The 68th escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 12
Sangue na Neve


Notas iniciais do capítulo

Bom, primeiro eu queria agradecer pelos reviews, deu pra perceber que estão gostando da história :) enfim, esse é o tão esperado capítulo da arena! Espero que gostem, boa leitura!



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Acordo com um grito, com um som de pavor, uma manifestação de medo. Ou será que devo dizer minha manifestação de medo? Afinal, hoje, seria jogada em uma arena onde poderia morrer em um piscar de olhos. Acho que esse é o motivo que resume todo o meu pavor.

Levanto-me e apoio meus pés descalços no chão de mármore. Vejo que há um traje separado em cima da poltrona; mexo no mesmo, dobro e desdobro até perceber que são calças largas, uma camiseta de algodão e uma jaqueta que devia nos aquecer no frio e nos refrescar no calor. A escolha perfeita de roupas nas quais matar. Ou morrer.

Me visto em poucos minutos, mas, quando saio do quarto, passo reto pela cozinha e não tomo café da manhã. Ninguém contesta minha atitude; acredito que nenhum tributo seria abordado hoje. Considerando nosso futuro próximo, o silêncio para podermos nos perder nos próprios pensamentos é um direito básico.

Burton me acompanha até o aerodeslizador que nos levaria para a Arena. Entre nós, não trocamos uma única palavra sequer, e, quando chega a hora de nos despedirmos, não é diferente.

Tomada pelo nervosismo, sigo sozinha por aquele último trecho aberto até o aerodeslizador. Isso, porém, até o momento em que sou parada por trás.

É Burton.

– Achou mesmo que eu ia te deixar ir sem mesmo te dizer boa sorte?

– Claro que não. - É só o que digo em resposta. Porém, além disso penso que eu também não conseguiria suportar não me despedir dele.

Permanecemos em silêncio, um encarando os olhos do outro, até que Burton coloca a mão no bolso da calça e tira algo de lá de dentro.

É um bolinho de chocolate.

Expresso um olhar que deixa claro que estranho a situação. Percebendo que eu ainda estou lá, Burton continua:

– Ah, desculpe, você sabe que não resisto a um bolinho.

Sorrio.

– Tudo bem. Bom, já está na minha hora, e...

Mas ele me impede de terminar a frase, e o faz dando-me um abraço apertado.

– Você é especial, June. Faça o que acha que deve fazer e... Bom, é isso; acho que já julgaram demais suas decisões.

– Obrigada, Burton. - Agradeço do fundo de meu coração. Seu afeto me aquece, de certa forma; parece me proteger para o que quer que fosse vir a seguir.

Então, sabendo que não aguentaria mais despedidas, corro para o aerodeslizador. Sem deixar que muitos percebam meus movimentos, enxugo a lágrima que escorre ao longo de meu rosto.

"Você é especial, June."

Entro no aerodeslizador e sento-me entre Joy e Chad. Ninguém fala nada, a não ser a mulher que passa por todos nós injetando um pequeno rastreador em nossos braços direitos. A picada dói, mas o incômodo é passageiro; a cicatriz, porém, parece que permanecerá.

O vôo demora bastante, ou talvez seja culpa de meu nervosismo que acaba desacelerando o tempo. É incrível como o universo parece me sabotar só porque minha única vontade é de acabar com toda aquela tensão, aquele medo do desconhecido. Temer o que vem pela frente sem saber do que isso se trata é realmente a pior sensação do mundo.

Como sempre, não somos permitidos de ver a Arena antes da hora certa; ao invés disso, nos conduzem até uma sala subterrânea junto a nosso estilista. No meu caso, Fennie está pronta para mim, e sua aparência não é menos deslumbrante do que o resto das vezes em que a vi.

Quando entro na sala escoltada por um Pacificador, paro em sua frente e percebo uma lágrima em seu rosto. Ela me abraça, pressionando-me contra seu corpo, com seu ar protetor que me dá uma certa segurança.

– Você vai sair dessa, June. - Ela me assegura com convicção - Eu sei que vai.

Em resposta, intensifico o aperto e torço para nunca mais ter de sair de seus braços. Fennie. Meu campo de proteção. Aquela que acredita em mim. Aquela ridícula mulher da Capital. Aquela ridícula mulher da Capital a quem aprendi a amar muito.

E o que consigo dizer, engolindo o choro, é:

– Fennie, eu sei que as coisas que vou fazer na Arena podem parecer absurdas no começo, mas... quero que guarde que sei o que estou fazendo, e que é para uma boa causa.

– Mas do que... - ela começa, confusa.

