In Love With Her escrita por naty
MANUELA
— Meninas, vamos jantar antes que esfrie – meia dúzia de palavras proferidas pela minha mãe. Foi o que nos alertou para a loucura que estávamos fazendo.
Nos afastamos de súbito com o susto que levamos. Não saberia dizer quem estava mais constrangida pelo que quase aconteceu.
Olhei para Isa, que estava tão ou mais vermelha que eu, e quase involuntariamente, dissemos ao mesmo tempo:
— Melhor não!
— Você tá carente
— E você também!
— Ainda tem a Eduarda...
— E a Angélica
— A gente só vai se machucar...
— Estragar a amizade...
— Melhor não! – repetimos com convicção, ainda vermelhas como dois tomates maduros.
— Meninas? – mamãe chamou ainda por trás da porta, à espera de uma resposta
— Já vamos, mãe! – falei alto o suficiente para que ela escutasse e me virei novamente para Isa – Vamos?
— É... Claro! Vamos, vamos, sim – levantou-se, e eu fiz o mesmo
O jantar passou-se de forma tranquila. Mamãe tinha que falar mais que o normal já que, às vezes, um silêncio incômodo tomava conta da mesa. Isa evitava me olhar nos olhos, e eu fazia o mesmo.
“Céus! O que teria acontecido se mamãe não tivesse nos interrompido?” – pensava enquanto mexia no prato sem muito interesse.
Eu não sei o que estava pensando quando quase beijei a Isa. Era tão irracional e idiota da minha parte que eu não conseguia nem ao menos conceber a ideia.
Tão logo acabamos de comer, Isabella arrumou um jeito de se despedir apressadamente.
— Por que você não dorme aqui, Isa? Tenho certeza que a Manu não se importaria de dividir o quarto com você – minha mãe sem noção ofereceu, mas ela logo deu um jeito de dispensar o convite.
— Não, dona Marina, muito obrigada pelo jantar, estava delicioso! Mas eu tenho mesmo que ir
— Ah, que pena! Mas na próxima vez você fica – insistiu mamãe
— Prometo! – Isa disse meio nervosa, deixando claro que da próxima não ficaria coisa nenhuma, e eu suspirei aliviada por isso.
Assim que ela saiu, dei uma desculpa qualquer à minha mãe e me tranquei no quarto.
Meus pensamentos era barulhentos e estavam me incomodando de tal forma que a única solução foram os fones de ouvido no último volume para que a música falasse mais alto.
Não demorei muito para pegar no sono. Um sono pesado, e agradeci por não ter sonhado com nada específico que pudesse me atormentar durante o dia.
Acordei e encontrei mamãe na cozinha fazendo o café da manhã, cena rara desde que nos mudamos para Belo Horizonte.
— Bom dia – falei me sentando à mesa – A senhora não está atrasada, não? – perguntei me servindo de um copo de leite
— Bom dia – deu-me um beijo na testa, depositando um prato com ovos mexidos à minha frente – Sim, estou, mas queria fazer o seu café – mamãe sorriu de forma tão iluminada que me deixou feliz só de ver aquele sorriso no rosto dela de novo.
Sinceramente, depois do desastre que foi a minha “saída triunfal do armário”, não esperava ver aquele sorriso alegre tão cedo no rosto de dona Marina.
— Já estou indo, mas quero você aqui na hora do almoço, precisamos combinar os preparativos da nossa ida ao Rio – mamãe avisou tomando o restante de sua xícara de café
— A senhora estava mesmo falando sério sobre ir pro Rio? – perguntei alegre
— Claro e pretendo ir na próxima sexta, isso é, se a senhorita não ficar de recuperação em nenhuma matéria – falou olhando-me com seriedade
— Mãe, eu nunca mais tirei uma nota vermelha, o que te faz pensar que aconteceria agora?
— Hum... Nada – ela parecia pensativa enquanto pegava a sua bolsa que estava em outra cadeira e se levantava da mesa – Mas quero você aqui no almoço. Se importa de lavar a louça? Estou realmente atrasada
— Não se preocupe, mãe, eu lavo sim e estarei em casa quando a senhora voltar do trabalho.
