A Lenda De Thommy escrita por NimoChan


Capítulo 11
Espadachim em treinamento, dia 1


Notas iniciais do capítulo

YOOI! /o/ Vejam, vejam, não demorei pra postar *-* Bem, antes de desejar uma boa leitura, quero agradecer especialmente ao Ander ( http://fanfiction.com.br/u/309062/ ), que me deu um empurrãozinho pra escrever o treinamento do Tômmi ;P Se não fosse por ele, eu estaria completamente perdida, portanto o Ândy foi de uma ajuda enorme! *--*
Agora sim, boa leitura!



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A cidade de Payon localizava-se em meio a uma densa floresta irregular. E como era de se esperar de uma cidade presenteada com solo rico em nutrientes, a economia baseava-se na agricultura e na exportação de madeira, considerada de melhor qualidade em toda Midgard. A cultura manteve-se intacta desde as origens do Império de Payon, de forma que as construções do local, um pouco semelhantes às orientais, em geral fossem compostas por um telhado alto e triangular que encurvava-se nas pontas, e paredes externas normalmente tingidas de um vermelho que lembrava madeira escura. Outras casas, mais simples, mantinham-se levantadas por paredes de madeira e revestiam o telhado com feno. As portas da cidade ficavam na extremidade de uma ponte, de onde podia-se contemplar o rio que passava por debaixo.

A reação de Thommy ao ser teletransportado para lá não foi diferente da que demonstrou na primeira cidade. Precisou de alguns minutos para absorver toda a extravagância daquela cultura que não conhecia.

— Seja bem vindo a Payon! Vai me dizer agora que esta é sua cidade favorita? — ponderei aquela ideia com os olhos fixos em Thommy para não perder sua reação.

Ele, que antes estava boquiaberto, deu um sorriso torto e respondeu:

— Se a gente continuar conhecendo uma cidade a cada dia, vai ficar difícil escolher só uma!

Ri com o comentário e fiz gesto com a cabeça para que ele me seguisse. No caminho, tratei de explicar brevemente sobre o Castelo de Payon, grande atração turística da cidade, e alguns hábitos locais. Indiquei-lhe o comércio, um pequeno estabelecimento de onde podia-se ver muitos arcos sobre mesas, a fim de observar a constante visita de Arqueiros à cidade. O garoto, atento ao que eu dizia, não deixou escapar nenhum detalhe. Estranhou as grandes tábuas lisas e muito baixas que ficavam em frente a algum comércio ou residência e não hesitou em perguntar sobre aquilo.

— Essas “tábuas” — ri sutilmente, erguendo a sobrancelha —, são na verdade mesas. Faz parte da cultura daqui.

— Aaah, agora tudo fez sentido... Mas espera aí, aonde estamos indo mesmo?

— Achei que não fosse perguntar nunca! — parei em frente uma propriedade simples com as mãos na cintura. — Vamos ficar alguns dias na floresta para treinar, então você precisa de um saco de dormir e mais alguma coisa que julgue necessário. Essa mochila aí tem carregado algo útil ou é só de enfeite mesmo?

— Haha, muito engraçadinha, você — disse ele, enquanto ajustava a mochila nas costas. — Acho que tenho tudo aqui, não precisa se preocupar comigo, “querida professora”!

— Ótimo. Você já estava me causando prejuízos.

Dito isso, ele bufou e desviou o olhar. Gargalhei e dei um peteleco em sua testa, mas aquilo pareceu incomodá-lo mais.

— Ai! — grunhiu e levou ambas as mãos à testa. — Por Odin, que dedo musculoso esse o seu!

— Isso é para aprender a não revirar os olhos à sua tutora! Tenha respeito! — ordenei com um tom de voz brincalhão, mas que não o agradava. Ele bufou novamente.

— “Ah, ah, vai ser legal, vamos adotar o Thommy, gente, vamos!” — caçoou ele numa voz esganiçada que, francamente, dava nos nervos, e fingiu entusiasmo.

— Tsc, não foi assim que as coisas aconteceram, pirralho. E que parte de “respeito” eu tenho que te explicar?

— Claro que não foi assim, até porque você me ama — Ele segurou as alças da mochila com as duas mãos, abriu as pernas e ergueu o queixo; uma pose patética de quem se acha muito.

