Blueberry escrita por Rossetti


Capítulo 9
Fim


Notas iniciais do capítulo

Oi. Socorro. É o fim. Aqui vamos nós.



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A vida se tornou mais interessante quando eu consegui abrir minha loja. A montagem de tudo pode ter exigido muito de mim, fisicamente, mas eu estava mais feliz do que nunca.

Além disso, nos vários meses que se passaram de alguma forma minha família e amigos me convenceram que eu devia fazer terapia com uma psicóloga. No começo tinha sido estranho, frustrante e eu tinha muita vergonha de tudo. Eu nem queria ir, mas enfim chegou o ponto de que eu tinha a impressão de que Ben me abandonaria, se cansaria de mim e de minhas crises, então aceitei ir por desespero. E é claro, eu me fez tão bem.

Como admitir? Eu precisava de ajuda e nunca iria atrás por conta própria. Todos os dias eu vinha agindo em nome do medo, impondo castigos sem motivo a mim mesmo, deixando que o temor de que tudo desse errado me levasse a não querer tentar a vida, arriscar. Foram precisos muitos meses para que eu melhorasse.

E sem o medo me cegando, eu podia ver as coisas mais claramente. Uma delas era como Blueberry ficava bonito usando minha blusa, sentado no chão da loja, com uma xicara de chá e concentrado na leitura de um livro que gostava.

Era noite e eu estava arrumando umas mercadorias que chegaram muito tarde. Ele só estava me fazendo companhia.

— Meu primo nos convidou para o casamento dele. – Ben disse, em algum ponto da noite. Olhei para ele e encontrei seu olhar azul como o céu. – Nós dois.

— Bom, eu não recuso convites de casamentos. – Respondi. – Mas qual primo?

— Carlos.

— Uh? Eu acho que só vi ele uma vez na vida.

— É, ele é da parte mais distante. – Benicio suspirou e bebeu um pouco de chá. – Ele acha que somos namorados, no entanto. Por isso o convite é pra você também.

— Ah... – Busquei olhar para qualquer coisa que não fosse ele. Meu rosto queimava. – E você...?

— Só aceitei. – Ele pegou o livro de novo. – Muito trabalhoso explicar como as coisas são.

— Certo. – Fiquei imóvel mais uns momentos, então voltei a trabalhar.

Não tocamos mais no assusto aquela noite. Mas eu me sentia um pouco feliz.

 

 

Mais umas semanas se passaram, até um dia que pude dirigir até a faculdade de Ben para busca-lo. Sim, eu emprestei o carro do meu pai e dirigi por duas horas apenas para pegar ele na aula.

Quando cheguei na porta de sua faculdade, ele estava se despedindo de um grupo de amigos. Então se virou e paralisou ao me ver. Não que fosse um absurdo total eu estar ali, mas era surpresa.

Eu sorri para ele, ele sorriu para mim. Então Ben correu em minha direção e eu estendi meus braços, nos quais se encaixou num abraço apertado.

— O que você ta fazendo aqui? – Ele perguntou, radiante.

Eu me perdi momentaneamente no azul de seus olhos, nos traços de seu rosto, valsei com a curva de seus lábios úmidos.

— Eu pensei em te pegar e... Não sei? Vamos comprar batatas fritas.

Blueberry riu.

— Obrigado. – Ele disse. E eu senti que estava agradecido por mais do que a minha ida até ali.

 

 

 

 

Eu percebi que não estava totalmente livre do medo numa noite de sábado em que ele estava em casa e foi embora para sair com alguém da faculdade. É claro que ele não me diria que ia ficar com alguém, mas eu sabia. Vi na forma nervosa com a qual ele evitou me dar detalhes.

Então eu me encontrei chorando de medo. Medo de ser deixado, medo que ele se apaixonasse por outro cara.

Na minha consulta seguinte, falei disso com a doutora Adelaide e ela me falou que o meu medo nunca seria derrotado, apenas controlado, porque fazia parte de mim, e que o melhor que eu podia fazer por mim mesmo era agir, mesmo quando estivesse apavorado.

 

 

E por fim passei pela maior prova de coragem da minha vida, logo depois do casamento do primo de Ben.

Nós realmente fomos juntos na festa. A maioria das pessoas nos olharam torto, outras nos ignoraram e algumas até nos cumprimentaram por sermos um belo casal. Isso estranhamente não me incomodou. E nós nos divertimos, comemos e bebemos um monte, fomos para a pista de dança e até dançamos juntos. A noite toda foi impecável e divertida.