– Eu também não sei se isso vai ser preciso, mas... É um precaução. Decidi que ninguém influenciaria em minhas decisões na Arena, e sabe-se lá onde posso chegar tendo isso em mente. Posso ser um tanto... Estúpida, às vezes. Mas sei que, não importa a besteira que eu faça, terei de forma muito clara em minha cabeça o porquê disso.

Não sei porque, mas, de certa maneira, sinto como se Fennie precisasse desse aviso. Ela é uma das únicas pessoas a quem não quero desapontar, então decido que é melhor prepará-la para o que quer que eu diga sem pensar naquela arena. Depois de todas as dúvidas a respeito do meu plano, não posso assegurar que vou segui-lo da maneira mais responsável possível.

Ela me abraça novamente, e o auto-falante soa ecoando uma voz que diz:

– 30 segundos.

As lágrimas se descontrolam, e eu tenho vontade de simplesmente sair andando.

Você tem um objetivo, June. Chegou até aqui, e mesmo assim vai deixar que o medo te impeça?

– Não. - Afirmo para convencer a mim mesma.

Caminho em direção a um tubo transparente que se fecha em volta de mim e, lentamente, sinto meu corpo subindo e a presença de Fennie, diminuindo.
**

10 segundos.

Olho em volta. Estou entre o garoto do 9 e minha aliada Madeline Pryce, do Distrito 4.

9 segundos.

Percebo que os outros Carreiristas olham para cada um dos tributos, provavelmente tentando decidir quem matariam primeiro. Seria a garota do 12, com nota 5? Ou o garoto do 9, com nota 7? Ou talvez o do 11, com nota 4.

Ou talvez Cameron, penso eu, com nota 3.

8 segundos.

Amelia encara as facas e espadas. Com isso eu não deveria me preocupar; ela as dominaria e impediria que qualquer outro tributo as pegasse. Bom pra mim, uma vez que pelo menos minhas armas já estariam garantidas.

7 segundos.

Garret domina os machados da Cornucópia somente com os olhos. Haveria luta entre ele e o garoto do Distrito 7, com certeza, mas uma coisa está clara antes mesmo de qualquer combate: pelo menos um dos machados seria dele. Pelo menos.

6 segundos.

Joy prepara-se para agarrar o único arco e a única aljava de flechas disponíveis. Vira-se para mim e pronuncia, silenciosa, porém claramente:

"Mate."

5 segundos.

Não pensei nisso ainda. Isto é, não pensei que teria de matar alguém no famoso Banho de Sangue do primeiro dia. Eu sou uma Carreirista. Eu tenho que matar.

4 segundos.

Madeline encara o tridente e Trevor, as lanças, apesar de treinar com pesos no Centro de Treinamento. Os outros tributos parecem temer Trevor. Acho que ele será um bom aliado.

3 segundos.

Chega a hora de mostrar meu objetivo. Fuzilo as facas com o olhar, aproveitando que minha única concorrente seria minha aliada. Mostro que a Cornucópia será minha, mostro para os outros tributos que há o que temer em mim.

2 segundos.

Percebo que Chad lança seu olhar mortífero para um tributo especificamente: Cameron. Tenho que achar um jeito de impedir que aquele assassino chegue até meu irmão.

1 segundo.

"Corre", pronuncio silenciosamente para Cameron. Por sorte, ele parece entender.

E soa o sinal que indica que a edição 68 dos Jogos Vorazes oficialmente começou.

Corro até a Cornucópia. Na verdade, sou mais rápida do que imaginei. Chego antes de Amelia e pego as oito facas, mostrando que ela poderia correr direto para as espadas já que Chad pegou as outras sete restantes. Assim, tira-se todas as facas oficialmente dos pensamentos - ou vontades - de qualquer outro tributo.

Vejo Joy lutando com a menina do 3 para chegar até o arco e as flechas. Sem pensar, atiro uma faca sem saber muito bem onde ou se a arma atingiria a garota. Por sorte, o faz, fazendo-a cair inconsciente na neve.

Neve? Sim, a Arena é uma floresta de coníferas, uma típica taiga, com pinheiros mais ao leste e geleiras por todo o perímetro. O chão é inteiramente congelado, o céu totalmente coberto por neblina. Mas o sol... por mais que não pareça, sim, está quente. Uma taiga computadorizada com direito a todo e qualquer fenômeno que possa nos atrapalhar.

Em poucos segundos o corpo morto da garota que matei é "sugado" por um aerodeslizador que surge no céu. Acredite, essa não é uma cena boa de se ver. Volto minha atenção novamente para Joy, que me agradece enquanto agarra a aljava.