— Se amasse não haveria “prejuízo”.

— Ei, se tá achando ruim então devia ter pensado nisso antes, eu não pedi pra me adotarem! — Teimoso, ele cruzou os braços.

— Ahn…

— Ok, isso eu pedi, mas ninguém mandou você aceitar!

O tom de voz que Thommy usava para se comunicar comigo parecia ser o mesmo que usaria caso eu estivesse à três casas de distância dele, e isso atraiu muitos olhares suspeitos a nós dois. Tomando conhecimento daquilo, eu o puxei até mim.

— Guri, vê se fala baixo! Você está fazendo um escândalo desnecessário e vergonhoso! — sussurrei a ele, dando olhares furtivos em volta.

— “Escândalo”? Olhe o tanto de gente aqui fazendo tanta coisa mais interessante. Nem se eu gritasse “pudim de maçã” as pessoas olhariam. Quer ver?

E antes que eu pudesse impedir, lá estava ele gritando “pudim de maçã” à quem quisesse, ou não, ouvir.

— F-FICA QUIETO, PESTE! — esmurrei-o e ajeitei meu cabelo logo em seguida, tentando manter a naturalidade. — V-Vamos logo que eu já estou ficando estressada.

— “Ficando”.... — murmurou enquanto massageava a cabeça onde eu o havia atingido e ameaçava dizer algo mais imprudente. Só o meu olhar enfezado foi o suficiente para contê-lo.

Antes que o menino criasse uma confusão, entramos afinal no estabelecimento e comprei um saco de dormir. Em seguida fomos comer em um restaurante ali perto, numa das mesas que Thommy julgava “estranhas”.

Fomos até a floresta numa passagem a sudeste de Payon. Thommy parecia bastante confuso quanto aonde estávamos indo, mas sua curiosidade voltava-se mais para o novo cenário de árvores ao qual entrávamos, digno de admiração, e ele acabou por não perguntar sobre nosso destino.

As árvores, ao contrário das encontradas nos Arredores de Prontera, eram imensas e próximas umas às outras, chegando a escurecer a floresta consideravelmente. A cor verde dos arbustos e folhas era de uma tonalidade mais vívida, e só de se enfiar no meio da mata podia-se sentir o clima quente vindo do Deserto de Sograt, porém úmido devido ao oceano que circundava a floresta. Um feixe de luz solar passava por entre as copas das árvores, transparecendo aos poucos e formando mais uma bela paisagem na Floresta de Payon.

Caminhamos até uma clareira de terreno irregular e onduloso, onde o sol batia com mais intensidade em razão do menor número de árvores. Nos Arredores de Prontera encontrava-se muitos locais como aquele, enquanto na Floresta de Payon, cujo predomínio da vegetação era maior, não havia tantos.

Sentei em um toco de árvore e gesticulei para que Thommy também o fizesse. Ele, procurando por outro toco, largou sua mochila e decidiu sentar-se no chão.

— É melhor não perdermos tempo — iniciei. — Quer fazer alguma observação antes de começarmos?

— Não sei, mas olha… Esse lugar é incrível! Achei que a floresta de Prontera era a mais bonita, agora não sei não, hein… — dizia, olhando as árvores gigantescas. Não demorou até que ele percebesse que eu não me referia àquele tipo de observação, voltando sua atenção a mim. — Beleza, pode falar.

Pigarrei com o punho direito próximo a boca e cruzei os braços.

— O que você aprendeu até agora na Guilda dos Espadachins?

— Ahh, não muita coisa. Aquele pessoal era chato demais! Ficava dando ordens direto, dizendo pra fazer isso e aquilo, que tava errado, que não sei o quê… — Enquanto resmungava, Thommy balançava a cabeça de um lado para o outro, impaciente. — Eu meio que não aguentei ficar lá e saí — concluiu com uma indiferença descomunal.

— Saiu? Como assim, “saiu”?! — Apoiei as mãos nos joelhos para encará-lo mais de perto. — É lá onde se inicia os treinos com a espada, todo Espadachim deve passar por lá mesmo depois do teste!

— Eu sei! Mas acho que aqueles caras não foram muito com a minha cara, porque não pensaram duas vezes antes de me chutar pra fora!

