braço do outro, se mexendo ao ritmo de “Piece of Me”.


E o resto da tarde seguiu assim, com ambos ouvindo música e Paulo na internet conversando com seus amigos no MSN, acompanhando fóruns internacionais de games, música, procurando novos livros pra comprar e ocasionalmente rindo, com Renan, das fotos e vídeos dos artistas que volta e meia eles encontravam. E, claro, comendo Doritos e Coca-Cola durante todo o tempo.


Quando o relógio marcou cinco horas da tarde, Renan se levantou.


– Ai, já tô indo pra casa. E eu não vou ficar na rua hoje, vou começar a arrumar minhas coisas. – disse, enquanto deixava a mochila pendurada em um ombro só.


– Garoto, você vai levar dois dias pra arrumar só até duas malas? – indagou Paulo, ao ouvir o exagero de Renan. – De qualquer jeito, vou passar lá. Tenho que falar com a Mariana.


– Problema, não vou pra rua do mesmo jeito. – respondeu, enquanto abria a porta e descia as escadas. Em seguida, um barulho forte de portão fechando pôde ser ouvido de longe, e ele já estava descendo a rua.


Com mais nada pra fazer na internet e nenhum game pra zerar no momento, Paulo fechou os programas, desligou o notebook e desconectou o cabo HDMI que o ligava à LCD da sala e colocou a mesa de centro de volta no lugar, a fim de evitar reclamações quando seu pai ou sua tia chegassem da rua. Limpou rapidamente a sala, jogando os sacos de Doritos e as latas de Coca no lixo da cozinha e por fim levou o notebook de volta para o seu quarto, repousando-o na escrivaninha. E o rapaz se jogou na cama.


Seu quarto era seu refúgio. Juntamente com a companhia dos seus melhores amigos, os seus livros, a internet e a sua imaginação, mas voltando ao assunto... Era um dos poucos locais no qual o rapaz se sentia completamente à vontade. As paredes eram metade azul-escuro, metade branca, e sua cama, de casal – o rapaz priorizava espaço e curiosamente gosta de dormir na diagonal – ficava na parede do lado esquerdo, oposta a da porta sanfonada. Ao fundo do quarto, seu guarda-roupa cinza e na parede se espalhavam pôsteres dos seus games, animes, filmes e artistas favoritos (Harry Potter, Nárnia, “Eu, Robô”, To Aru Majutsu no Index, Steins;Gate, Digimon, Linkin Park, King of Fighters, Portal, etc.).


Na parede do lado direito, uma estante branca e cinza, larga, guardava seus livros, filmes e jogos e tinha algumas figuras de ação do Lanterna Verde, Homem de Ferro, Fênix e Feiticeira Escarlate, assim como algumas coisas espalhadas por entre os espaços vazios. Do lado da estante ficava a escrivaninha na qual seu notebook repousava, carregando. Tinha a impressora ao lado, alguns livros e teria muitos papéis amassados, se não existisse o Word, ou o Bloco de Notas. E a TV de LCD do seu quarto ficava na parede em frente à cama, ao lado do guarda-roupa.


– Tem aquele livro pra eu terminar de ler... Mas ele tá na minha mochila, preguiça de ir lá pegar. – falou consigo mesmo, rolando pela cama. E passou um bom tempo deitado na cama, cerca de uma hora, pensando em tudo como sempre fazia. Ao despertar de seus devaneios, colocou a mão entre a salada de cobertores até tirar o controle remoto escondido e ligar a TV. Passou os canais, e por hora não tinha nada que o interessasse a não ser uma notícia em particular.


“A partir de amanhã começa mais uma série de experimentos com o Bóson de Higgs no acelerador de partículas localizado em Genebra, o LHC. Os cientistas estão cada vez mais ansiosos em descobrir o verdadeiro potencial por trás dessa descoberta”, disse a repórter. A “Partícula de Deus”, como era tradicionalmente referida pela maioria das pessoas, despertou o interesse de Paulo, mas ultimamente os cientistas não se pronunciavam muito sobre ela desde agosto. Essa notícia agora então era animadora para o rapaz.


Fora a previsão do tempo que confirmava o que o rapaz tinha visto na internet – tempo ensolarado para o final de semana –, o restante do noticiário não mostrou mais nada que o interessasse e ele desligou a televisão, levantando-se da cama em seguida.


– Passar na casa da Mariana agora... Ou depois? – se perguntou, indo em direção ao espelho e encarando o seu próprio reflexo. Paulo era um rapaz de pele clara e porte físico normal, um pouco magro (devido à preguiça de fazer exercícios físicos) e tinha cabelos brancos cheios, que eram disciplinados em sua aparente bagunça e uma parte do seu cabelo caía e ocultava seu olho esquerdo. Olhos cinzentos, por sinal. – Melhor eu ir agora mesmo. O bom é que eu volto cedo e isso acaba me dando mais tempo pra dormir.