— Tudo bem – me deu outro beijo na testa e ia saindo quando me lembrei de uma coisa
— Mãe! – chamei quando ela já estava com a mão na maçaneta da porta da frente
— Sim? – virou-se curiosa
— Sabe a Eduarda?
— O que tem ela?
— Nós fizemos as pazes – falei exultante, de repente lembrando-me disso
— Ah, que bom, minha filha. Fico feliz pela amizade de vocês ter voltado ao que era antes. Quando eu chegar nós conversamos mais
— Tá bom, mãe, bom trabalho
“Mas a nossa amizade não voltou ao normal, porque não era uma amizade” - pensei assim que ela fechou a porta atrás de si.
Terminei o meu café da manhã arrumei a cozinha tranquilamente, o que “quase” aconteceu na noite anterior esquecido momentaneamente.
Dei uma volta pelo restante da casa colocando as coisas no lugar, arrumando o que precisava ser arrumado. Antes das nove eu já tinha terminado tudo que tinha para fazer e estava jogada no sofá, zapeando pelos canais à procura de algo interessante, mas sem sucesso algum.
Meu celular tocou, e não pude evitar um sorriso ao ver de quem se tratava, juntamente com uma pontada de remorso pela noite anterior:
— Alô
— Oi, Manu, te acordei? – Duda perguntou do outro lado da linha
— Não, eu já estava acorda há algum tempo – respondi, já esperando o que viria a seguir
— Bem que eu achei que ia chover hoje! Acabei de confirmar as minhas suspeitas! – falou debochada
— Não fique tão surpresa, isso acontece ás vezes, sabia?
— Você tá bem, Manu? Tem certeza que não tá doente nem nada do tipo?
— Tudo bem, dona engraçadinha, você pode ficar aí rindo ou pode me falar a que devo a honra da sua ligação
— O que você vai fazer agora?
— Por agora, nada, só tenho que estar aqui na hora do almoço, ordens expressas de dona Marina.
— Hum... Entendi. O que você acha de dar um pulinho aqui em casa? Tem uma coisa que eu quero te mostrar – falou hesitante, percebi que era algo sério
— Que foi, Duda?
— É que eu encontrei algo aqui em casa, e... queria que você desse uma olhada. É sobre aquele assunto, Manu, é importante – não esperei que ela falasse duas vezes.
Desliguei o telefone e quinze minutos depois estava no portão da casa de Eduarda.
Toquei a campainha e Jéssica veio atender, logo abrindo um sorriso no rosto ao me ver ali.
— Manu! Que saudades. baixinha! - disse me abraçando ao entrarmos em sua casa
Vê se pode! Até a irmã mais nova de Duda me chamava de baixinha, mas venhamos e convenhamos: ela era bem uns dez centímetros mais alta que eu. Que derrota! Uma pirralha de quatorze anos me chamando de baixinha! Onde esse mundo vai parar?
— Você sumiu aqui de casa, cansou de perder para mim no Nintendo, né? - gracejou minha ex-cunhada
— Claro que não! Qualquer dia desses eu venho para uma revanche contra você e a convencida da sua irmã! - brinquei, mas fui logo ao ponto – Falando em irmã, onde está ela?
— A Duda? Trancada no quarto desde cedo, “num” sei o que deu nessa menina hoje! - dona Drica foi quem respondeu, saindo da cozinha com um de seus inusitados aventais, com certeza estava preparando alguma maravilha gastronômica para o almoço – Como vai, Manuela? - perguntou-me gentil
— Vou bem, e a senhora?
— Só não “tô” melhor porque tenho certeza que já te pedi “pra” não me chamar de senhora – brincou, e eu sorri, a mãe de Duda conseguia ter o sotaque muito mais carregado que o dela, sotaque esse que eu achava uma graça.
— Desculpe, do... Drica! – corrigi-me
— Bem melhor! – ela sorriu – Não sou tão velha assim, sou?
— Claro que não – respondi com sinceridade. Ela não aparentava ter mais que trinta e cinco anos, com um corpo bem cuidado e em forma, mas eu sabia que tinha mais que isso, se fizesse as contas pela idade de Karina.