Levei a mão à testa. Não podia acreditar que aquele pirralho tinha sido expulso, ou que pelo menos não era bem vindo na Guilda. Precisei de alguns segundos para raciocinar, até que por fim perguntei:

— O que você fez, exatamente?

— Eles estavam enrolando a gente com uma história de “técnicas básicas”. Eu queria passar logo pra luta! Técnicas básicas não vão me ajudar em nada!

— E POR QUE VOCÊ ACHA QUE O NOME É “BÁSICO”, IDIOTA? — Levantei subitamente do tronco e puxei-o pela gola. Ele se encolheu e não ousou encarar-me nos olhos, fechando-os com força e virando o rosto.

Na espera de uma resposta que não viria, eu o soltei e voltei ao meu assento. Ele abriu apenas um olho e, ao me ver mais calma, suspirou.

— Uou… — limpou o suor frio da testa. — Não é por nada não, mas me senti perto de um orc agora.

— Um… Um o quê? — encarei-o irada, como se o desafiasse a repetir o que havia dito. Mas aquele menino era insolente.

— Sabe, um orc. Aquele grandão, verde, com um bafo que dizem ser mortal, feio que dá nojo só de olhar…

— CHEGA, DROGA! — esbravejei.

Ele calou-se pelos segundos que procederam após o grito. Recuperei minha divina paciência para forçar um sorriso e encarar aquela situação de uma vez, sem que usasse a violência, o que era um desafio e tanto.

— Thommy… Se o treino é “BÁSICO” — dei ênfase à palavra, semicerrando os olhos —, quer dizer que você PRECISA passar por ele para fazer QUALQUER OUTRA COISA, ENTENDEU?

—Tá, eu entendi! Mas a coisa é que o básico é chato. Se ao menos fosse le…

— Chega — eu o interrompi. — Sei que você deve ter dado muito trabalho àquelas pessoas, está escrito na sua cara!

— Eu sei, eu sei…

— Não, não sabe, porque se soubesse não reconheceria-se como Espadachim! — Thommy, que antes parecia não levar-me a sério, afinal entendeu a gravidade de sua falta de respeito para com os superiores da Guilda dos Espadachins. Pelo visto, a menção da dignidade de Espadachim que eu insinuei faltar na criança foi mais que o suficiente para atrair sua atenção. Isso era bom porque provava o quanto aquele cargo era importante a Thommy e, acredite, amar a profissão era algo essencial para conseguir passar pelo treinamento que começaria dali alguns minutos.

Cabisbaixo, ele deixou que minhas palavras surtissem efeito aos poucos em sua consciência, prolongando o silêncio que era cortado, naturalmente, pelo canto dos pássaros e pelo farfalhar das folhas. Ele bufou e, teimoso, procurava palavras para contradizer-me, mas dei continuidade:

— Isso que você carrega não é um brinquedo, Thommy. É uma das armas mais antigas usadas em combate, portanto estudar a arte das espadas é um aprendizado sem fim. — encarei-o, ele permanecia com expressão teimosa.

De cabeça baixa e fazendo bico, Thommy deslizava um pequeno graveto pela terra em movimentos aleatórios, como se não me ouvisse.

— Deve-se ter em mente que a espada é uma extensão de seu corpo, numa luta ela é quem garantirá sua vida. Bem, se minha memória não falha, você pretende seguir como Cavaleiro, e não como Templário. Nesse caso, mesmo não sendo a pessoa mais qualificada para treinar alguém — “Ainda mais o representante de Odin”, pensei —, me esforçarei em pelo menos desenvolver seu espírito e mente, além das técnicas… básicas da espada. Pretende levar isso adiante?

Ele parou de movimentar o galho, largando-o e encarando o “desenho” feito na terra.

— “Básicas”, né… Pff, tá.

— Eu lhe fiz uma pergunta direta, portanto responda da mesma forma.

— Aaargh, que droga! Eu vou continuar! — respondeu de cabeça erguida, provavelmente para acabar logo com aquilo.

— Ótimo — levantei —, só não se arrependa depois.

— Tá, tá, agora vamos começar! — Thommy pegou a Balmung e levantou, deparando-se com minha mão estendida à sua frente.

