The 68th escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 26
Lembranças


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Então é isso. Sobram três pessoas na arena: eu, Madeline e o garoto do Distrito 11. No fundo, tenho um pressentimento de que, quando a hora certa chegasse, eu teria que ir contra Madeline. E Madeline é uma Carreirista, eu não. Uma luta entre nós não acabaria bem para mim.

O garoto do 11 não me preocupa; eu enfiaria uma faca em seu coração sem ao menos ter que pensar duas vezes - isso, se conseguisse, claro. Mas Madeline seria um caso diferente.

Madeline tem Jason. Se não ganhar, o Distrito 4 não provará seu valor e, consequentemente, ele não será libertado. O pior é que vi o quanto Jason significa para Madeline; o pior é que sei o quanto Madeline sofrerá se não tiver Jason ao seu lado, se nunca consegui-lo de volta.

Ela tem chances de vencer; ela tem chances de libertar o garoto que a motivou a arriscar sua vida, a mudar completamente o foco de sua existência. Madeline tem chances de, pela primeira vez, sentir-se feliz.

Porém, não demora muito até meus pensamentos sobre ela serem interrompidos pela insígnia da Capital que é estampada no céu. O hino então toca, e a insígnia desaparece, dando lugar às fotos dos tributos mortos naquele dia.

Fecho os olhos; sei que, se olhasse para o céu, começaria a chorar instantaneamente, sem parar. Mas para que fugir da verdade se o contrário não traria benefícios? O que eu ganharia fechando os olhos? O que eu ganharia evitando que a imagem de Cameron me fizesse chorar? Nada. Sei o que realmente aconteceu, eu sofri por isso e sofrerei até o fim de meus dias. Eu só não quero de modo algum aceitar que tudo isso é real. Viver na Capital me ensinou a ser forte e a defender meus valores, sejam lá quais sejam as circunstâncias. Mas, infelizmente, isso não me ajudaria a olhar para aquela foto e esquecer de quem, um dia, teve coragem de arriscar sua vida por mim.

O pior é que durante todo aquele tempo eu havia vivido basicamente da sorte. Sorte em ter mira, sorte em ter habilidade o suficiente para chegar até aqui sem um intenso treinamento prévio. Sorte, porque os Carreiristas foram piedosos e um tanto quanto sentimentais. E é obviamente fruto da sorte eu ter tido Cameron ao meu lado. Sorte, sorte, sorte. Mas estou no lugar errado; a arena não é um bom lugar para se confiar na sorte. A maior das fortunas com certeza não estava lá quando Madeline foi amarrada, muito menos quando a faca de Amelia foi cravada no peito de Cameron. Não estava presente no banho de sangue, quando 11 jovens foram mortos. Mas a sorte também não está comigo agora e não sei se estaria no momento de enfrentar Madeline ou o garoto do 11. Sem Cameron, percebo que, pela primeira vez, a sorte não está a meu favor.

Eu poderia matar um milhão de tributos, seja devido a uma mira perfeita ou a uma faca na mão na hora certa, e ainda assim não deixaria de ser a garota tonta da Capital. Aquela mesma garotinha que acreditou ser diferente, a mesma que conseguiu e perdeu tudo por conta da sorte - ou falta dela.

– June, você está bem? - ouço a voz de Madeline se aproximar de mim à medida que ela sai da Cornucópia.

– Claro que sim - minto descaradamente. - Por que não estaria?

Ela se senta ao meu lado, então continua:

– Simplesmente porque você não parou de chorar desde que chegamos, e... - ela para e respira fundo. Parece se perguntar se deveria mesmo terminar a frase ou se isso só pioraria as coisas e me faria chorar ainda mais.

– Mad, não precisa ter medo de falar sobre Cameron. Isso não vai mudar o fato de que ele se foi.

Ela fica quieta por alguns segundos.

– June.... Eu realmente sinto muito.

– Obrigada - eu digo, sentindo minha voz enfraquecer. - O que eu fico pensando é que, se não fosse por mim, ele poderia estar a salvo... - meus olhos então se enchem de lágrimas. - É tudo culpa minha!

– Você vem se culpando por cada morte que vê ou de que fica sabendo - ela diz -, mas o que precisa perceber é que estamos na Arena, e que isso significa que 23 tributos vão morrer e só haverá um vencedor. Todos querem ser esse único, June, mas nem todos podem. E não é sua culpa.

Madeline me abraça, e eu enconsto a cabeça em seu ombro. Sinto o resto do mundo girar enquanto imagens de Cameron brotam em minha cabeça. Durante to o tempo que passei na Capital, eu não fiz ideia do quanto sofreria se não o tivesse ao meu lado.

Fico ali até quando o sol começa a se pôr e o dia, a escurecer.

– Vá dormir, June - diz Madeline, olhando em meus olhos. - Você precisa descansar e esquecer de tudo isso.

Eu devolvo o olhar.

– Qual é, Mad, você sabe que eu não consiguiria esquecer.

– Eu sei - ela responde em meio a um suspiro, me abraçando. - Mas, de todo jeito, vá dormir. Eu fico de guarda essa noite, ok?

Faço que sim com a cabeça e entro na Cornucópia. Enxugo uma última lágrima e caio no sono ali mesmo, obviamente pensando em Cameron.

**

O meu sonho é, na verdade, uma lembrança. Me vejo em casa, na Capital. Estou com mais uma de minhas roupas velhas e com o cabelo preso em um rabo de cavalo apertado, enfeitado apenas por uma fita. Tanto a manhã em si quanto a situação que relembro são particularmente parecidas com o dia da Colheita.

– Pronta para mais um dia como uma aberração, tampinha? - ouço quando entro na cozinha.

– Cale a boca, Cameron, eu não vou desistir de minhas roupas e virar um palhaço como vocês.

Ele ri.

– Acho que nós não somos os palhaços aqui, não é?

Eu não respondo.

– Você não percebe que você não pertrence a esse lugar? - ele continua. - Ninguém te quer aqui, June, ninguém.

Tento bolar algo para dizer em resposta, mas nada me vem à cabeça. Só consigo pensar em como Cameron pode ser assim... Eu sou sua irmã, ele não deveria fazer isso comigo. Sem outra opção, começo a chorar.

– Eu... eu quero que você morra! - grito, e logo depois a lembrança é interrompida. Interropida por um tiro de canhão.

Abro os olhos subitamente, ainda tomada pelo susto. Olho para os lados, e sinto meu coração bater mais rápido. Não pode ser.

– Madeline? - grito, sedenta por uma resposta. - Mad?!

Mas é quando saio da Cornucópia que vejo o que certamente não gostaria. Madeline está atirada na neve, seu olhar congelado, seu corpo ensanguentado. Suas costas estão abertas e reconheço o corte como vindo de um facão. Um golpe certeiro por trás que fez soar o tão temido canhão.

Sinto meus olhos se encherem de lágrimas. Ela não voltaria a seu distrito, não libertaria Jason. Madeline não teria chances de, nem sequer uma última vez, dizer a ele o quanto o ama.

Mas, subitamente, outro pensamento invade minha mente. Se Madeline está morta, sobramos na Arena eu e o garoto do Distrito 11. E isso significa que o próximo passo dos idealizadores seria planejar a final.

É isso mesmo. Eu, June Haylon, estou na final da Edição de número 68 dos Jogos Vorazes.


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Notas finais do capítulo

Confesso que fiquei com consciência pesada de matar a Mad. Considerei por muito tempo fazer ela a Vitoriosa, mas acabei mudando de ideia. (Rescrito em 11/12/2014)



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