E já era tarde da madrugada quando caminhamos até sua casa. Eu não consegui parar de sorrir e olhar para ele. Benicio estava lindo, com uma camisa social escura e o cabelo colado na testa, depois de dançarmos até suar. E quero deixar claro, nunca foi do meu feitio deixar de prestar atenção no que ele dizia, mas naquela noite eu não conseguia entender nada. Blue apenas estava bonito demais e cada parte do meu cérebro estava focada apenas em admira-lo.

— Você pode dormir aqui. – Benicio sugeriu, parando de andar. Só então percebi que havíamos chegado em sua casa.

— Ah, não, eu realmente... Vou pra casa. – Falei, meio fora de mim. Ele pareceu desapontado.

— Até amanhã, então.

— Sim. – Coloquei as mãos nos bolsos.

Ficamos nos olhando por um longo tempo. Nenhum de nós sabia muito bem o que estava fazendo. Mas eu queria, entendia que queria, segurar seu rosto entre minhas mãos e beija-lo. E era como se eu precisasse tanto disso que meu corpo se recusava a agir de qualquer outra forma.

— Boa noite, então. – Ele se aproximou e beijou meu rosto. E eu que tinha me iludido que ele me beijaria para valer.

— Boa noite, Blue.

E durante o caminho para casa, pela primeira vez eu admiti para mim mesmo, palavra por palavra: Eu estava apaixonado por Benicio.

Eu cheguei em casa aos pedaços, soluçando e chorando sem parar. Para as outras pessoas poderia ser tão pouco, mas conseguir parar de tentar me enganar era o primeiro e mais importante passo que eu podia dar.

Nessa noite eu nem dormi.

 

 

 

No andar de cima da loja havia um banheiro e um cômodo que se tornou uma mistura de deposito/cozinha/quarto, com uma sacada na direção da rua. Tinha uma cama, um micro-ondas, uma geladeirinha azul e antiga com a porta quase caindo e um monte de caixas empilhadas num canto. Às vezes eu simplesmente dormia ali. Outras vezes Ben dormia comigo. Era legal poder conversar e beber até tarde, sem se incomodar em acordar nossos pais.

Aconteceu num fim de semana em que estávamos espremidos na cama, com o notebook equilibrado entre nossas pernas, vendo alguma série. Quando o episódio acabou, Ben começou a responder alguma coisa em seu facebook e eu fechei os olhos, já quase dormindo. Um pouco sem pensar, virei o rosto e encostei os lábios em sua têmpora, onde dei um beijo suave. Ele parou de digitar e eu recuei um centímetro.

— Ah... Eu acho que vou lá fora. Respirar um pouco. – Blueberry disse subitamente. Fechou o note, deixou na ponta da cama, destrancou a porta para a sacada e saiu. Eu tive um momento confuso e sonolento antes de conseguir levantar e ir atrás dele.

— Blue? Eu fiz algo de errado? – Perguntei, cauteloso, parando alguns passos de distância.

— Não. – Havia uma brisa gelada, que bagunçou o cabelo de Ben e me fez estremecer. – Desculpa sair assim. Mas acho que vou pra casa.

— Ahn? No meio da madrugada? – Eu e aproximei mais e parei ao seu lado. Nossas respirações causavam pequenas névoas que sumiam em instantes. Benicio não olhou para mim, então segurei sua mão. – Me fala o que tá acontecendo.

Ben olhou para as nossas mãos juntas e depois me encarou. Parecia cansado.

— Isso. – Ele levantou nossas mãos, me mostrando. – Eu não sei, não sei Rei, se isso é real. Parece que eu estou me iludindo mais uma vez. Eu não queria falar disso com você, eu odeio te pressionar, mas eu não posso viver sem ter certeza nenhuma.

— Ahn... – Eu não esperava por essa, então travei sem saber o que responder.

— Olha... Sei lá, Rei. Só estou cansado, só queria que as coisas fossem normais. E queria conversar sobre isso com você, mas nunca sei se já é o momento. – Ele passou a mão livre no rosto. – Me desculpa por isso.

— Não. Não, não... – Eu balancei um pouco a cabeça, como se isso pudesse colocar meus pensamentos em ordem. – Não quero que você pense dessa forma. A culpa é minha. – Meu rosto esquentou e cada palavra saía com dificuldade. – Eu é quem sou problemático.

— A culpa não é sua. – Ele lançou um olhar meio melancólico para nossas mãos. – Chega desse jogo de culpa, tá bem? Não vai nos levar a nada.