— Largue-a. Não vamos precisar dela agora — Incrédulo, ele abriu a boca para protestar, mas eu não dei chance para isso e continuei com minhas instruções. — Sua primeira atividade será meditar. De acordo com essa sua cara, você desconhece o real valor da meditação. — Ele assentiu sem muito ânimo, cruzou os braços e observou-me. — Pois bem, ela é uma prática essencial a qualquer pessoa porque tira sua atenção de memórias passadas e expectativas futuras para levá-lo a uma paz espiritual no presente, ou seja, livre de estresse. Essa prática, quando atinge o total descanso da mente, pode dissolver os problemas e preocupações, além de melhorar a sua concentração e autodisciplina.

— Isso parece difícil… — murmurou, coçando a cabeça.

— E será se continuar pensando assim. O primeiro passo da meditação é procurar um local adequado para praticá-la, de preferência livre de distrações externas. E você deve estar vestindo algo leve, portanto, tire as manoplas, botas e tudo que pese sua vestimenta.

Dito isso, o Espadachim tirou as manoplas, vulgo luvas; as botas, a bainha e o sobrepeliz bege, que era um agasalho usado em torno do pescoço e que cobria também seus ombros, ficando apenas com as vestes que usava por baixo: uma camisa marrom com gola, mangas verdes e, por baixo dela, uma camisa de manga comprida também marrom. Por cima das calças de mesma cor, havia uma espécie de “saia” mais avermelhada com uma tira de tecido branco por cima, preso na cintura por um pequeno cinto azul.

— Vamos, sente-se aqui — Coloquei minha mão sobre a cabeça de Thommy e a empurrei para baixo, forçando-o a se sentar. — Isso, agora dobre os joelhos, do jeito que você estava sentado antes.

— Jenny-machão, isso vai dar certo? Esse negócio de meditação não é pra Monges, não? — O menino fitava-me com a cabeça levantada e olhar receoso.

— A meditação não é uma técnica exclusiva dos Monges. Ela existe a muito tempo e pode ser praticada por qualquer pessoa, mas os Monges aprofundam-se nessa prática com o intuito de conter a fúria que é normal desenvolverem. Além disso, muitas das magias deles exigem esse descanso total da mente. Mais alguma pergunta?

Ele levou a mão ao queixo e pensou por uns instantes, a outra mão sobre o joelho dobrado. Por fim, levantou seu olhar infantil a mim.

— Tô pronto!

— Muito bem. A posição para a meditação deve ser confortável e equilibrada para que você possa ficar mais tempo parado e, consequentemente, atingir uma serenidade maior. Joelhos dobrados, corpo ereto — instruí, agachando ao lado de Thommy e consertando sua postura de forma que ficasse reta. — A cabeça e o pescoço devem estar alinhados com a coluna e, lembre-se, a postura deve ser reta, e não rígida!

— Aaaahn…. E o que isso quer dizer mesmo? — indagou, fitando-me pelo canto dos olhos enquanto mantinha a posição estática, como se fosse uma estátua. Ri um pouco, afinal Thommy estava fazendo exatamente o contrário do que eu havia dito.

— Quer dizer que você deve sentir-se confortável. A posição deve ser reta para que a respiração melhore e para que você consiga estabilidade, isso é essencial para quem vai ficar muito tempo parado. Se ela for rígida, você sentirá dores e cansaço.

— Er… Tá, mas…

— Relaxe todos os músculos. É simples — ri ao vê-lo respirar fundo e, ao soltar o ar, sentir mais conforto com a posição. — Não precisa dizer nada, eu sei que funcionou. Agora coloque as mãos sobre o colo, viradas para cima. Isso mesmo, uma mão sobre a outra. Encoste os polegares de leve e afaste os cotovelos do corpo — ordenei enquanto ajustava-o de acordo com as instruções. — Agora relaxe…



* * *



Eu já o observava a algum tempo. Thommy estava na posição que eu o havia colocado; os olhos semi abertos e a respiração profunda e regular. No começo havia sido complicado mantê-lo daquela forma, qualquer barulhinho era motivo para desviar seu olhar! Várias vezes ele irritou-se com as tentativas falhas de meditação, mas eu dizia sempre o mesmo: “Se você pensar na meditação como uma tarefa, como algo que exija esforço, não será possível sentir-se em paz. Você está fazendo isso para diminuir a velocidade dos pensamentos e livrar-se de estresse, então a meditação deve ser prazerosa”.

