Os seguintes dias correram mais ou menos como costumava ser nos anos anteriores em que estivemos no acampamento. E no caso de Percy e eu aquilo não era bom. Afinal esse verão vinha sendo muito melhor do que os anteriores até então. Mas depois daquela noite em que eu aceitei ficar no chalé de Poseidon, tudo havia mudado. Eu já não conseguia agir normalmente com meu namorado. Ainda tinha muita vergonha do que havia acontecido naquela noite. Eu até mesmo passei a trata-lo com mais frieza e a evitar encontra-lo a sós. Resolvi focar minha atenção em outra coisa. Então passei a me dedicar totalmente nos treinamentos e atividades do acampamento.

Claro que Percy logo percebeu a minha mudança de comportamento. No começo agiu como se nada tivesse acontecido. Não perguntou nada sobre o assunto. Ele devia ter adivinhado o quanto eu havia ficado constrangida com aquela situação. Porém, depois de uma semana que eu continuei dando um verdadeiro gelo nele, Percy resolveu que algo tinha que ser feito. Ele provavelmente queria me fazer acordar, reagir. Foi então que ele, depois de tomarmos café aquela manha, me levou até um lugar reservado para conversamos. Eu ainda tentei relutar, mas ele se mostrou insistente o suficiente para me convencer.

Ele sentou-se em um banco que ficava de frente para o lago. Depois indicou para que eu me sentasse ao seu lado. Sentei-me e fiquei naquela postura ereta e distante que havia adotado nos últimos dias. Percy segurou a minha mão e então começou a falar.

- Annie, olhe pra mim.

Demorei, mas enfim consegui olha-lo nos olhos. Percy tinha uma expressão de preocupação que me fazia sentir ainda mais culpada.

- Acho que temos um assunto pendente.

- Temos? – me fiz de desentendida.

- Temos sim. E você sabe muito bem o que é.

- Não sei Percy. Acho que não temos assunto nenhum pendente.

- Já chega Annie, não aguento mais essa sua apatia. Agindo como se nada tivesse acontecido. Me evitando o tempo todo. Não podemos seguir assim – Ele explodiu. Eu temia que aquilo acontecesse em algum momento. Nem eu mesma estava me aguentando mais daquele jeito. Eu nada disse, então ele continuou – Você não quer mais que fiquemos juntos?

- Não! Quer dizer, é claro que não é isso que eu quero – ouvir ele dizendo aquilo me fez reagir, enfim – é que Percy, você não entende...

- Então me explica que eu tento entender.

- Eu nunca tinha feito nada assim. Não consigo nem olhar na sua cara direito. O que é que você deve ter pensado de mim...

- Como assim o que é que eu devo ter pensado?

- Não sei, me diz você. O que pensa de uma garota que quase perde o controle a primeira vez que dorme na cama do namorado? – Eu já não olhava pra ele ao falar, estava me sentindo muito envergonhada de lembrar-me do meu comportamento.

- Então é isso? – ele fez uma cara de alivio como se as suas suspeitas fossem muito mais graves – Sabe o que eu penso de você pelo que fez? Que é uma garota normal como qualquer outra!

- Há, tá bom! – eu disse enquanto revirava os olhos, não botando nenhuma fé no que ele estava dizendo. Provavelmente ele dizia aquilo para eu não ficar mal.

- Ok, talvez não seja igual a qualquer garota mortal, afinal você é uma semideusa. Mas fora isso não tem porque achar que o que fez foi errado. Você acha que todo mundo já nasceu sabendo tudo sobre como agir quando seu corpo passa por mudanças ou sobre como se comportar quando passa a noite com o namorado?

- Não. Mas eu esperava que eu soubesse ao menos controlar meus “instintos” e “vontades” – disse fazendo um esforço muito grande para que aquilo não soasse tão idiota quanto eu estava ouvindo em minha cabeça.

- Eu confesso que também achei. Mas sei lá, podemos tomar isso como uma lição. Pra tentar ir mais devagar, ou então pra saber a hora certa de nos entregarmos de uma vez a isso.

- É ai que está. Não sei se já é a hora certa. Não me sinto preparada ainda. Mas ao mesmo tempo sinto que se me deixasse levar eu acabaria ‘perdendo o controle’ de novo.

- Eu não vou deixar que isso aconteça. Espero o tempo que for para que esteja pronta. É só confiar em mim!

- Eu confio. É em mim que não tenho confiado muito.

- Então deixa eu te ajudar com isso. Ficar se fechando e fugindo de mim não vai adiantar nada.

- Eu sei. No fundo eu já sabia. Mas não queria encarar isso, estava adiando algo inevitável. Cedo ou tarde teríamos que falar disso.

