The Pianist escrita por Hideyuki


Capítulo 1
Único; Funeral march


Notas iniciais do capítulo

Sempre quis fazer uma one com o Gerard como pianista porque na minha cabeça ele é Chopin.
Ah, falando neste grande mestre da música clássica... Funeral March é um arranjo que ele compôs e me serviu como inspiração enquanto escrevia a one. Aliás, o nome correto é Marche Funèbre, já que ele era francês. Então sempre que aparecer Funeral March é porque preferi o título em inglês.
O tanoshimi. Enjoy ♥



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The pianist - Way

Funeral march

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Eles cresceram juntos, mas não porque eram irmãos. As famílias eram apenas amigas. Desde muito cedo Frank viu o outro se cobrar tanto pela perfeição no que tanto amava fazer. Não aceitava quando a mísera nota estava fora do tom, fosse culpa da desafinação ou erro próprio. Gerard cobrava-se demais com a sua música.

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Apesar do que muitos dizem sobre o tempo e a distância serem cruéis, eles não tiveram aquele infortúnio de se separarem. Mas tinha um porém.

   Certo dia, Frank estava na casa do mais velho. A música consumia todo quarto, fluindo de forma melodiosamente triste. Certa hora do dia, entretanto, talvez pela fadiga de ter passado o dia tocando a mesma música repetidas vezes, Gerard começava a errar as notas mais fáceis.

   Frank levantou-se do sofá em que estava deitado e foi até o outro, sentando-se ao lado dele no banco de madeira escura. Pegou as mãos dele e analisou os longos dedos. Quantas vezes já os vira em ação, correndo pelas teclas do belo piano de cauda, fazendo poesia com os sons, dizendo se estava tudo bem ou não com as melodias que criava. A daquele dia, em particular, era um gritante “por favor, me ajude”.

   O menor sabia que cada um tinha seu jeito de pedir por socorro. A maioria das pessoas apenas diz. Mas há aquelas que precisam de palavras para se expressar. Ou usam desenhos. Mas Gerard usava a música para dizer como estava. Ele usava a música para tudo.

   — O que há? — perguntou com um sussurro.

   Não havia porque sussurrar. Estavam sozinhos naquela casa. Mesmo se tivesse alguém, não lhe ouviriam, uma vez que o quarto encontrava-se fechado e era à prova de som.

   — Nada — puxou as mãos do toque amigo e ficou analisando Frank por um longo tempo.

   Desde pequeno sentia algo por seu amigo. E vê-lo crescer ao seu lado, estar sempre ali com ele, até nos piores momentos, agravou aquela situação.

   Lembrava-se de certa vez ter sido convidado para uma competição clássica. Frank ficou com ele o tempo inteiro. No último dia, porém, alguma coisa derrubou o maior e suas notas não eram perfeitas como de costume. Naquele dia, Frank deixou com que o outro apenas se expressasse. Sabia o que aquilo significava para o outro e como deveria ser a sensação de ter perdido em algo que amava fazer.

   — Por que não toca outra coisa? — Frank perguntou. — Talvez Moonlight Sonata. Você gosta dessa.

   — Do que me adianta gostar se não está bom? — indagou, levantando-se com visível raiva.

   — Do que está falando? Você é bom.

   — Ser apenas bom não adianta.

   — De novo essa história de perfeição?

   — Sim. Mas agora não tenho mais cabeça para isso — então respirou fundo, deixando com que a guarda baixasse.

   — Só está cansado. Ficou a noite inteira praticando?

   — Mais ou menos.

   — Ficou?

   Ele assentiu, mas desta vez sem conseguir encarar o menor.

   — O que eu já lhe disse?

   Não é que Frank estivesse realmente bravo com o outro — não totalmente —, mas aquela era uma forma de distraí-lo da Funeral March. Ouviu tanto aquela composição que já estava cantarolando-a em sua mente sem parar desde cedo.