Outro grande problema que o afligiu durante a prática foi a lembrança de acontecimentos passados. Para resolver o problema, eu o acalmei dizendo que era natural que os pensamentos viessem mas que ele não devia deixar-se levar por eles e nem tentar afastá-los. Da mesma forma que as memórias vieram, elas desapareceriam. Todavia, uma das distrações que dificultou a atividade do garoto me pareceu um tanto… incomum.




Com os joelhos dobrados, as mãos sobre o colo e os olhos fechados, Thommy parecia finalmente entregar-se à quietude da meditação. Seus pensamentos voavam para longe, e não no sentido de borbulhar na mente, mas sim no sentido de abandonar o menino por alguns poucos minutos. No entanto, manter aquele estado de espírito não é nada fácil nem mesmo para Monges e, portanto, logo algumas memórias surgiram.

De súbito, algumas cenas bastante familiares vaguearam pela cabeça do Espadachim. Uma mão estendida à sua frente, que logo reconheceu ser sua, um apito estridente, o chão tremendo… Uma espada. Longe, quase não podia vê-la… mas ela estava lá. Com sua ponta afundada na terra, quase chamava por Thommy. Um poring. De repente, viu-se próximo da espada e, quando menos esperava, recordou-se de uma estranha aura envolvendo-o enquanto ouvia um barulho estrondoso muito perto de si. Lembrou-se de que não via nada com exceção da aura, que mais parecia um véu azul. Foi então que lembrou do bafomé e de quando ele lançou-o contra uma árvore.

Thommy abriu os olhos e percebeu que sua respiração não estava constante como antes. Ele arfava e sentia o corpo quente, muito quente; sua testa e pescoço estavam molhados. Como pôde esquecer daquilo que acontecera poucos dias atrás? Será que teria sido real? Bem, a espada era… Ou não. Precisou procurá-la com os olhos para certificar-se de que não estava sonhando, e encontrou-a encostada numa árvore, como ele havia deixado.

O Espadachim suspirou… Se a espada era real, aquele véu que o cobria também seria? E aquela sensação indescritível que sentiu no momento em que fora envolvido pela aura? Foi só então que notou a presença de sua tutora, Jenny, e lembrou que havia interrompido a meditação. Depois daquilo, a Paladina aconselhou-o a meditar com os olhos semi abertos para que a mente não vagueasse, e a concentrar-se apenas em sua respiração.




Levantei-me do toco da árvore tentando não fazer barulho e pensei em ir até Payon para comprar um boneco e espadas de madeira. Mas Thommy pareceu notar que eu me dirigia para longe, e logo me supreendeu:

— Vai aonde, Jenny-machão? — Parei ao ser “flagrada”

— C-Como assim “aonde”?! Menino, volte a meditar!

— Aaah, eu cansei! Preciso mover o corpo ou vou virar pedra! — Ele deitou na grama de braços abertos e em seguida começou a alongar as pernas e braços.

— Quem te deu essa liberdade, guri?! — Não adiantava. Thommy não dava a mínima ao que eu dizia. Suspirei e julguei melhor não insistir naquilo. — Tá bom, olha aqui… Vou até Payon comprar umas coisinhas que vamos precisar no próximo exercício. É bom que se alongue mesmo, vai precisar desse corpo em forma daqui a pouquinho!

Minha tentativa de amedrontá-lo falhou, porque sua única reação foi sorrir de orelha a orelha e repetir um “vamos lutar com espada agora, vamos, vamos?!”.

— Por Deus, como você é irritante! Oh, tem comida ali nas sacolas, já está na hora do almoço. Coma logo para não vomitar na hora dos exercícios.

— VAI ME DEIXAR AQUI SOZINHO?! — gritou ele, saltando para perto de mim.

— E qual o problema? — Precisei conter um sorriso. Pelo visto, Thommy, o tão corajoso Espadachim, havia esquecido de que aquela parte da floresta não tinha monstros fortes e tremia-se de medo!

— S-Sabe como é… — Coçou a cabeça e olhou o chão, fazendo movimentos na terra com o pé. — Aquele negócio, né… de… Coisa e tal...

— Está com medo.