Arrumado desde a hora em que recebeu seu amigo em casa, o rapaz pegou o livro “Ponto de Impacto” na estante, calçou os chinelos e em menos de dois minutos já tinha fechado o portão e estava descendo a rua. Por ser noite de sexta-feira, a rua estava bastante movimentada com os carros indo e vindo, pessoas reunidas nas calçadas e bares, e crianças ainda brincando na rua. Sua amiga morava em uma vila no final da rua, e ele seguiu por uns oito minutos até chegar à entrada do local. Pressionou um botão, a porta se abriu e ele entrou, cumprimentando com um aceno de cabeça as pessoas que sempre costumavam vê-lo por ali até chegar rapidamente ao portão da casa dela.


Paulo tocou a campainha, e um barulho de passos descendo a escada pôde ser ouvido em seguida. O portão se abriu, revelando uma bela menina, de feições meigas, olhos castanhos e cabelos castanho-claros bem cuidados, que caíam sobre os ombros. Vestia uma blusa branca escrita “Hug”, com estampa de panda logo abaixo e um short jeans claro. Não levou nem dois segundos pra reconhecer o rapaz, já estava abraçando-o e ele retribuiu o abraço.


– Tudo bom? – perguntou Paulo, enquanto abraçava Mariana.


– Tudo ótimo, como sempre! – e a menina soltou o rapaz, e sem esperar o rapaz puxar assunto, continuou a falar. – Ai, hoje de tarde passou um documentário sobre a savana africana e os leões no Animal Planet... Eles são tão lindos que eu acabei revendo Rei Leão, você sabe que eu amo esse filme, não é? – disse, em um tom de voz meio fofo, choroso.


Paulo riu. Mariana sempre foi aficionada pela natureza, e volta e meia tava assistindo documentários sobre a fauna e a flora do planeta.


– Eu sei, Mariana. Essa é tipo a milésima vez que você assiste ao filme, né? – Paulo sentou em frente ao portão, acompanhado por Mariana, que sentou ao lado dele.


– Mas é que eu nunca me canso de assistir, poxa. – respondeu, enquanto fitava um gato que passava pelo telhado da casa em frente à dela. – Depois eu assisti a uns filmes da Audrey no blu-ray e eu tava quase terminando de assistir mais um dela, até que você me chamou. – completou, cruzando os braços e fingindo estar irritada com ele.


– Aaaaah, que pena, desculpa ter te interrompido. Aposto que você ficou tão zangada que nem quer mais o livro emprestado, né? – perguntou, também fingindo estar triste enquanto balançava o livro na frente dela. Ela tentou pegar uma, duas vezes, mas o rapaz passava o livro de uma mão pra outra.


– Ai, idiota, me dá logo esse livro! – disse, rindo, até que enfim ele estendeu a mão e ela pegou-o.


– Aliás, cadê a Manu? – perguntou Paulo. Normalmente ela já estaria ali, mas dessa vez não foi o que aconteceu.


– Ela ainda deve estar na escola... – comentou, sem muita certeza.


“Pobre Manu, é o último dia de aula e ela ainda deve ter prova...”, pensou, enquanto ajeitava um amarrotado da camisa.


– Aliás, falando em escola, tinha que ver o Renato e a Letícia chorando por ser o último dia de aula do nosso ano... Que dó. – disse, tristemente. Mariana estudou com Paulo do sexto ao nono ano do ensino fundamental, depois ela seguiu pra escola estadual, enquanto Paulo foi pra uma escola técnica. Atualmente, Mariana terminou o Ensino Médio e por algumas complicações fora da escola o rapaz ainda estava no segundo ano, mas acabou de passar pro terceiro.


– Sério? Que merda, ainda tem as férias pra vocês se verem. Nós vamos voltar de Sampa no meio de janeiro, então ainda vai ter um bom tempo. Mas enfim, ainda falando de escola, quase discuti com uma garota na minha sala.


Mariana olhou surpresa pra ele.


– Mas você não é muito de discutir... O que houve? – perguntou, curiosa.


– Nada demais... Acho que deve ter sido a emoção do último dia de aula. – concluiu, despreocupadamente.


– Aham, sei... – ela riu do garoto, enquanto folheava as páginas do livro. – E fez mais o que, além de discutir na escola?


– O básico. Fiquei na internet, ouvindo música, achei mais uns livros pra comprar e o Renan me fez companhia, como sempre. – discorreu rapidamente o rapaz.


– Até o último dia de aula ele mata, incrível. E achou mais livros? Se forem legais você me empresta? Depois que comprar e ler, é claro! – quis saber, animadamente.


– Pode deixar, eu empresto sim. – Paulo tinha apreço por seus livros, mas ele emprestava pra quem julgava de confiança. Mariana era uma dessas pessoas. – Agora eu tenho que ir, Mariana. Vou começar a ver o que eu vou e não vou levar pra viagem no domingo. Aproveita e avisa pra Manu que vamos sair um pouco mais cedo, porque nós vamos passar na casa de uma amiga minha antes de irmos ao aeroporto.


– Eu vou arrumar minhas coisas amanhã. Assistirei Mulan assim que eu entrar. – sorriu, e ambos se levantaram. Mariana deu um abraço de despedida no rapaz. – Pode deixar que eu aviso pra Manu quando ela tiver em casa, ok? Tchau, migs!