— Agora vamos deixar de besteira porque eu tenho certeza que “cê num” veio aqui para ouvir as paranoias de uma velha com complexo de idade. A Duda “tá” lá no quarto dela, fica à vontade, Manu – disse com um sorriso que em muio lembrava o da filha e voltou para a cozinha.
— Entra! – Duda falou de dentro do quarto quando bati à porta
— Oi.. - falei ao entrar e me sentei ao seu lado na cama quando ela fez sinal – O que foi, Duda? – perguntei preocupada ao ver seu semblante abatido
— Eu descobri uma coisa, Manu. Mas não sei se estou feliz por ter “fuçado” tudo até encontrar isso. Não sei mesmo – ela olhava para baixo enquanto falava – Eu... desculpe ter te ligado, mas eu não consegui pensar em mais ninguém na hora
— Ei, tá tudo bem. Você pode me ligar sempre, Duda, sempre que você precisar, pode confiar em mim – falei segurando uma de suas mãos – Quer me contar o que você descobriu?
Duda me olhou por alguns instantes, como se me analisasse. Senti meu coração parar por um momento, e eu não conseguia respirar. Aqueles olhos escuros ainda tinham um efeito enorme sobre mim. Não tinha como não amá-los, mas o que me preocupava era a tristeza emanando deles naquela hora. Ela desviou os olhos e pegou um papel meio amarrotado que estava dobrado debaixo do travesseiro e me entregou, indo até a janela do quarto, observando algo na rua.
Cuidadosamente, desdobrei o papel em minhas mãos e li o que estava escrito, ficando perplexa com o que estava vendo. Era um documento, uma certidão, ou melhor, a cópia de uma.
— Meu Deus, então era por isso? – perguntei ainda chocada com o que tinha acabado de ler
— Não sei, Manu, não sei nem o que pensar sobre isso.Tem acontecido tanta coisa, eu não aguento a pressão, uma hora eu enlouqueço – Duda voltou a sentar-se do meu lado
— Você sabe o que tem que fazer, não sabe?
— Queria não saber. Por que eu tinha que remexer nessa história, hein? Como eu sou estúpida! Por que não podia ter seguido o conselho da minha irmã e deixado isso enterrado no passado?
— Duda, a verdade, por mais dolorosa que seja, é sempre o melhor caminho, não se culpe por isso
— A Karina me avisou, Manu, ela disse que eu não ia querer mexer nisso. Mas eu sou uma burra teimosa e tinha que ir lá procurar “pra” minha cabeça e agora estou com essa bomba nas mãos.
— Como você achou isso, Duda?
— Tava escondido em uma caixa, dentro do guarda-roupa da minha mãe. Eu disse que ia descobrir a verdade, mas agora que encontrei isso, não tenho mais tanta certeza de que quero mesmo
— Você tem conversar com a Karina, sabe disso, não sabe?
— Eu sei... Mas morro de medo de enfrentar a fera de novo – falou meio amedrontada, e nós rimos – Da última vez ela quase me escorraçou da casa dela, agora então... Pode preparar o funeral!
— Ai, Duda, credo – falei rindo novamente – Mas falando sério, o que você acha disso tudo?
— Aí é que tá, eu não sei o que achar, nem o que pensar. Acho que ainda não processei o que eu li nesse papel – vi a feição de tristeza retornar ao seu rosto e não resisti a abraçá-la
— Calma, tudo vai se resolver – falei apertando-a contra mim com toda a força para que ela sentisse que eu estava ali com ela – Você não está sozinha
— “Brigada”, Manu, por estar sempre a aqui quando eu preciso. Mesmo depois de eu ter aprontado com você – ela cutucou a ferida, mas, surpreendentemente, parecia doer um pouco menos – Obrigada por ser quem você é – Duda me apertava ainda mais forte contra si, e eu retribuía o abraço
— Eu vou sempre estar aqui quando você precisar de mim, Eduarda – sussurrei, e ficamos ali por algum tempo, até que ela se separou com um sorriso tímido no rosto.
Continuamos conversando sobre diversos assuntos, eu tentava tirar a atenção de Duda daquele documento e acho que fiz um bom trabalho. Aos poucos, a preocupação aparente em seu lindo rosto foi sumindo e dando lugar á Duda sorridente e brincalhona de sempre.