— Então não se desculpe. – Tivemos uns segundos de silencio, nos quais eu abri a boca algumas vezes sem conseguir dizer nada, como um peixe fora d’agua. – É real, Ben. Eu não vou fugir de você.

Ele olhou para mim. Tinha aquele olhar de quem se depara com algo bom demais para ser verdade e sequer se anima.

— E se eu... Te beijasse? Agora mesmo? – Ele perguntou, me rondando. Eu esqueci de respirar por um momento.

— Ok. – Respondi, rouco.

— Você gostaria disso? Ou só toleraria?

A desconfiança dele tinha fundamento e eu nem podia reclamar, mas me senti um pouquinho ofendido mesmo assim.

— Benicio... Depois de tudo...

— Eu sei. Mas... É tudo confuso pra caralho. – Ele deixou o olhar vagar pela cidade. De repente o mundo parecia muito frio, exceto pela sua mão ainda segurando a minha. Imaginei se Blue também estava com frio.

— É. É muito. – Eu hesitei, mas me aproximei e passei um braço por seu ombro. Ele não se afastou.

— Você não demonstra nada. Eu não tenho como ler sua mente. Não tenho como saber quando você está desconfortável ou só nervoso. – Ben disse baixinho.

— Eu sei. Eu não gosto disso em mim mesmo. Se eu pudesse só facilitar, então... – Suspirei.

— Todos os dias eu quero te esganar, tantas vezes, Rei. – Ele jogou a cabeça para trás, apoiando no meu braço, e fechou os olhos.

— Acho que é uma ideia agradável, se você se livrasse de mim sua vida seria mais tranquila. – Brinquei, sem prestar total atenção no que dizia. Meu coração estava batendo tão rápido, de repente.

— Infelizmente... – Ele bufou, depois sorriu para o céu. – Eu te amo demais para isso.

Eu fechei os olhos. Não era a primeira vez que ele dizia que me amava, mas foi a primeira que me atingiu com uma intensidade diferente. Ben esteve comigo todo esse tempo e continuaria estando. Ele era a pessoa que eu amava e que me amava de volta. Essa era uma realidade de anos que eu só estava assimilando ali. Não havia nada em nosso caminho.

— Eu sei. – Respondi. Minhas pernas estavam tão bambas que a única coisa que me impediu de cair bobamente para frente era saber que Ben estava apoiado em mim, eu não o deixaria cair. – Eu também te amo. – Finalmente falei.

Benicio olhou para mim, o azul escondido parcialmente atrás das pálpebras semicerradas. Ele era lindo.

— Vai me dizer que me ama como amigo? – Ele perguntou, com um sorriso mal disfarçado nos lábios.

— Eu te amo como um amigo. Como meu melhor amigo. Espero nunca deixar de te amar assim. Mas também te amo como... Meu futuro namorado.

Ele riu. Um riso solto, livre de algum peso que ele vinha carregando.

— Mas que audácia. – Brincou. Eu ri com ele.

Então veio o silencio.

Eu sentia meu corpo tremer. O frio tinha dado lugar a uma temperatura bem mais alta. E eu podia sentir ele tendo a mesma reação. Mas nenhum de nós parecia muito capaz de se mexer, como se de repente esquecesse o roteiro da vida.

Até que Ben se virou e segurou meu rosto entre suas mãos. E antes que eu visse mais qualquer coisa, seus lábios estavam nos meus.

E foi difícil me lembrar de depois, porque nos beijamos como se pudéssemos compensar todos os anos que perdemos. E a cada segundo eu tive mais certeza, eu sempre fui de Ben, desde o momento em que nos encontramos. E ele sempre foi meu, meu Blueberry.

 

—---

 

Acordei confuso, com a sensação de que tinha ouvido a porta se abrir. Mas olhando ao redor, tudo estava em seu lugar. E Benicio... Ao meu lado.

Você sabe que é amor quando olha e o vê descabelado, com baba no rosto e todo amassado, e mesmo assim acha a pessoa mais linda do mundo. Eu estive sendo idiota por um longo tempo, fingindo para mim mesmo que não era assim.

Beijei o cabelo de Ben e sentei. Estava vestido, a propósito. Nós não tínhamos feito sexo (ainda), apenas ficamos nos abraçando, trocando beijos e momentos fofos ao longo da noite, então o clima não pedia por algo mais quente. Ou talvez ele ainda estivesse receoso em avançar demais e eu mudar de ideia. Mas tudo bem, eu tiraria essas inseguranças de Benicio logo. Tudo ia dar certo, de alguma forma.