O garoto do 10 tenta me golpear com uma espada, mas eu desvio. Então, enfio a faca que tirara do corpo morto da menina do 3 diretamente no coração do 10, me aproveitando ao máximo da proximidade que consegui entre nós. Sem pensar, pego a mochila que estava em seu ombro até então.

A angústia me domina; matei duas pessoas em menos de um minuto. Contudo, isso não pode ser um problema; afinal, eu sou uma Carreirista.

Não, June, não é um problema.

Em poucos segundos, a Cornucópia não passa de vestígios de sangue e do acampamento de nós, os Carreiristas.

Sem maiores preocupações, vasculhamos o grande chifre prateado e juntamos o que sobrou com o que agarramos durante o Banho de Sangue. Garret começa:

– Bom, temos um tridente, quinze facas, um arco e uma aljava, uma lança, duas espadas e um machado. A Capital pegou uma mochila do garoto morto, e eu peguei alguns potes e cantis para água, além de umas coisas inúteis como um rolo de arame.

Joy agarra o arco e a aljava de flechas, Madeline, o tridente. Trevor toma posse da lança, enquanto eu, Chad e Amelia dividimos igualmente as facas. O "igualmente", porém, acaba incluindo o fato de eu fingir que não noto quando Amelia rouba duas de minhas facas, o que acaba me fazendo parecer um tanto idiota. Confesso que não ligo.

Garret movimenta o machado nas mãos, como se estivesse testando a melhor maneira de segurá-lo quando fosse matar alguém. E, por fim, Amelia agarra sua segunda arma: a espada. Duas delas, além de suas cinco facas somadas às outras duas bônus.

Duas espadas? Sim. E isso significa que, ou Cameron havia seguido meu conselho, ou Amelia o havia matado na luta por uma espada.

Torço então para que Cameron tenha me ouvido.

Divididas as armas, verifico a mochila que peguei do garoto do 10. Nela, encontro um saco de dormir, um par de meias, um pacote de frutas cristalizadas e... um remédio. Guardo rapidamente este no bolso da calça para que ninguém o veja. Tenho então um pressentimento de que esse seria útil em algum momento naquela arena.

Tomo um susto quando Trevor pergunta:

– O que conseguiu aí, Haylon?

– Nada de mais - minto -, só um saco de dormir, um par de meias e umas frutas cristalizadas.

Por sorte, ele não está falando do remédio.

– Ei, 6 - então olho e vejo Chad me chamando -, troco meu rolo de arame pelo seu par de meias.

Não me parece uma boa ideia recusar, o que pode resultar ocasionalmente em minha morte, nas piores circunstâncias.

– Feito. - Resolvo, então lanço-lhe meu par de meias, recebendo o arame em troca.

Juntamos toda a nossa comida e Garret elabora uma armadilha em volta dela, com a qual eu provavelmente iria demorar para me acostumar.

No fim do dia, a insígnia da Capital aparece projetada no céu enquando o hino toca. Em seguida, observamos os rostos dos tributos mortos serem igualmente projetados. Conto nos dedos 11 mortos.

Restam 13 entre 24 tributos: Eu, Joy e Garret do Distrito 1, Chad e Amelia do 2, Madeline e Trevor do 4, a garota do 5, ambos os tributos do 7, a garota do 9, o garoto do distrito 11 e... Cameron. Por sorte, ele está vivo.

Nessa noite, me ofereço para ficar de guarda e Joy me acompanha.

Enquanto os outros cinco Carreiristas se perdem em meio a um sono profundo, eu e ela resolvemos falar mais sobre nosso "plano", digamos assim.

– June, temos que esperar até o número de tributos baixar para...

– Shhh! - Faço questão de lembrá-la - Há câmeras espalhadas por toda a Arena. Temos que tomar cuidado com o que dizemos.

Ela concorda com a cabeça e continua, dessa vez usando um tom mais baixo:

– Vamos agir como estamos agora até matarmos todos os outros tributos. Quando a hora chegar, matamos os Carreiristas. Pelo menos uma de nós provavelmente sobreviverá para... você sabe.

Confirmo com a cabeça, e continuamos a montar guarda como se nada tivesse acontecido. Viro-me para trás para me certificar de que todos estão dormindo, mas infelizmente percebo que não tenho sucesso, quando miro nos olhos de Madeline Pryce, totalmente despertos e brilhantes em meio à escuridão.


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Notas finais do capítulo

Gostaaaaaram? Façam suas apostas: o que vai acontecer com a Madeline agora que as duas sabem que ela ouviu tudo? (Rescrito em 25/11/2014)



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