— NÃO TÔ! J-JENNY-MACHÃO, AONDE VOCÊ VAI?! VOLTA AQUI, JENNY-MACHÃO! — gritava em vão, puxando-me pelo braço.

— Se gritar, vai atrair monstros.

O garoto paralisou no mesmo instante. Continuei meu caminho, dando uma boa risada… Thommy estava pálido como neve!

O boneco de madeira já estava no seu devido lugar e as espadas repousavam ao lado da Balmung, encostadas numa árvore. A criança de onze anos, que mais tarde descobri não gostar de ser chamada de “criança”, socava o tronco de uma árvore com os punhos firmes e os cotovelos relativamente próximos ao corpo. A respiração de Thommy era ofegante e irregular, muito diferente da que ele manteve durante a meditação. O ritmo já não acompanhava os socos e ele emitia muitos chiados conforme acertava a casca grossa.

— E… Pronto, já deu — Larguei o relógio de bolso. Mal levantei o olhar do relógio e Thommy já estava ajoelhado na grama com as mãos trêmulas e esfoladas, respirando com dificuldade. — Você está… horrível. Sério mesmo que já se cansou?

Ele virou a cabeça devagar quando percebeu que algo rolava lentamente pela grama, mas deu um salto ao ver que era uma garrafa d’água. Agarrou-a nas mãos e bebeu sem se preocupar com o líquido que escorria pelo canto de sua boca e pingava nas vestes.

— Thommy… — Eu o encarava com uma sobrancelha erguida e as mãos na cintura. A resposta veio depois do Espadachim limpar a boca com as costas da mão, grunhir com a sensação de deslizar a pele arranhada na boca e finalmente dirigir seu olhar a mim.

— J-Jenny-machão… Nunca… Nunca mais… — gaguejou enquanto cambaleava até mim. — Você… frita…

— Oi? Francamente, você já está nesse estado só com alguns exercícios? Sério, guri… Um Espadachim digno não se cansaria só com uns socos na árvore.

— Uns socos, uma corrida pela floresta... e flexões com sua mala em cima de mim! — disse ele, entregando-me com rispidez a garrafa vazia.

— Como pode chamar aquilo de flexões? Você não aguentou nem se levantar direito! E não foi bem uma “corrida pela floresta”... Ficamos mais por aqui mesmo, você sabe disso — Cruzei os braços e o observei tirar a camisa marrom de manga comprida, já que a camiseta que usava por cima já havia sido retirada minutos atrás, e sentar no chão.

— Tô morto — gemeu Thommy. — Por favor, vamos dar uma pausa…

Antes de completar a frase, o menino recebeu de mim um beliscão que o pôs de pé num pulo, e eu o censurei:

— Não me venha com essa! Ainda temos exercícios a fazer.

— Acho que… Acho que não sinto minhas pernas — E essa foi a última coisa que Thommy conseguiu dizer antes de render-se à tontura e despencar no chão.

— Deus… Como esse moleque é inútil.

O garotinho continuou desacordado por poucos minutos, mas o suficiente para me deixar entediada. Isso mesmo, “garotinho”. Thommy ainda era uma criança, deveria carregar uma espada de madeira nas mãos, e não a Lendária Balmung. Pensar nisso me fez lembrar de algo que Abra havia dito antes, sobre como o mundo está exigindo que as crianças assumam alguma profissão desde cedo para se tornarem aptas à batalha em pouco tempo.

A idade em que alguém deixava de ser um aprendiz para escolher qual ramo iria seguir era, em média, 12 anos. No entanto, havia aqueles mais “apressadinhos” — como devia ser o caso de Thommy, presumo —, que arranjavam alguma forma de aprofundar no treinamento para, por fim, trocarem de vestimenta. Isso normalmente acontecia quando a criança em questão era de uma família nobre ou guerreira. No primeiro caso, a disciplina rígida era voltada não apenas para a área de conhecimento da criança como também em sua profissão, de forma que as outras pessoas ficassem boquiabertas com a inteligência e maturidade de um garotinho, Mago aos 9 anos de idade. Para o status, nenhuma criança será nova o suficiente para assumir algo desse gênero.