Quando me virei para colocar os pés para fora da cama, Blue acordou.

— Uhn. – Ele resmungou. Então pareceu reparar onde estávamos e tentou limpar a baba na manga da blusa.

— Bom dia. – Falei, sorrindo. – Acho que te acordei, desculpa.

— Aah... – Ele apertou forte os olhos, tentando despertar, depois sentou. – Tudo bem.

Passei a mão em seu cabelo castanho, arrumando os fios no lugar. Ben me olhou e eu quis saber o que estava pensando naquele momento. Parecia curioso.

— Algo errado? – Perguntei baixinho.

— Posso te beijar?

Senti uma parte de mim se afundar em culpa. Mesmo após a noite que tivemos, ele estava inseguro. É claro que estava.

— Você não precisa, de forma alguma, me pedir isso, Ben. – Respondi.

Ele não discutiu, apenas se inclinou e me beijou. Queria dizer que foi o melhor beijo da minha vida, mas estávamos ambos com mau hálito e bom... Mesmo assim, ficamos nos beijando por um longo tempo.

Só paramos quando um barulho na porta nos assustou.  Juntos, olhamos na direção da saída.

Absolutamente encantada, minha mãe estava parada e encostada no batente, com as mãos cobrindo a boca.

— Mãe... – Minha voz morreu na garganta.

— Eu esperei por isso por anos! – Ela disse, fechando os olhos. Ao meu lado, Benicio riu. Eu, no entanto, estava apavorado. – Vocês estão namorando? Por favor, me diga que estão!

Era como se o medo fosse um ácido corrosivo correndo em minhas veias, se espalhando pelo meu corpo. Eu não consegui responder. Eu queria correr, queria me esconder, mas estava paralisado. Senti um pouco de suor escorrendo pela nuca, minhas pernas se transformaram em gelatina.

Benicio olhou para mim. Ele deve ter lido minha expressão.

— Na verdade, tia, foi só um... Ahn... – Ele tentou explicar, sem desviar os olhos de mim. Aqueles olhos de um dia de mar tranquilo, céu limpo. Eu precisava me acalmar. Eu precisava dominar a mim mesmo. E precisava protege-lo da tristeza que eu mesmo causaria. E o momento era esse.

— Claro que estamos namorando. – Sussurrei. Não olhei para minha mãe, era mais fácil encontrar coragem no olhar de Ben. – Ah... Só não houve um pedido ainda, mas acho que estamos namorando faz uns anos... Eu só não sabia.

Essa resposta foi o bastante para fazer os dois rirem e Ben me abraçar. Eu quase chorei, talvez por alivio.

Minha mãe falou algo sobre descer e nos deixar sozinhos, mas eu não registrei direito a informação.

— Estou orgulhoso de você. – Benicio sussurrou em meu ouvido. – Isso foi lindo, Rei.

Respondi balançando a cabeça e soluçando fraco.

— Você sabe... – Ele se afastou um pouco, somente o suficiente para encostar a testa na minha. – Existe uma guerra na qual você acabou de ganhar uma looonga batalha. Mas ainda temos um grande caminho pela frente.

— Eu sei. – Respondi, abrindo um pouco os olhos para vê-lo.

— Não vai ser fácil. Estamos em terreno desconhecido agora. Mas eu preciso dizer, te lembrar, que como sempre, eu vou estar ao seu lado.

Não havia palavras ou ações no mundo que fossem o bastante para eu expressar minha gratidão. Então eu só respirei fundo e disse:

— Eu te amo, Blueberry.

 

 

*** FIM ***


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Notas finais do capítulo

O fim ficou ruim? Provavelmente. Mas eu realmente me esforcei aqui, apesar de sentir que eu estava numa sintonia diferente da que precisava para essa historia. Isso porque eu comecei a escreve-la CINCO anos atrás e eu me sinto uma pessoa totalmente diferente da adolescente que idealizou essa história no geral. Mas, em respeito do meu eu passado, não vou reescreve-la pra se adequar ao que acho mais interessante hoje. Muito menos excluir, já que é uma prova de que mesmo "à longa distancia" eu consigo finalizar uma história. Blueberry é muito importante para mim.
Se você chegou até aqui... Caramba, obrigada por ler. E se você começou a ler muito muito tempo atrás e acabou redescobrindo essa historia, perdão pelo vacilo com as demoras e tudo mais. :c
Eu nem sei o que sentir. Aaaa!
Esse historia é uma história completa!
Um abreijo no coração de cada alma aventureira que até aqui chegar ♥



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