–O que aconteceu com Lunna? Vocês devem já saber a resposta disso. - perguntei, tentando ignorar o sangue que escorria pelas paredes da sala e os corpos dos outros estudantes, todos mortos.

A mulher sorriu.

–De fato, sabemos. Mas, caso não tenha percebido, eu estou aqui para te fazer recuar. Por que acha que eu te ajudaria?

–Não acho. Apenas perguntei por perguntar. Já esperava ficar sem resposta.

Ela andou até Lucas e levantou seu rosto. Os lugares onde seus olhos deveriam estar eram apenas dois buracos vazios de onde mais sangue escorria. Era uma visão terrível.

–Ele era tão bonito. Tinha olhos tão belos... - suspirou - Apenas desista, Cortez.

–Desistir? Desculpe, mas essa palavra não consta no meu vocabulário.

A mulher bufou.

–Você não parece ser muito boa interpretando metáforas, Rebeca. - ela disse - Caso ainda não tenha entendido, esse é o meu jeito de te avisar que, se você não recuar... - com um movimento rápido, ela arrancou a cabeça de Lucas e jogou-a para mim - São os seus entes queridos que sofrerão as consequências.

Senti um arrepio percorrer meu corpo no momento que a cabeça de Lucas aterrissou no meu colo. Tive vontade de vomitar. Cuidadosamente, coloquei a cabeça dele na carteira ao meu lado e respirei fundo, contendo aquela ânsia de vômito. Voltei a olhar para a mulher pálida de cabelos castanhos.

–Eu entendi isso, mas... Se eu recuar, o que me resta? Sentar e aguardar minha morte?

–É basicamente isso.

Fui pega de surpresa por sua resposta.

–Então o objetivo de vocês é realmente me matar? Por que estão demorando tanto para isso? Não seria mais fácil vir me matar logo ao invés de ficar assombrando meus sonhos?

–Oops, acho que falei demais.

–Responda a minha pergunta! Se seu objetivo é me matar, o que estão esperando?

–Acho que está na hora de ir. Tenha um bom dia, Becks! - ela disse, sorrindo docemente.

–Espera! Volte aqui!

Então ela havia desaparecido.

Suspirei desapontada e sentei-me novamente na cadeira. Senti minha visão escurecer gradativamente.

Senti algo tocar meu ombro. Abri os olhos lentamente, ainda sonolenta.

–Rebeca, a aula acabou...

Num tom baixo e delicado, alguém me informava do fim da aula. Levantei a cabeça e virei para o dono da voz, já imaginando saber quem era.

–Obrigada, Lucas.

Foi estranho vê-lo sorrir para mim depois de tanto tempo.

–Sem problema. Passou a noite em claro de novo?

–Hã?

–Você dormiu a aula inteira, você nunca dorme na aula...

–Ah... - uma filha do Hanaggan me arrastou para mais um pesadelo-ameaça – É, eu passei a noite estudando. Irônico, não?

Ele riu levemente.

–Para sua sorte, eu não dormi. Se quiser eu te passo a matéria depois.

Ah, é verdade. Hugo não havia ido a aula.

–Eu agradeceria. - disse, levantando-me - Amanhã à tarde, pode ser? Hoje eu tenho um compromisso.

–Ok, amanhã. Depois da aula a gente vai para minha casa.

–Certo. - terminei de arrumar o material e acompanhei Lucas para fora da sala. Descemos as escadas em silêncio.

–Hm... Rebeca?

–Oi?

–Eu... Queria te pedir desculpa... Você sabe, por ter sido um tanto hostil. É só que... É muito acontecendo ao mesmo tempo, então eu ando meio irritado... Mas agora que a situação da Alice está se resolvendo, as coisas estão acalmando. Bom, de todo modo, desculpa. E obrigada por ter apoiado a Alice enquanto eu não pude.

–Sem problemas. - sorri.

–Becks! - alguém me chamou. Procurei pelo dono da voz, encontrando-o dentro de um carro de vidro abaixado.

Bufei irritada.

–Aquele é o James? - perguntou Lucas.

–É, infelizmente sim.

–Ah... Ele ainda está no Brasil?

Estranhei a pergunta. Por que isso importava para ele?

–Está. Ele queria reatar comigo...

–E você aceitou?

–Não! - respondi entre risos - Mas eu concordei em ser guia turística dele. Sabe como é, por um dinheirinho extra... - menti.