   Sabia que Gerard era influenciável pelo que tocava. Começava a ter medo do que pudesse acontecer. Até onde sabia, o outro não se mutilava ou qualquer coisa do tipo. Mas não tinha como provar aquilo.

   — Vá dormir um pouco. Vou lhe trazer algumas coisas novas. Não pode apenas se prender apenas uma coisa — dizendo isso, Frank foi empurrando o mais velho para seu quarto, pouco ligando para os protestos dele.

   — Sabe que não gosto de coisas novas — disse enraivecido.

   — Seus dedos se movem automaticamente pelas teclas, de tanto que você já tocou certas músicas. Se quer mesmo treinar, tem que ser bom em tudo.

   — Não quero treinar e não quero ser bom.

   — Okay, okay. Qualquer coisa, vou estar na sala. Agora durma — Frank disse saindo do quarto do mais velho e apagando a luz.

   Ninguém jamais vai me ouvir. Pensou desgostoso e fechou os olhos, controlando os ânimos.

   Livrou-se do casaco que usava e expôs as cicatrizes velhas que lhe acompanhavam ao longo da vida.

   Na mesa de cabeceira, logo na primeira gaveta, ele guardava um pequeno punhal de prata que antigamente sua mãe usara para abrir cartas. Ela não dera pela falta do objeto.

   Para seus pais, nada lhe afligia e ele era perfeito. Um bom pianista e ótimo musicista. Mas não era perfeito. Nunca seria.

   Deixou a lâmina de seu objeto preferido correr por seu pulso fraco que não sabia se mover corretamente e no ritmo das músicas. Apesar de já ter dezessete anos, ainda era muito descoordenado e não servia para música.

   Não servia para nada.

   Não pôde se controlar quando a raiva cresceu ao olhar para seus dedos. Não tinham ritmo e não sabiam que tecla era a próxima a ser tocada.

   Ainda não entendia porque lhe achavam um bom pianista.

   O dia que ele fosse bom, pensou, estaria satisfeito e um pouco mais perto da perfeição. Ele nem sabia por onde começar para melhorar. Tinha muito a fazer e se assustava toda vez que pensava o quanto tinha que percorrer para alcançar grandes nomes que venerava.

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Acordou assustado e com o pulso direito reclamando. O sangue seco havia grudado no tecido de seu casaco, recolado às presas por medo de alguém descobrir aquele segredo tão antigo e humilhante.

   Levantou-se da cama e percorreu a casa em silêncio, quase como se sua presença não existisse.

   Ouviu a televisão ligada, só não conseguiu entender do que se tratava o programa que Frank parecia assistir.

   Encaminhou-se para a cozinha, encontrando os itens certos para fazer café. Só aquilo o ajudaria a se acalmar ainda mais.

   — Gerard? — ouviu Frank chamar seu nome e virou-se de costas para o fogão, esquecendo-se imediatamente da chama acessa sem nada por cima.

   Sempre ficava assustado depois de seus atos de automutilação. Achava que ficava estampado em seus olhos e rosto o que fez contra si mesmo. Se um dia fosse para ser descoberto, que ele mesmo falasse, e não que lhe flagrassem daquela forma deprimente.

   — Está mais calmo? — Frank sorriu ao ver o amigo. Encostou-se no portal e cruzou os braços, a expressão calma e feliz.

   — S-sim — engoliu em seco e puxou as mangas do casaco para baixo, de forma a se esconder ainda mais.

   — O que houve? — Frank se aproximou, agora com a expressão preocupada. Chegou a quase pegar o pulso esquerdo de Gerard, quando este gritou e deu um passo para trás, vacilando e apoiando a mão direita bem em cima da chama acesa atrás de si.

   Só o que Frank pôde ver foi que tudo aconteceu muito rápido. Em sequência, apenas ouviu o grito agudo e doloroso do amigo, puxando com pressa a mão do fogo.

