A sexta-feira chegou rápido demais. Meu pai viria me buscar a noite. Se eu não tivesse muito irritado por ter que passar o fim de semana ouvindo a ladainha dele eu até diria que estava feliz em passar um tempo com os meus irmãos.

Evitei Luisa a semana inteira. Achei que ela viesse me procurar, sim, eu tinha um fio de esperança que isso acontecesse, porém ela não me procurou. Nem nos dias da aula de canto que nos iríamos juntos.

Tive que conter a vontade de ir a casa dela e ficar ouvindo-a falar de seriados. Minha mãe até achou estranho o fato da gente ter se afastado. Quer dizer, eu ter me afastado e ela não ter se dado o trabalho de me procurar. Mas também eu estava exigindo demais de uma menina que tinha namorado. Um namorado babaca que a fazia sofrer sem nem precisar abrir a boca, mas ainda assim um namorado.

Sai da escola e fui direto para casa. Preparei qualquer coisa pra comer e subi para arrumar a mala para passar um final de semana “feliz” na casa do meu pai. Depois disso dei uma passada na loja da minha mãe para vê se ela precisava de mim, porém o dia estava tranquilo e não teria nenhuma entrega.

Resolvi dar uma passada na pista e vê se o pessoal estava la. Para minha surpresa tinha uma galera conversando. Aproximei-me ao perceber que o Andrew estava entre eles. Vamos dizer que Andrew é um dos poucos garotos da pista que não usam drogas, e ele também é um cara legal. Não que eu me importe com quem usa droga, mas prefiro manter certa distancia.

- Vai ter uma festa amanha na casa do Caio, quer ir? – Andrew perguntou. Caio era um daqueles garotos que andam com a sua ganguezinha atrás. Tive o desprazer de conhecê-lo em uma das minhas vindas a pracinha com Luisa. Ela o conhece, quer dizer, eles são amigos. Se ela não tivesse namorado eu até diria que rola algo entre os dois.

- Não posso, vou passar o fim de semana com o meu pai!

- Ahh! E por onde anda a Luisa?

- Não sei, não falei com ela a semana toda. – Andrew também conhece Luisa. Vamos dizer que ela é bem famosa aqui no bairro, apesar de passar a maioria do tempo sozinha – Tive que me afastar um pouco dela...

- Nem precisa terminar. Eu ia te dar esse conselho, mas acho que o Mateus chegou antes não foi? – ele levantou uma sobrancelha e deu uma risadinha – A Luisa é uma menina ótima, você sabe! Mas o melhor que você faz é ficar longe dela mesmo!

- Por quê? Qual o problema com ela?

- Com ela? – ele riu irônico – O problema não é ela, é ele!

- Qual o problema com ele?

- Vamos dizer que ele é do grupinho do Caio. – pensei um tempo naquilo. E não demorei muito para entender do que ele estava falando. Mateus usa drogas, é isso. Como a Luisa namora um cara desses? Ela não deve saber, com certeza!

-Ahhh! E Luisa não sabe, não é?

Ele deu uma gargalhada, juro que me senti um completo idiota. Todo mundo parou para prestar atenção na gente. Mas ele conteve o riso e todo mundo desviou a atenção.

- Justin, não seja estúpido! – ele disse ainda rindo – É claro que ela sabe!

Fiquei processando o que ele disse por um tempo. Então Luisa sabe que o namorado usa drogas e não se importa de conviver com um drogado? Então... Não pode ser...

- Ela usa também? – perguntei tentando assimilar a historia.

- Não, ela não usa! É complicado... Eles namoram a muito tempo. Ele começou com isso faz um ano e ela simplesmente aceitou! – não, não é possível. Como ela pode conviver com isso? Não bastava ele ser o mais ausente dos namorados agora tinha que ser usuário também? – Depois você acostuma, Justin! Isso é bem normal por aqui. Acho a Luisa até corajosa, porque esses meninos têm uns picos que...

- Que?- falei incentivando-o a continuar.