Em segundos o rapaz saiu da vila e subia a rua novamente, enquanto revirava os bolsos da bermuda. Por sorte, achou dez reais perdidos ali – ou nem tão perdidos, na verdade o rapaz tinha esquecido no bolso desde o dia anterior – e então parou em uma lanchonete na mesma rua. Em silêncio, sem falar com ninguém, devorou um dos maiores hambúrgueres de lá e tomou o refrigerante rapidamente.


Voltando a subir a rua, olhou para o céu, límpido com a lua cheia aparecendo e pontilhado pelas luzes prateadas das estrelas. Querendo saber que horas eram, colocou a mão no bolso pra pegar o celular e ver as horas, mas não o encontrou.


– Que merda! Será que eu deixei o celular lá na Mariana? – e pensou. Não demorou muito a chegar à conclusão de que o seu celular nunca tinha saído do seu quarto desde a hora em que chegou da escola e mudou de roupa. – Droga... – e saiu correndo como se não houvesse amanhã. Seu celular era parte da sua vida, não vivia sem ele no bolso ou na mão.


As pessoas na rua olharam espantadas, mas o rapaz nem ligou, e em cinco minutos já estava abrindo o portão e subindo as escadas. Ao entrar em casa, foi direto para o quarto e viu o celular emitindo uma luz pulsante, vinda do botão do meio. Era um alerta que volta e meia avisava sobre chamadas perdidas ou mensagens recebidas. Dessa vez era uma mensagem, e com um toque na tela o rapaz abriu o conteúdo dela.


“SOCORRO, TÔ PASSANDO MAL, VEM AQUI RÁPIDO! CALMA, CALMA. Não precisa vir, é brincadeira garoto. Só avisando que a Ju já chegou aqui, pra ir no domingo com a gente pra SP, ok? Ok”. Paulo riu, enquanto lia a mensagem de Letícia. Quase tomou um susto, quase. Fora isso, não tinha nenhuma chamada perdida, nada.


Cerca de cinco minutos depois, um ruído de chave girando na fechadura pôde ser ouvido e Paulo foi pra sala ver qual dos dois tinha chegado. Era seu pai, Marcos, um homem na casa dos quarenta e cinco, alto e forte, com cabelos negros ameaçando a ficarem grisalhos e com uma expressão mesclada entre seriedade e tranquilidade refletida em seus olhos aquosos.


– Fala aí, pai! – era o “boa noite” que o rapaz costumava dar, correndo e dando um tapa no ombro dele.


– Eu tava quase perto de casa e te vi entrando desesperado, aconteceu alguma coisa? – perguntou, com a sua voz soando grave e forte. – Você sabe o que aconteceu contigo quando deixou de prestar atenção ao seu redor pela última vez, não lembra Paulo?


– Ah, nada... Eu só esqueci meu celular, pai. – respondeu, rindo nervosamente enquanto coçava a cabeça. Seu pai lhe lançou um olhar mortal, que petrificou o rapaz da cabeça aos pés.


– Você... Você... Não é digno de ser meu filho. – respondeu, fechando os olhos. Dessa vez foi Paulo quem olhou irritado para o pai. – ONDE JÁ SE VIU! Filho meu largar o próprio celular dentro de casa? Se eu ligasse e ninguém atendesse, eu já teria passado no cemitério mais perto daqui!


– Pai, pai... – o rapaz tentou interrompê-lo, sem sucesso. – Chega de drama, né?


– Drama? Drama é olhar minha carteira no final do mês! Sério, isso sim é deprimente. – apontava para o bolso enquanto falava. – Nunca mais abandone o seu celular, ouviu?


– Sim...


– E...? – indagou, incitando-o a falar mais alguma coisa.


– E não vai se repetir novamente – forçou a última frase para sair.


E o seu pai finalmente se sentiu propriamente satisfeito.


– Ótimo! O dia de trabalho foi estressante hoje, filho, depois vou querer jogar um pouco daquele... Daquele jogo que você comprou pra mim aí. – seu pai não sabia pronunciar “Medal of Honor” direito, e nem mesmo o rapaz era fã de jogos de tiro ou futebol. Só comprou porque o seu pai gostava.


– Tá, que seja. – respondeu Paulo, enquanto seu pai passava por ele. – E ah, eu falei que ia chegar ao aeroporto domingo umas duas da tarde e tal, mas vou sair de casa mais cedo. Tenho que passar na casa da minha amiga Nina primeiro e...


Seu pai parou na entrada do corredor, e virou de volta para o rapaz.


– Bom, quanto a isso...


– Ah, tudo bem. Se não quiser que eu passe na casa dela, pode deixar, eu mando ela me encontrar no aeroporto mesmo...


– Você não vai.


Next: Alternativa.


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Notas finais do capítulo

Pronto, uma breve introdução ao personagem principal (e seu objetivo) e a alguns de seus amigos. Avisando que certa parte dos personagens que apareceram nesse capítulo não vão aparecer nos próximos, mas pela interação, dá pra adivinhar quem continua. E é isso! >D



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