O caso de famílias guerreiras era quase o mesmo. A diferença era que a disciplina do filho não girava em torno do status, mas simplesmente da influência que os familiares, já adultos e encaminhados em suas respectivas profissões, exerciam na criança. Por exemplo, um Bruxo ou Arquimago que, de tanto recitar palavras complicadas, ler livros enormes e fazer nevar em qualquer lugar, acaba por despertar a curiosidade de seu filho e decide ensiná-lo suas artes.

O caso do número crescente de órfãos também parece ser uma explicação para isso. Por mais que eu tenha visto muitos aprendizes no dia em que fui buscar Thommy no Orfanato de Prontera, ainda pude flagrar um ou outro que já estavam em um patamar acima das demais crianças, normalmente pequenos Noviços devido à influência da Catedral.

— Uuurgh… Por quanto tempo morri? — Levei um susto ao ouvir a voz sonolenta de Thommy.

— Alguns minutos. Fique grato por eu não ter acordado você, senão…

— Senão eu teria morrido de verdade — completou ele, levantando-se e bocejando.

— Exato. Agora alongue-se um pouco, vou te ensinar alguns golpes no boneco de madeira.

Pelo visto,Thommy estava mesmo precisando de um pouco de descanso, porque não demorou até que ele estivesse de pé, socando o boneco de madeira com meu auxílio. Aproveitei o momento para ensiná-lo também algumas posições que dariam abertura a contra-ataques e golpes. Eu paralisava em alguma pose e ele a imitava, sendo consertado por mim em alguns detalhes, como a distância de um pé para outro ou do cotovelo para o corpo. Em seguida, ele executava um golpe que estivesse de acordo com sua posição no boneco de madeira, e continuamos dessa forma até eu achar que estava na hora de partir para o próximo exercício.

Mais alguns golpes na madeira e Thommy já atirava-se novamente na grama, rastejando até o toco de árvore e agarrando a garrafa que estava em cima. Bebeu toda a água que continha, deixando derramar também no peito desnudo para amenizar o calor do exercício físico e da temperatura natural da floresta.

— O que você entende por reflexo, Thommy? — indaguei-o enquanto sentava no toco de árvore à sua frente. Ele afastou os lábios da garrafa e fitou-me.

— Nada.

— “Nada”? Quer dizer, não sabe nem o que é reflexo? — Cruzei os braços e o encarei.

— Ah, sei lá… — Ele abaixou a garrafa e coçou a cabeça com a outra mão. — É aquele negócio de notar as coisas, né?

— Reação do corpo. Quanto melhor for sua agilidade, mais rápido você será.

— Tá… Mas o que reflexo tem a ver com agilidade? — perguntou o mais novo, receoso por ter feito uma pergunta muito óbvia.

— Não é óbvio? — Ele passou a mão na franja que cobria sua testa e riu, envergonhado. — Quando mais ágil for alguém, ou seja, mais veloz, maior será também a sua esquiva. Desviar de objetos, golpes… E para isso, a pessoa precisa aguçar seus reflexos; como seria possível esquivar-se de algo sem “notar” esse algo?

— Então… — Thommy levantou o olhar a mim. Inclinei-me para frente e apoiei os cotovelos nos joelhos.

— Então, ser ágil não é uma opção. É uma necessidade quanto se trata de batalhas… Entende?

Eu o encarava nos olhos, com o rosto não muito afastado do seu. A intenção era intimidá-lo, entregar de bandeja o real objetivo daquela ladainha, mas Thommy e sua lerdeza que eu já não sabia identificar se era genética, tomou mais segundos para entender meu propósito do que pude prever.

Com os olhos quase corroendo os meus, ele afastou os lábios como se fosse dizer algo, mas ouviu um barulho que qualquer Espadachim reconheceria de longe: uma espada. Subitamente, saltou para trás, vendo o rastro de luz da minha espada à poucos centímetros de seu rosto. Olhos arregalados, corpo trêmulo; Thommy poderia ter sido dividido em dois caso não tivesse recuado.

— V-VOCÊ TÁ DOIDA?! EU PODIA TER MORRIDO! — vociferou, recuperando-se do choque de quase ter visto sua “outra metade”.

Com a espada em mãos, levantei do tronco da árvore e sorri ao menino que estava sentado com uma expressão desesperada no rosto. Ele movia as mãos e os pés para trás, tentando afastar-se de mim, mas quando viu minha espada indo em sua direção, Thommy rolou para o lado e levantou desajeitadamente.