- Da ultima vez que aconteceu... – ele deu uma pausa – A gente estava em uma festa no apartamento do Caio. O Mateus chegou com Luisa e os dois estavam discutindo. Ele largou ela la e foi para um canto com o Caio... ahn... Você sabe fazer o que! Sentei perto dela e perguntei o que estava acontecendo... Vamos dizer que nos éramos amigos naquela época... Ela me disse que tinha discutido com o Mateus porque ele pediu para o Marcos guardar a droga na casa deles – Marcos é o irmão da Luisa. Andrew deu uma pausa ao perceber que o nosso papo estava chamando a atenção de algumas pessoas. Ele voltou a falar um pouco mais baixo – Ela estava irritada, e cansada do irmão dela sempre levar a culpa das merdas do Mateus. Ela discutiu com ele dizendo para arrumar outro lugar pra guardar as drogas... – deu outra pausa. Parecia que não eram boas lembranças... Mas eu precisava saber o que aconteceu... Entender o que se passa pelo menos um pouco na cabeça da Luisa. – Ela teve uma ideia ridícula! E ela pediu que eu a ajudasse e por algum motivo estúpido eu não a ajudei... – ele me fitou, olhou ao redor e depois continuou – Ela chamou a policia!

- Como assim ela chamou a policia?

- Ela estava irritada! Precisa se vingar do Mateus. Ela pediu para que eu saísse de la, mas eu não a obedeci. Ela pegou o celular e saiu do prédio. Eu não a impedi, mas também não a ajudei muito. Avisei a todo mundo o que ela tinha feito. Mas aquela altura era tarde demais. Tinham muitas pessoas drogadas e bêbadas. Eu, Mateus e o Caio e algumas pessoas que estava mais lúcida conseguiram sai. Mas umas dez ficaram inclusive o colega de apartamento do Caio, que levou toda a culpa quando a policia chegou.

Não sabia se estava chocado com a historia ou com a coragem da Luisa. Eu simplesmente não a imaginava em um lugar daquele, com pessoas desse tipo e muito menos chamando a policia.

- Cara... – Andrew voltou a falar – Não fala nada pra ela que eu te contei isso! Eu e ela não nos falamos mais... Desde que isso aconteceu!

- Não, relaxa, não vou dizer nada! – claro que eu não diria. Naquele momento nem me passava na cabeça me reaproximar da Luisa. Mas eu precisava saber, saber por quê os dois ainda continuam juntos depois disso. Por mais que a Luisa tinha motivos fortes para chamar a policia. Ela teve que ser muito fria para fazer o mesmo. Afinal, o namorado dela podia ser preso e os amigos também. - O Mateus não ficou com raiva dela?

- Eles se amam, cara! – Andrew disse me fitando. Como se aquilo explicasse tudo. E explicava! – Todos pararam de falar com ela, inclusive o irmão dela. Mas o Mateus não pareceu se importar. Para a surpresa de todos eles continuaram juntos, porém ninguém a aceitou de volta no grupo. Não que ela se importe com isso, pelo contrario ela até mudou de escola. Fora o Mateus, o único que fala com ela é o Caio!

Agora tudo se encaixava. O motivo da Luisa nunca falar do irmão, estudar em outra escola e o fato dela não ter amigos. Tudo que me intrigava desde os primeiros momentos que a conheci. Não sei, mas eu a admirava mais naquele momento. Eu tive que conter um sorriso. Eu gostava daquela menina, de verdade. Nunca tinha conhecido alguém com a coragem dela. Nem eu teria coragem de fazer o que ela fez.

Depois disso eu fui para casa, remoendo toda a historia que Andrew havia me contado. Ele me fez jurar pela minha mãe que eu não deixaria a Luisa saber.  

Passei um fim de semana agradável na casa do meu pai. Saímos no sábado para almoçar e depois passamos a tarde em um parque com os meus irmãos. Meu pai perguntou sobre a escola, se eu estava feliz com a nova vida e se a minha mãe também estava. Não que ele se importasse, mas ele tinha a necessidade de querer se aproximar de mim com essas perguntas.