Lucas sorriu, a tensão em seu rosto aliviando aos poucos.

–Ah, sim. Até quando ele fica?

–Não tenho certeza, acho que semana que vem. Bom, agora tenho que ir. - eu disse, enquanto tentava ignorar os chamados constantes do americano inconveniente - Já vou! - gritei irritada.

–Hm? - ele não pareceu ter entendido o que eu disse. Nossa, cara, que merda de curso foi esse que ele fez?

Corri até o carro e sentei no banco do carona.

–Eu disse para me esperar no hotel, idiota.

–Você estava demorando.

–Eu estava tendo aula!

–Tanto faz! A gente está atrasado. - ele acelerou.

Era quarta-feira. No dia anterior, Elliot entrara em contato comigo - não faço ideia de como ele conseguiu meu número - para informar que chegaria quarta-feira. Por isso estávamos indo para o aeroporto. A viagem toda se passou num desconfortável silêncio. James parecia um tanto tenso. Não entendi a razão, mas supus que fosse por causa da nossa primeira conversa, afinal, levar um fora é difícil para qualquer cara. Especialmente James. Especialmente naquele nível. Talvez eu tenha sido dura demais.

Bom, não que eu me importe. Ele mereceu.

Simplesmente ignorei a tensão dele, tinha coisas mais importantes para me preocupar. Como o Lucas. Certo, eu estava feliz por ele ter voltado ao normal, mas algum alerta no fundo de minha mente tocava insistentemente. Havia algo estranha por trás de tudo isso. Eu ainda não sabia muito bem o que, mas iria descobrir. Só precisava refletir o assunto com calma.

Antes que eu pudesse chegar a alguma conclusão útil, chegamos no aeroporto.

Corremos para o terminal 2 para aguardar a chegada de Elliot. Seu avião já havia aterrissado. Depois de alguns minutos de espera, um ruivo de cabelos cacheados e olhos castanhos aproximou-se de nós. Era ele.

–Obrigado por virem me receber no aeroporto. - ele disse sorrindo enquanto íamos para o carro de James.

–Sem problemas. - disse James. Enquanto eles dois conversavam, voltei a pensar em Lucas - Olha, sem querer soar exigente, mas eu preferiria que você se hospedasse no mesmo hotel que eu. Assim eu posso ficar de olho em você. Sabe como é, confiança é meio difícil de se obter numa situação como essa.

Por que ele parou de falar comigo em primeiro lugar? Eu sei que ele disse que foi por causa de problemas familiares, mas na mesma situação que ele, a Alice se aproximou ao invés de se afastar...

Bom, acho que as pessoas lidam com as situações de maneiras diferentes...

–Certo, entendo seu pedido. Pode deixar, eu também não tenho total certeza se posso confiar em você. - declarou Elliot - Ainda me pergunto como conseguiram o livro.

E ainda tem aquela loira! Quem era a loira? Se ele realmente estava abalado demais para falar com a melhor amiga, por que ele falava com aquela loira?

–Como assim? - perguntou James, confuso.

Além disso ele estava agindo estranho demais esse tempo todo. Tipo quando ele me falou sobre o James estar no Brasil... Era mais como se ele quisesse que o James fosse embora porque sua presença seria um incômodo. O que não faz sentido, a única maneira que James incomodaria Lucas seria me incomodando!

E ele não parecia nem um pouco preocupado comigo.

–Ele foi tirado de circulação pelos outros há pouco tempo. E todas as pessoas que haviam comprado tiveram as memórias alteradas e o livro foi levado também. Depois disso, William foi até a Irlanda me reprimir pela publicação. Disse que eu não deveria ter feito isso e que se eu cometesse mais um erro desses ele desconsideraria minha neutralidade e me puniria como um inimigo, por ordens da Claire.

Claire.

Claire viu ele saindo do seu prédio ontem à noite, então não finja não saber que James está de volta.

Claire? A mesma Claire de quem o Lucas falou é a líder dos Hanaggan?

–Não, não pode ser verdade...

–O que foi, Srta Cortez? - Elliot parecia preocupado.

Devia eu falar?

–Eu... Eu acho que Lucas...

–Ah, então você descobriu? - perguntou James, como se fosse algo da qual ele tinha conhecimento há anos. Algo que apenas eu não sabia.

–Como assim? - perguntei, surpresa e assustada pela seriedade em seu olhar - Você já sabia?