Charlotte descia as escadas correndo, pulando dois degraus
de cada vez. Ela enfiava os livros na mochila sem nem se preocupar se eram as
matérias que teria nesse dia. Ela estava atrasada, ou melhor, mais que
atrasada.

–Aonde você vai com tanta pressa?- perguntou seu avô quando ela tomou sua xícara de leite em apenas um gole.

–Para a escola- ela respondeu

–E não tem tempo nem de tomar um café decente?

Charlotte não respondeu de tão concentrada queestava em procurar o seu casaco.

–Ah, os jovens de hoje em dia, nunca possuem tempo para nada e sempre estão atrasados para tudo- disse sua avó entrando na cozinha- Aliás, seu casaco está no sofá da sala.

Charlotte o achou e o vestiu rapidamente.

–Charlie, eu quero você em casa as cinco em ponto- falou sua mãe enquanto ela descia as escadas.

–Ok. Cinco horas eu estarei aqui.

Ela pegou a mochila e a jogou nas costas indo emdireção à porta.

–Tchau, mãe- gritou depois que a porta já se fechara atrás de si.

Charlotte logo atravessou o jardim da frente e alcançou à calçada. Nesse momento seu passo se acelerou mais ainda.

Ela não gostava de se atrasar, e geralmente ela nunca se atrasava. Mas dessa vez não teve jeito. Passara a noite da véspera inteira entrando e saindo de sonhos, todos totalmente desconexos, mas que terminavam da mesma forma: ela sozinha em um corredor. Ela não sabia aonde esse corredor a levava, pois quando chegava nessa parte do sonho ela sempre acordava. Porém ela possuía o pressentimento de que se descobrisse, não gostaria do que veria.

Enquanto caminhava, meio que correndo, ela pensavanas possibilidades da continuação do seu sonho, e ficou tão absorta nesses pensamentos que pisou em falso se desequilibrando toda. A mochila que estava apenas em um ombro, caiu, e  como ela se esquecera de fechá-la, todas as suas coisas agora se encontravam espalhadas pelo chão.

–Merda- ela disse enquanto se abaixava para recolher seus livros.

–Charlie!- ela escutou uma voz conhecida lhe chamar.

Ela levantou a cabeça e notou um carro preto parado ao seu lado na rua.

–Oi, Sra. Anne!- diz se levantando e ajeitando o longo cabelo que ficara um pouco bagunçado.

–Oi, querida- cumprimentou Anne com um sorriso-Está indo a pé para a escola?

–Sim, é que eu acordei tarde e o John já tinha saído.

Anne continuava lhe olhando com um sorriso no rosto. Ela era a melhor amiga da sua mãe desde os tempos de colégio, além disso, era também sua vizinha. Charlie possuía por ela um grande carinho e consideração, devido ao fato de ela ter ajudado sua mãe a se recuperar do divórcio.

Seus pais se separam quando ela tinha dez anos. Aos onze, sua mãe decidiu que iria deixar Londres e voltar a morar com seus avôs na cidade de Holmes Chapel, onde ela nascera.

–Entra aí- falou Anne tirando Charlie dos seus pensamentos- Robin e eu vamos passar pelo colégio e lhe damos uma carona.

Após Anne dizer isso, o homem ao volante se inclinou para frente permitindo que Charlie o visse.

–Oi-ela o cumprimentou

–Vamos Charlie, não vai nos atrapalhar em nada. Já tínhamos que levar esse aqui mesmo- disse Robin apontando para o banco de trás.

Charlotte congelou. Ela já sabia a quem ele estava se referindo e não gostou nem um pouco de saber que ele também estava dentro do carro.

“Mas é claro que ele deveria estar dentro do carro” pensou com raiva “ela é a mãe dele”.

–Não precisa, eu chego lá num minuto- falou enquanto tentava pensar numa desculpa mais elaborada e eficiente.

–E chegar lá descabelada?- perguntou Anne- Nem pensar! Entra aí e não discutiremos mais o assunto.

Diante disso, Charlotte não deve alternativa a não ser aceitar a carona.

“Porque tinha que se atrasar?” pensou Charlotte “Justo hoje”.

Ela abriu a porta praguejando consigo mesma. Quando olhou para dentro, deu de cara com aquele com quem estava tentando evitar.

Os cabelos escuros e encaracolados do menino estavam jogados para o lado despreocupadamente. Ele estava vestindo o terno azul escuro do colégio por cima de uma blusa branca básica, um jeans e um all-star branco, o modo como ele tipicamente se vestia. Os colares estavam à mostra inclusive o que era em forma de um aviãozinho de papel que trazia enormes recordações para Charlie, lembranças que ela queira evitar.

Charlotte estava absorta tentando digerir aquela imagem e mais tantas outras que estavam passando por sua cabeça que nem notou o modo intenso em que aquele par de olhos verdes a estava encarando.

Meio constrangida, Charlotte despertou do seu transe ao ouvir a suave voz do garoto falando com ela.

–Bom dia, Charlie!- disse ele enquanto ela entrava no carro e se sentava ao seu lado no banco.

–Bom dia, Harry- ela respondeu tentando controlar a voz para parecer o mais calma possível.

Tão empenhada ela estava em controlar o tom da voz que se esqueceu completamente de controlar a sua força e acabou descontando tudo na porta do carro.

Harry riu da cara estranha que ela fez ao fechar a porta. Charlie, muito mais embaraçada do que antes, encarava o menino com um olhar feroz tentando fazer com que ele parasse de rir, mas isso fora impossível. Seu corpo se contorcia todo, Harry estava tendo um ataque de risos.

Charlie suspirou tentando manter a calma.

Seria um longo caminho até a escola, pensou no momento em que o carro entrou em movimento.