Zhera escrita por Khazoo


Capítulo 1
Revolução de 13




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Foram noites turbulentas em Zhera. Os militantes da subversão reuniram boa quantidade de armamento. Cansados dos desmandos de Meyrink, os mais afoitos deram início à guerra civil. E, sem jeito de revertê-la, as lideranças do movimento aderiram à luta armada.
A vantagem que tinham era o elemento surpresa. Atuavam na escuridão, invadindo órgãos do governo em busca de documentos. Sequestravam membros da Cúpula de segurança, com fim de enfraquecer a conexão entre o polo informativo e o de combate nas ruas. A previsão de quem venceria estava coberta por uma aura mista: de romantismo e convicção cega na vitória.
Em três dias, as baixas em ambos os lados eram alarmantes. Os militantes morriam nas mãos dos oficiais de Meyrink, que, coagidos, liberavam o instinto sádico contra os opositores. Meyrink dera ordem de execução a todos os que tivessem piedade durante a batalha. Assim, muitos de seu exército morreram. O motivo era simples: a luta também estava no seio familiar. Porém, comando nenhum é capaz de eliminar o laço sanguíneo.
O decreto originou tragédias paralelas. Uma delas seria a de Iker. Filho de comandante, apaixonado pela liberdade e, por incrível que pareça, poeta. O rapaz tinha presença assídua na defesa dos militantes. Suas palavras, difundidas nos galpões subversivos, incitavam a coragem dos companheiros resistentes. O pseudônimo que utilizava era Eis. E Eis era o fio psicótico dos afoitos. Atribuíram-lhe, então, a autoria do ódio na primeira luta contra Meyrink. Foi o suficiente para torná-lo o alvo mais cobiçado de Zhera.
Aos poucos, agentes do governo se infiltraram no movimento. O desígnio era claro: somente absorver informações sobre Eis. Fruto disso, surgiram invenções a seu respeito. É do ser humano aumentar o que não viu. Alguns, inclusive, afirmavam toque feminino em suas palavras. Já não sabiam se a voz dos rebeldes vinha de homem ou de mulher. E a recompensa em troca de Eis crescia vertiginosamente.
A pressão sobre os líderes aumentou. Chegou ao ponto das divergências superarem o desejo de matar Meyrink. Agora, os agentes causavam tumulto nos galpões. Atiçavam a curiosidade dos militantes. O movimento enfraqueceu na proporção em que exigiam a presença de Eis na luta armada. Alegavam não conceber planos de um sujeito cujo rosto nunca foi visto.
Logo, as treze lideranças votaram a favor da exposição do rapaz. Sua verdadeira identidade era conhecida apenas por Charl, líder do galpão 03. E foi ele seu delator. Eis foi convocado sob o pretexto de angariar lealdade dos militantes.
Após o anoitecer, Iker incorporou Eis. Saiu. Coberto por um manto negro, esquivava-se dos feixes de luz em cada esquina. Havia algum tempo desde sua última visita ao galpão 03. Vez ou outra, ia às reuniões como cidadão comum. Porém, aberta a temporada de caça, desaparecera. Calou seus poemas. Apagou o rastro.
Duvidou do compromisso com os companheiros. Sentia-se uma concha vazia. Observando bem, Eis parecia tão vazio quanto o galpão. Ali, o silêncio imperava. Em contraste, a mente do rapaz borbulhava em hipóteses que duraram segundos.
Num instante, os oficiais de Meyrink o renderam. Estava encurralado. Arrastaram-no aos solavancos, atando suas mãos. Ao longo do caminho, Eis pisara em falso muitas vezes. Ganhou hematomas tanto das quedas quanto dos chutes que os soldados despejavam contra seu corpo. Os joelhos esfolados ardiam. Vendaram-no quando alcançaram a biga de Meyrink. Não antes do rapaz encará-lo. O imperador tinha olhos claros. Lembravam a pele da cascavel albina com um quê luminescente.
– Você... – Meyrink desdenhava, desembainhando a espada. Pôs a lâmina rente ao rosto de Eis.
– Quero uma espada. Seja homem e me enfrente! – Exclamou, junto às pedras do calçamento. Ajoelhado, sentiu um corte se abrir na face. Parte da testa se tornou rubra e quente contra o metal de Meyrink, que ria. O fio de sangue escorreu. – Filho da puta!!! – Explodiu Eis, numa crescente onda de ira.
– Não sou burro. Matar você sem chance de defesa é mais cômodo. – Disse, pousando a arma na cintura. – Mas tenho outros planos. – Um oficial acertou a cabeça de Eis com o porrete.