— J-JENNY?! JENNY-MACHÃO, O QUE É ISSO?!

— Francamente, não consegue tirar esse “machão” nem numa situação dessas? — Vendo que ele estava sem palavras e em apuros, sorri. — Nesse caso… Você quer mesmo morrer, não é?

— … Quê…?! — sussurrou ele.

— Ah, faça algo, Thommy! Vou ter mesmo que te guiar passo a passo? — murmurei, estendendo o sorriso que, para ele, devia ser tão macabro quanto o Abra em uma creche.

O Espadachim tentou dar alguns passos para trás, mas esbarrou em uma pedra e por pouco não perdeu o equilíbrio. Quando se deu conta, eu já estava próxima o suficiente para arriscar outro ataque. Ele conseguiu desviar movendo apenas o tronco e pulou para o lado, avistando duas espadas de madeira encostadas na árvore ali perto, sendo que deviam ter três contando com a Balmung.

Ele não tinha tempo para perguntar-se onde estaria a Balmung, teria de lidar com a situação erguendo uma daquelas armas. Sabendo disso, Thommy correu até a árvore e desviou-se de outro ataque logo após apanhar a espada.

— No final das contas, você é mesmo ágil. Não esperava menos de alguém que fugiu do Orfanato de Prontera — Troquei minha espada pela réplica da que Thommy segurava.

— Por que me atacou?! Eu podia ter me machucado de verdade!

— Mas não se machucou, certo? — lembrei-o, acrescentando logo depois de perceber que eu não o havia tranquilizado ainda. — E se isso é mesmo importante para você, então fique sabendo que eu não te machucaria.

— E aquela espadada era o quê?!

Respondi avançando em Thommy. Instintivamente, ele se defendeu com sua espada sem saber ao certo como prosseguir, pensava apenas no quão pouco esteve perto da morte. Seus olhos, embora bem abertos, não demonstravam consistência. A mente dele vagueava e seu olhar fixava-se no choque entre nossas espadas de madeira.

— Thommy, acorde! Nunca tenha medo da morte em uma batalha, essa é a primeira coisa com a qual você deve aprender a lidar! — alertei-o.

Atendendo ao meu alerta, ele recuou o suficiente para desencostar nossas espadas e ousar um ataque lateral. Defendi esse e o próximo ataque sem esforços.

— Golpes desperdiçados são perda de tempo. Além de revelarem suas fraquezas ao inimigo, dão abertura à possíveis contra-ataques — demonstrei ao defender-me do segundo golpe, aproveitando para desarmá-lo com minha espada.

Mirando o peito de Thommy, empurrei minha espada para frente, forçando-o a sentar-se. Com a arma de madeira próxima ao pescoço, ele não movia um músculo sequer.

— Acabou — anunciei enquanto abaixava a espada. — Amanhã cedo continuaremos o treinamento, quero você de pé às sete horas da manhã. E, detalhe, estou sendo boazinha, porque os exercícios vão ficar cada vez mais pesados, e em algum momento você terá de levantar às cinco.

— O… O quê? — murmurou, confuso. Ele franziu o cenho e tentou se levantar, mas eu o impedi com a arma.

— Não terminei. Como eu ia dizendo, amanhã começaremos o treino com a espada propriamente dita, hoje foi só um alongamento — Olhei-o, ele estremeceu com a ideia de que todo o sufoco do dia era classificado como “alongamento”. — Será complicado te ensinar alguma coisa em três dias, mas acredito que você deva me ajudar nisso. Certo?

Meu olhar de superioridade pareceu assustá-lo um pouco. Ele hesitou por um tempo até responder:

— Certo…?

— Certo — Eu o encorajei a assentir com mais convicção fazendo movimentos com a mão, esperando pela resposta que desejava ouvir.

— A-ah… Certo!

— Ótimo. Está escurecendo bem rápido, melhor se ajeitar para dormir.


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Notas finais do capítulo

Ée, esse capítulo foi mais fala, fala e fala... xD E ficou bem maior do que eu planejava (gosto de deixar os capítulos em torno de 3 mil palavras), mas vocês é que mandam! Deem suas opiniões sobre o tamanho ideal dos capítulos, eu ficaria muito grata ^^
BjãO!