Estava tudo bem até ele perguntar se eu estava namorando. O meu pensamento voltou para a única pessoa que eu havia me interessado nos últimos dias. Naquele momento eu tive uma vontade de largar tudo o que estava fazendo e correr para vê-la. Eu estava ficando louco. Arrependido também de ter me afastado dela por causa daquele babaca do Mateus.

Voltei para casa no domingo, decidido a falar com ela no outro dia. Minha mãe ficou feliz de eu ter passado um fim de semana tranquilo. Fingi não perceber ela procurando algum sinal de briga no meu corpo como a ultima vez... Historias que não valem a pena ficar lembrando.

Depois do jantar eu estava decidido a ir dormir, mas minha mãe insistiu que eu arrumasse a cozinha porque ela estava muito cansada. Eu faço tudo por ela, por isso nem reclamei. Após eu terminar de arrumar a cozinha ouvi alguém bater na porta. Devia ser quase meia noite. O que faziam batendo na minha porta àquela hora?

-Ahh, Oi Luisa, aconteceu alguma coisa? – Luisa estava parada a minha frente com a sua melhor cara de despreocupa.  A minha pergunta não se encaixava nada com a expressão dela no momento.

- E precisa acontecer alguma coisa para eu vir te vê? – ela perguntou levantando a sobrancelha.

- Claro que não! So que é tarde... Eu imaginei que poderia ter acontecido...

- Não aconteceu nada! Eu vim aqui ontem, mas sua mãe disse que você estava na casa do seu pai daí eu te vi chegando mais cedo e decidi esperar um pouco para vir falar com você! – Ela disse me interrompendo.

- Tudo bem então! Quer entrar? – perguntei estupidamente, é claro que ela quer entrar.

Ela entrou e sentou no sofá e ficou me encarando com a sobrancelha arqueada. Eu sentei no outro sofá e fiquei a fitando.

- Me diz... – ela olhou para o teto, depois para o chão, encarou uma pilha de revista da minha mãe em um canto da sala e depois se virou para mim – O que te disseram?

- Como assim?

- Pode falar Justin! Estava demorando demais para você desaparecer como os outros, é claro que te contaram já, me diz o que te falaram?

- Sobre? – como ela sabia? Ela estava pensando que eu me afastei dela por causa daquilo? Ela não seria tão idiota.

- Justin, não precisa se fazer de desentendido. Todo mundo desse bairro me odeia. Até o meu irmão vira a cara para mim! – ela parou e ficou me olhando procurando algum vestígio de indignação, como não achou ela continuou – Não precisa fingir que não sabe. Eu sei que alguém já te contou... Não precisa dizer quem foi... Eu só quero que escute da minha boca... Não quero que você se afaste de mim, Justin!

- Luisa, eu... – disse levantando e sentando ao lado dela – Eu não me afastei de você por causa disso – disse colocando o cabelo dela atrás da orelha – Quando me contaram eu fiquei até arrependido de ter me afastado de você...

- Então por que se afastou? – ela disse com os olhos mareados – Justin, eu gosto de você, não quero que se afaste igual os outros... Eu posso te explicar...

- Shhhhhiu! – disse colocando o dedo na boca dela – Eu estou aqui, não estou? – disse a abraçando de lado – Achei que seu namorado não estava gostando de me vê com você – menti – Daí eu resolvi ficar um tempo distante. Mas confesso que senti falta das suas cantorias e de você falando de série o tempo todo. – ela riu deixando o clima mais leve – E quanto aquele assunto... Vamos dizer que eu te admire mais desde quando me contaram!

- Admira? – ela perguntou virando-se pra mim com uma cara espantada.

- Sim! – a fitei, ela parecia se importar com o que eu estava dizendo. Por um momento tive que contar uma vontade estúpida de beija-la. – Eu não teria coragem de fazer o que você fez! – disse por fim.

Ela sorriu. Eu não podia beija-la, mas podia abraça-la. Fiquei nos seus braços menos do que eu queria.

- Obrigada! – ela disse sorrindo – Amigos? – disse estendendo a mão.

- Amigos! – apertei sua mão sorrindo com o meu melhor sorriso de “Estou apaixonado pela minha nova amiga, mas ela não pode saber, porque ela ama o drogado do namorado dela”.