Carregaram-no desacordado até o galpão 13, onde a reunião realmente ocorria. Meyrink esperara o momento certo de agir. Seus agentes saíram pouco a pouco, travando as portas e janelas do evento. O último era Charl. Este, então, sinalizou o início do massacre.
Todas as passagens lacradas. Assim, atearam fogo às pilastras. As labaredas se espalharam rapidamente. Eram serpentes que se expandiam com fumaça e gritos. Dominaram o galpão sem esforço. Alguns militantes já morriam carbonizados.
Eis acordou. Tonto, desvairado e consciente de que os gritos não eram dos inimigos.
– NÃO! NÃO!!!!!!! – Lutou, desesperado, contra as amarras nos punhos e pernas. Tiraram-lhe a venda.
– Culpa sua. – Silvou o imperador, forçando-o a encarar a tragédia que se desenrolava. A ferida na testa de Eis pulsava incessante. Logo o torpor de outro desmaio assomou em seu rosto, fazendo-o colidir contra o piso da biga.
O último golpe acompanhou a chegada de seu pai. Tratado como cão, jantaria no inferno. Obrigaram Eis a recobrar a consciência. Era o público-alvo do imperador sádico.
– Sono bom, heim? – Ria Meyrink. Fez questão de guiá-lo ao camarote. Dali, viram o que restava do comandante Lancel. Esfolado, coberto de sangue e implorando pela vida. Amarraram seus membros em quatro cavalos. Eis berrava, como se fosse o suficiente para salvar seu pai.
Dada a ordem, os oficiais chicotearam os animais. Partindo em direções diferentes, os cavalos fragmentaram o corpo de Lancel. Desse momento em diante, o homem robusto que criara Eis se resumia à massa inerte e disforme que se misturava à terra da arena.
– Por que não me matou primeiro??? – Bradou. Uma dor lancinante preencheu o peito do rapaz. Em seguida, cuspiu no rosto de Meyrink. Desfigurado pela dor, Eis queria se livrar daquele tormento. Pensou em atirar-se do camarote. Um pulo do ponto alto das arquibancadas era morte certa. Observou a maneira mais simples de se aproximar da beira. Antes de completar seu intento, ouviu o estrondo no portal leste.
A chuva de flechas cobriu o piso onde Eis se debatia tentando fugir. Depois de rolar para baixo da mesa de madeira, percebeu que Meyrink formara um escudo de gelo em torno de si. O frio dilacerante tomou o ambiente. Pensou ser alucinação. Aturdido pelas memórias recentes, Eis via a batalha de ponta a ponta na arena. Olhou de relance para Meyrink, que, entretido com a disputa, dera-lhe chance de escapar. Agora tinha nas mãos a taça de vidro do imperador.
Eis aproveitou o estrondo seguinte para quebrá-la sem chamar atenção. Usou o cacos para cortar as amarras da perna. Em seguida, com os punhos ainda atados, rastejou. Enterrou o vidro na altura da artéria femoral do imperador, cujo sangue tomou vazão. Afastou-se o máximo possível. Perto da escada, já não se importava se viveria. Deu as costas para o assassino de seu pai.
Meyrink sacou a espada. Com a outra mão, atirava estiletes de gelo contra os rebeldes resistentes na arena. A vertigem se apossou de seu corpo, impedindo-o de se movimentar. Caso matasse Eis, também não sobreviveria. Preferiu concentrar os esforços na coxa atingida, congelando-a a fim de atenuar o ferimento. Foi o necessário para a fuga do jovem.
No pavimento inferior, Eis encontrou a líder do galpão 09. Sini. Ver seus cabelos azuis desgrenhados reconfortou-o. Sem tempo para abraços e cumprimentos, a moça retalhou as cordas, expondo os pulsos do amigo em carne viva.
– Considere isso um oi. – Dirigiu-se a Eis, transpassando um dos oficiais de Meyrink com a espada.
– Oi.
– Corre, otário.
– Tô correndo! – Berrou. Pulava corpos, mesmo com a perna machucada. – Tem arma pra mim?
– Não. Arranje. – Sini fez um movimento indicando os soldados caídos. Passavam depressa pelos corredores. Em breve chegariam ao portão leste.
– E os outros? – Perguntou Eis ofegante.
– Cala a boca.
– Bruta.
– Você quer mesmo discutir? Aqui???
Ele a olhou contrariado. No canto da parede, Eis pegou a espada do oficial morto.
– Porra, pensei que vocês estavam no galpão.
– Ficou triste porque tô viva? – Ela indagou com ironia.
Atingiram a saída. Profundo alívio tomou conta de ambos. Soltaram os cavalos da biga mais próxima e fugiram a galope. Apenas Sini sabia seu destino.


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