The 68th escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 16
Como Ser um Completo Idiota


Notas iniciais do capítulo

3 capítulos em um dia? 3. Fucking. Capítulos. Em. Um. Dia.
Espero que gostem!



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Corro o mais rápido que posso sem olhar para trás, desviando de pinheiros, escorregando na neve ou tropeçando em pedras. Mesmo assim, corro.

Meus pensamentos me atormentam; será que não teria oportunidade de me despedir de Cameron? Será que nunca mais poderia olhar em seus olhos e dizer que o amo? Por sorte, são preciso apenas mais alguns passos para saber que estou errada.

Cameron está vivo, graças a Deus.

Mil coisas passam por minha mente assim que descubro que ainda tenho tempo. Percebo que Cameron se ofereceu por mim, mas que ainda assim não nos vimos na arena até aquele momento. Percebo que sou uma péssima irmã por deixá-lo sozinho com sua nota 3 e sua não habilidade com... Nada. Percebo que fui egoísta, mesquinha e centrada somente em mim mesma. E, por fim, percebo que, se Cameron estivesse morto, a culpa seria toda minha.

A partir desse momento, me entrego a ele. Faço um acordo com mim mesma e juro que farei o possível para me dividir entre os Carreiristas e Cameron. Meu plano, agora, teria três caminhos: a minha vitória, a de Joy e a de Cameron. No terceiro caso, ele poderia espalhar minha memória e meus pensamentos para toda Panem, e, mesmo que não lute como eu e Joy faríamos, Cameron estaria vivo. E conseguir salvá-lo, percebo, vale o mesmo que minha vitória ou o sucesso de meus planos.

Cameron é minha família. Cameron está vivo. E eu ainda posso salvá-lo.

– Cameron! - grito, afinal, aliviada. - Achei que você estava...

Acabo notando tarde demais que ele está ocupado demais para me ouvir, e sua atenção parece nesse momento estar concentrada somente nos lábios de Sally Thomas, do Distrito 7.

Será que nenhum tributo dessa arena consegue focar, digamos, na arena?

– Cameron Haylon, o que pensa que está fazendo? - grito sem pensar e o faço o mais alto que posso, tendo consciência de que soei exatamente como minha mãe.

Mas não importa. Ele está beijando uma garota, não em circunstâncias normais, mas nos Jogos Vorazes, literalmente. Quem sabe uma boa ficada antes da morte valha o desfecho trágico, não é? Fico indignada com sua ingenuidade. Uma análise relativamente - ou, considerando as circunstâncias, extremamente - sensata da situação cairia bem nele nesse momento.

Mesmo assim, meu irmão não me responde, forçando-me a puxá-lo pela gola da jaqueta, separando-o daquela filha da...

– Ei! - Sally se manifesta, zangada. - O que foi isso?

– Isso se chama inteligência. É bem legal, tentem um dia - digo, sarcástica. - O que vocês estão fazendo? Vocês... Vocês deveriam estar se matando, pelo amor de Deus!

Cameron se levanta, e percebo que se posiciona à frente de Sally, ao mesmo tempo arriscando-se e colocando-se na defensiva.

– Me desculpe, June - ele começa -, mas você deixou bem claro que não precisávamos ficar juntos na arena. Sendo assim, não acho que tenha alguma coisa a ver com tudo isso, ou melhor, comigo.

Sinto-me ofendida. Suas palavras não fazem nenhum sentido depois de tudo por que passamos. Subo o tom de voz involuntariamente, tomada pela raiva:

– Eu sou sua irmã, Cameron! E você... - digo, agora me referindo a Sally. - Quem você pensa que é para achar que tem o direito de engolir meu irmão desse jeito?

– Que tal a namorada dele? - Sally ataca com o mesmo tom irônico que usei para me dirigir a ela antes.

– Ah, pelo amor de Deus! - exclamo, revirando os olhos.

Porém, poucos segundos bastam para que eu deixe de me importar com o absurdo que foram as palavras de Sally. Então, não estou mais impressionada por sua ousadia ou seu sarcasmo, pois, de repente, a arena parece congelar. Estou agora junto aos dois no Centro de Treinamento na Capital. Sally e Cameron, ambos mutilando bonecos de plástico com espadas, estão muito próximos um do outro. Sally, mesmo sendo do Distrito 7, não teria chances na disputa por um dos machados na Cornucópia, e seu modo desajeitado de manusear a espada faz Cameron rir, e vice versa. Penso na nota 3 que ele recebeu. Sob a perspectiva que adquiro durante os últimos segundos, ela não é mais tão surpreendente.