   O menor o puxou para longe do fogão, desligando-o em seguida. Correu para perto de Gerard e analisou sua mão.

   — Desculpe! — gritou milhões de vezes enquanto abria a torneira da pia para que pudesse colocar água gelada por cima.

   No entanto, não sabia como ainda não estava sorrindo com tudo aquilo. Dor era seu melhor remédio e aquele foi o ápice de seu sofrimento. Tudo aquilo estava lhe consumindo muito esforço para não dar na vista o que acontecia em sua mente desregulada.

   — Gerard!

   — O quê? — puxou a mão da água fria e a apertou contra o peito, respirando fundo.

   O efeito foi apenas passageiro, infelizmente. Por outro lado, o mais novo havia esquecido do movimento de puxar as mangas para esconder os cortes recém-abertos.

   — Perguntei se tem algo para queimadura.

   — Não que eu saiba... — murmurou e ouviu pelo menos mais alguns inúmeros pedidos de desculpa do outro.

   Como se nada houvesse acontecido, apenas andou pela casa até o banheiro de seus pais, onde sabia haver um kit de primeiro socorros. Deveria haver alguma coisa ali que lhe ajudasse.

   Revirando a pequena caixa branca, encontrou o que Frank havia lhe perguntado, totalmente ao acaso. Entregou o pequeno tubo para o outro e deixou com que ele lhe ajudasse, assim, talvez, parasse de pedir desculpas. Continuou revirando a caixa atrás de ataduras pequenas, e não as de tamanho normal. Lembrava-se que deveriam haver algumas ali, já que certa vez acabara treinando tanto que seus dedos pingavam sangue.

   Quando as encontrou, passou a enfaixar seus dedos com cuidado e até admiração, usando a mão livre e a boca, quase esquecendo-se que Frank estava ali do seu lado.

   Alguns pedaços de esparadrapo mais tarde e mais algumas faixas de gaze de tamanho normal, sentia-se bem melhor. Não por completo, já que a sensação de dor havia sumido por completo.

   Bufou enquanto guardava o kit de volta no lugar de sempre, encontrando outro jeito de voltar a sentir alguma dor.

   — Aonde vai? — Frank perguntou atrás do mais velho, vendo-o sumir pelo corredor, indo para o grande quarto em que seu piano preto estava.

   — Onde acha? — então indicou para o quarto.

   — Não acha mais prudente descansar? Acabou de sofrer uma queimadura.

   — Guitarristas tocam com os dedos sangrando em shows de mais de quatro horas e sequer sentem. A música cura. E preciso treinar — disse com serenidade enquanto arrumava as partituras no apoio à sua frente.

   — Ficou maluco?

   — Não está perfeito ainda. Isso é uma afronta ao que Chopin foi — retrucou sério.

   Ao ver que Gerard não desistiria nem tão cedo daquela ideia de perfeição, Frank apenas ficou com ele caso alguma coisa acontecesse.

   A música soava arranhada, mas Frank achou normal, uma vez que sua mão direita não se encontrava em um bom estado.

   Ele ficou repetindo a mesma música por quase duas horas, quando espalmou nas teclas do piano, quebrando o ritmo por completo.

   — O que há? — o menor logo ficou mais atento. Sabia que deveria ter ligado para a emergência, e não tratado dele em casa sozinho.

   — Nada — respondeu com os dentes trincados.

   — Vamos, sei que está doendo. Pare com isso e tente... — mas a fala do mais novo morreu ao ver as teclas sujas de sangue. — O que há?!

   — Já disse, nada! — Gerard gritou e sentia a dor atingir um nível que jamais havia alcançado. Era demais para suportar calado.

   — Vamos, me mostre, por favor.

   — Não foi nada. Acho que abri o pulso, só isso — gemeu de dor, com medo de olhar o que havia feito.

   Sentia o sangue escorrer e achou que aquele não era um bom sinal.