Perto de meio-dia, me despedi, resistindo bravamente ao convite de ficar para o almoço de dona Drica, alegando ter um compromisso com a minha mãe, o que era verdade.
Duda me levou até o portão, onde nos abraçamos novamente, e ela disse:
— É muito bom poder ter a sua amizade de novo, Manu. Obrigada por tudo
— Não tem o que agradecer, meu anjo, precisando já sabe – falei sorrindo e dei-lhe um tchau com a mão antes de virar as costas e seguir para casa.
Cheguei e encontrei dona Marina se virando na cozinha.
— Está atrasada – falou ao me ver
— A senhora é que está adiantada, mãe – respondi brincando
— Dessa vez passa, vem me ajudar a colocar a mesa, porque estou morrendo de fome – ela passou a mão na barriga, e nós rimos
— Juro que não sei de quem eu puxei esse meu apetite! – falei, e ela me bateu com o pano de prato
Era tão bom estar naquele ambiente descontraído de novo, mas eu ainda sentia falta de alguma coisa ali.
— Mãe, quando é que o papai volta de viagem? - perguntei quando terminamos de lavar os pratos
— Meu amor, vamos nos sentar, quero ter uma conversa com você – quando minha mãe falou, eu percebi que havia algo errado
Nos acomodamos no sofá, uma de frente para a outra, e mamãe evitava me olhar diretamente, provavelmente estava pensando no que falar.
— Então... - tomei a iniciativa
— Manu, seu pai e eu... Nós não estamos em um bom momento atualmente e achamos melhor e mais prudente que ele fique em um hotel quando voltar de viagem
— Vocês brigaram por minha causa, não foi?
— Não, não foi por sua causa, Manuela!
— Mãe!
— Tudo bem, tudo bem, mas não foi só por isso. Seu pai não tem sido mais o homem por quem eu me apaixonei quando era adolescente. Ele mudou muito, eu não consigo mais ver o Armando doce e gentil no homem que ele é hoje.
— Quer dizer que ele nunca foi viajar e que isso foi só uma desculpa que você me deu?
— Não, Manu, ele foi viajar, aliás, ainda não voltou. Parece que ele resolver estender a viagem para resolver problemas em uma cidade vizinha
— Tudo bem, eu acho que não quero falar sobre isso – pedi com desânimo, eu sabia que isso só estava acontecendo por minha culpa
— Minha filha, eu sei o que você está pensando, não faz isso, tá bem? Não se culpe, você não tem culpa de nada-
— Mãe, tá tudo bem – tive que cortá-la antes que ela me fizesse sentir ainda pior – Agora quero saber sobre a nossa ida ao Rio, ainda está de pé? - perguntei com empolgação, na esperança que ela aceitasse mudar de assunto.
— Claro que sim! Quero saber de você, pretendo sair daqui na próxima sexta, assim que você chegar da escola. O que você acha?
— Eu acho que já vou fazer as minhas malas! - respondi animada – Mas e seu trabalho? - lembrei-me desse detalhe um tanto quanto pertinente
— Eu estou desenvolvendo um projeto novo, portanto, vou trabalhar em casa durante um mês, começando na sexta
— Quanto tempo vamos ficar no Rio? Vamos ficar na casa da vovó? O pessoal já sabe que vamos pra lá? Meu Deus! Eu tenho que falar com a Júlia!
— Manu...
— Ela vai me matar se eu for ao Rio e não falar nada com ela
— Manu...
— Já até imagino o escândalo que aquela louca vai aprontar
— Manuela! - mamãe aumentou o tom até eu me tocar e me calar – Respira! - falou rindo da minha cara e eu a acompanhei
Depois da minha crise de “engoli-um-papagaio-e-não-consigo-parar-de-falar”, ficou tudo combinado a respeito da nossa viagem. Ficaríamos até a primeira semana de janeiro e depois retornaríamos para BH.
Liguei para Júlia, e passamos bons minutos fazendo planos para a minha estadia no Rio. Eu, enfim, mataria a saudade que estava da minha Cidade Maravilhosa e de todo mundo que havia deixado lá.
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o que me dizem do capítulo?
bjos e até mais