Avanço um pouco até o dia da entrevista, tendo em mente como Cameron voltou para o edifício só depois de ter visto as entrevistas do Distrito 7. Ou melhor, só a do tributo feminino.

Lembro-me também de nossa briga em seu quarto, e de como ele tinha uma mancha vinho no lábio superior. E vinho era, por acaso, a cor do batom de Sally na entrevista.

Quando finalmente volto à realidade, percebo que os dois voltaram a se beijar. Não é a toa que só Cameron sabe como me provocar da pior e mais profunda maneira possível.

– Se é para ser uma novela mexicana, por que não vamos direto aos tapas? - O sarcasmo ainda é a única maneira que encontro para me expressar no momento. Não deixaria Sally ser a única afiada naquela conversa.

Cameron então olha em meus olhos, e vejo que não está nada feliz.

– Não está na hora de você voltar para os seus amiguinhos Carreiristas? Sabe, para que eles te protejam, já que essa tarefa não é mais minha.

Preciso pensar durante alguns segundos em como contestar.

– E como você sabe que estarei protegida com eles? - pergunto a ele, enfim.

Mas é Sally quem resolve responder:

– Ele pode não saber, mas o garoto do 1 sabe. Garret, não é?

Que fique marcado na história o dia em que foi inventado um novo tom de vermelho. O mais forte, mais intenso, mais pigmentado: o que minhas bochechas adquirem assim que Sally diz que me viu com Garret.

Eu quero tanto acabar com essa vaca.

Antes de qualquer manifestação de Cameron, conto a verdadeira versão da história, mas Sally não parece acreditar em mim. Cameron, porém, acredita; e é só isso que me importa.

Sem mais esclarecimentos, vou embora e deixo Cameron com Sally sozinhos. Não sei por que pensar assim não me tranquiliza, porém.

No caminho, atiro algumas facas em esquilos, imaginando-os com o rosto de Sally. De certo modo, acertá-los torna-se um pouco mais fácil. É quando estou prestes a atirar em meu décimo esquilo que percebo que estou sendo seguida.

– O que você quer, Cameron? - pergunto em direção ao nada, sem dúvidas de que o dono dos passos que ecoaram é meu irmão.

– Quero que você pegue leve com ela - ele responde. Sua voz a princípio é só mais um som que escuto atrás de mim, mas acabo eventualmente virando-me para ele e, assim que o faço, reviro os olhos.

– Ok, eu posso pegar leve com ela - afirmo, e o vejo respirar fundo. Eu não acabei–, mas você não pode. Escute, eu dei uma olhada nas coisas de vocês. A única arma que têm é uma espada, presa ao cinto de Sally. E ela a tem porque roubou dos Carreiristas, o que significa que vocês não conseguiram nada no Banho de Sangue, o que significa que ela não é uma boa competidora, o que significa que não te ajuda em absolutamente nada tê-la como aliada. - Não sei exatamente de onde vem todo o raciocínio mas, quando termino de falar, percebo que minha fala de certa forma fez sentido apesar de eu não ter realmente pensado em tudo aquilo quando vi uma ponta de espada. - Se você bobear, Cameron, aquela lâmina brilhante vai te cortar ao meio. Fácil, fácil.

Ele tenta argumentar, mas eu sou mais rápida:

– Jurei a mim mesma te proteger, então vou voltar aqui todos os dias, e trate de me avisar se mudarem de acampamento. Essa menina é perigosa, Cam, não por ser habilidosa, mas por estar o mais perto de você que qualquer tributo jamais estará. - Ele abre a boca para fazer um comentário, mas impeço mais uma vez que fale. - Nem venha me dizer que a ama, porque não é verdade, você sabe. Tenha em mente que qualquer coisa que você fizer com ela pode ser fatal, e que tudo o que eu fizer é porque quero te proteger. Eu, sim, te amo.

Cameron aperta os olhos de maneira desconfiada.

– Você quer dizer... como você disse ao garoto do 1 também?

Touché. Ele consegue, e eu não tenho mais argumentos com os quais rebater sua fala. É claro que eu não disse que amava Garret e que Cameron sabe disso, mas entendo seu ponto, e sinto a ponta de sua espada tocar-me direto onde ele queria que eu a sentisse

– Venha falar comigo quando perceber a besteira que está fazendo - respondo, ainda que saiba que estou esgotada, sem mais nada em que pensar e muito menos o que dizer.

De qualquer maneira, Cameron está errado. Eu sei disso e nada vai me provar o contrário. Afinal, o lema dos jogos já diz: matar ou morrer. Amar não está incluso. Nem namorar. Nem beijar. Nem ser um completo idiota.


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Notas finais do capítulo

AMEI ESSE FINAL. (Rescrito em 03/12/2014)



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