   — Não grite — exigiu com a expressão séria, voltando-se para Frank, os dedos manchados de rubro.

   — Por que está pedindo isso?

   — Porque Funeral March tem um significado, mas ninguém entende. É só um poema incompreendido que apenas leem, acham bonito, mas não refutem.

   — Gerard...

   Porém, antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, a visão que se seguiu fez com que o ar lhe faltasse e as palavras se perderam.

   Viu o acumulado de cicatrizes naquela pele pálida e achou impossível que aquilo estivesse acontecendo. Observou o maior apertar uma parte do tecido do casaco escuro contra os pulsos sangrando.

   — Por que...? — Frank chegou mais perto, receando tocar as cicatrizes. Não porque tinha medo ou nojo, mas porque sentia-se o pior amigo de todos. Não conseguia compreender o quanto ele sofreu a vida inteira e aguentou em silêncio o tempo inteiro.

   Melhor, nem tão em silêncio. Sua música refletia o que sentia. Funeral March vinha se repetindo há muito tempo, mas, inocentemente, Frank apenas achou que era pela mania de perfeição.

   — Por quê?

   — Porque nunca vai ficar certo, nunca vai ser perfeito ou bom o suficiente. Aquela competição mostrou que não posso com ninguém e que qualquer um é melhor do que eu. Nunca vou ser mais ágil ou o melhor; nunca vou ser nada.

   — Mas só perdeu porque estava agitado. Sei que você ganharia de qualquer um ali.

   — Não ganharia! — então começou a chorar, algo que somente Frank tinha visto sua vida inteira. Ele apenas permitia-se chorar com o amigo e até amor de sua vida.

   Frank tomou fôlego e deixou com que as palavras tomassem som. Sabia que só aquelas acalmariam um pouco o que o outro sentia e não hesitou em dizer:

   — Você é perfeito. Só não consegue ver. É perfeito em tudo que faz e no mísero esforço que coloca no que faz. Jamais ouvi alguém tocar com tanto amor e dedicação quanto você. Sinto inveja por não entender direito o que cada nota diz sobre você e sinto vergonha por jamais ter notado isso. Afinal... É você quem eu amo e deveria ser mais atento com quem amo.

   Gerard silenciou-se no mesmo segundo em que ouvia aquelas palavras naquele tom doce de seu amor, soando como a mais bela música que jamais pôde encontrar em suas notas.

   Aquilo era perfeição. Aquelas eram as notas perfeitas que procurara desde que se entendia por gente.

   Porque o amava.

   — Frank... — olhou-o sem entender muito bem, ansiando ouvir novamente aquele tom que somente ele podia alcançar.

   — Eu te amo por inteiro e em cada detalhe. Gosto de como se move, do quão rápidos e focados são seus dedos, do quão leve parece fluir enquanto estava preso em alguma música, de como coloca seu coração em qualquer coisa que faz, do quanto se dedica a qualquer coisa e a paixão que tem ao tocar alguma coisa.

   — É você...

   — O quê?

   — A perfeição. A que procurei por toda minha vida. É você, você é perfeito e é isso que quero.

   Naquele beijo, ele viu que não era apenas no timbre de voz que lhe acalmava, mas em qualquer coisa. Frank tinha a perfeição que ele tanto buscou e agora sentia-se em paz sabendo onde ela estava.

   Desde que Frank ficasse com ele, tudo bem, pois conseguiria encontrar a própria perfeição algum dia. Até lá, gostava de ser aquela coisa imperfeita que foi a vida inteira porque tinha o certo bem ao seu lado.

   E vice-versa.

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Hey Way~

31.07.2012


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Notas finais do capítulo

Funeral March é de Chopin, enquanto Moonlight Sonata é de Beethoven.
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Enfim, foi isso. Espero que tenham gostado. Desculpem erros e tudo mais, como sempre.
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Kissus. Way.