- Mas nem foi assim tão ruim, foi?

- Não. Ao contrário, foi ótimo! – sorri e me virei pra ele. Agora eu já estava com uma postura mais relaxada. Era como se tivesse tirado um peso enorme das costas. Não sei porque eu ainda tinha tanto receio em conversar com Percy. Sempre me fazia bem.

Nos abraçamos e ficamos assim por um tempo. Melhor do que conversar com meu namorado era poder ficar assim pertinho dele. Todas as minhas incertezas se dissolviam e eu me sentia segura de novo. Alguns minutos depois Percy se afastou. Ele me olhou nos olhos e depois me beijou. Um beijo cheio de vontade, mas também com muito carinho. Depois ele se levantou e estendeu a mão pra mim para me ajudar a levantar também.

Caminhamos de mãos dadas pelo acampamento, não sabia para onde estávamos indo, mas também não me importava. Enquanto andávamos avistei de longe um dos campistas veteranos que havia lutado com a gente na Guerra dos Titãs, Travis Stoll, filho de Hermes. Vê-lo sempre fazia lembrar-me de Luke, mas não era hora pra dizer nada sobre isso. Ao lado dele, com seus inconfundíveis cabelos ruivos, estava Rachel Elizabeth Dare. Só depois que fui perceber que os dois estavam de mãos dadas. Arregalei os olhos e parei de andar, fazendo Percy parar também e olhar na mesma direção que eu olhava perplexa.

- Ah sim, esqueci de comentar, Rachel e Travis estão “ficando” há algumas semanas.

- Nossa, eu nunca poderia imaginar os dois juntos. Mas até que eles combinam – falei ao analisar o casal de longe.

- Eu também não! Quando ela me contou durante a “Caça ao Tesouro” eu achei que estava brincando.

- Vocês ficaram bastante tempo juntos então durante os jogos né? – eu ainda não tinha engolido o fato de ele estar conversando a sós com ela aquele dia. Mas não podia falar nada porque se não teria que contar que ouvi sua conversa escondida.

- Um pouco só. Fazia tempo que não nos víamos dai estávamos pondo o papo em dia – ele deu uma olhada pra mim que ainda estava com aquela cara de poucos amigos – Amor, eu adoro quando você sente ciúmes de mim, mas sabe que não tem nada a ver eu e a Rachel né?

- Sei...

- E outra, ela parece estar realmente gostando bastante do Stoll, ainda que isso seja estranho – ele riu depois de falar aquilo.

- Mas quando você gosta de alguém você não liga se essa pessoa tem a ver com você ou não, simplesmente acontece.

- Tem razão, quando eu ia imaginar que um dia fosse me apaixonar por uma filha de Atena chata e mandona – tentei fugir enquanto tentava fazer uma cara de brava pra ele por causa daquela brincadeira sem graça. Mas ele acabou conseguindo me abraçar pelas costas me impedindo de ignorá-lo – É brincadeira amorzinho! Não fica brava vai...

Eu cruzei os braços em frente ao corpo enquanto ele ainda me abraçava. Não respondi por um momento, mas depois acabei caindo no riso.

- É engraçado quando você fica ‘desesperado’ assim tentando se desulpar, achando que vou ficar chateada com você – falei enquanto me virava pra ficar de frente pra ele.

- Ahhh então só estava se fazendo de sonsa né? Agora você vai me pagar...

Eu corri antes dele terminar a frase. Ele veio atrás de mim e me perseguiu por alguns metros até me alcançar facilmente. Ele me agarrou e como estávamos os dois em alta velocidade acabamos caindo. Ele girou o corpo para cair por baixo de mim. Por sorte caímos em cima de um monte de folhas que estavam ali no chão. Eu ainda ria descontroladamente depois daquela brincadeira boba de criança que tínhamos feito. Fui parando aos poucos enquanto olhava pra ele. Sorri e o beijei.

Eu esperava me sentir mais tensa e insegura numa situação daquelas depois do gelo que tinha dado em Percy. Mas tudo parecia ter voltado a ser como era antes. Eu o beijei de forma urgente, mas dessa vez com mais controle. Talvez por que dessa vez a gente estava num lugar público podendo ser vistos por alguém. Ele colocava as mãos em meus cabelos enquanto me beijava, afastando-os do meu rosto. Eu segurava em seus ombros e respondia a cada um de meus movimentos cuidadosamente.

- Cof, cof... será que não tem ninguém pra me receber nesse acampamento? – após pigarrear, uma voz muito conhecida nos interrompeu, fazendo-nos ficar extremamente constrangidos com o que estávamos fazendo.