Sexta-feira escrita por Akahana


Capítulo 1
One-shot




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Os melhores momentos haviam acontecido em sextas-feiras. Foi numa sexta-feira, depois da aula de educação de Educação Física, que ele me puxou para trás do vestiário e me abraçou forte. Tinha sido a primeira vez que tinha contato com ele a não ser um “oi, tudo bem” pelos corredores. Ele nem mesmo era da minha turma.

                Não foi um momento feliz quando soube da briga que ele tinha tido com os pais. Tinha sido o motivo pelo qual ele tinha me abraçado, não é? Mas mesmo assim, os braços fortes do garoto alto me envolvendo tão gentilmente e a voz dele me ligando no dia seguinte (mas como diabos ele sabia meu telefone, afinal?) em um fofo tom de desculpas, explicando tudo, ficarão gravados na minha mente como boas memórias.

                Na aula de Educação Física ele me puxou para trás do vestiário de novo. Ele abaixava a cabeça repetidamente, se desculpando por tudo e dizia que achou que eu tinha ficado com raiva dele e por isso não me procurou a semana inteira. Disse que não era para eu entender errado o gesto da semana anterior. E então ele ficou surpreso quando eu comecei a rir e demorou para assimilar que eu não estava com raiva. Depois de um tempo ele começou a rir junto. O som de sua risada e de sua voz seria algo de que eu lembraria toda vez que eu chorava no terraço de casa, e eu iria automaticamente sorrir.

                E na semana seguinte, nós dois começamos a matar a última aula da semana para nos sentar no gramado de um canto tranquilo do pátio e fazer nada, juntos. O sol que se punha refletia lindamente em seus cabelos pretos e, um dia, quando tirei uma fotografia dele assim, ele arrancou o celular da minha mão e colocou a recém-tirada foto como meu papel de parede. Eu nunca mais tirei aquela foto dali.

                Foi também numa sexta-feira quando ele me ligou, à noite, dizendo que precisava de um par para o aniversário de quinze anos da irmã. Eu disse que estranhariam nós dois na festa, mas ele não se importou e só disse para eu me arrumar, rápido. Ele riu antes de desligar porque sabia que eu demoro para me arrumar. Porque ele adorava rir da minha desgraça.

                A festa terminou, realmente, no sábado e eu soube que menti um pouco na minha primeira afirmação. Porque foi só no final da festa que ele me beijou, delicada e amorosamente.

                Os lábios de um garoto não deveriam ser macios daquele jeito. As mãos dele não deveriam acariciar meus cabelos tão sutilmente. E ele, definitivamente, não deveria ter um sorriso tão caloroso depois de desgrudar seus lábios de mim. Não deveria. Ele não deveria ser tão lindo. Mas eu juro que se ele não tivesse me beijado eu teria jogado ele da sacada do segundo piso daquele salão (onde estávamos, mais precisamente).

                Também foi numa sexta-feira a corrida dele. Ele era um atleta fantástico. Ganhou além da corrida, a competição de salto em altura, também. Ele era tão competitivo que chegava a assustar. E eu assisti tudo com técnicos e atletas da nossa escola.

                Eu lembro dele correndo até onde eu estava e me levantando pela cintura, nos girando e girando por toda a pista. Desse jeito mesmo que ele me fez subir no pódio e pegar as medalhas com ele. O seu sorriso era grande e bonito e seus olhos brilhavam como os de uma criança com um doce. Eu percebi que ele dirigia aqueles olhos grandes pra mim e sorria mais. Ele colocou a medalha no meu pescoço e beijou minha bochecha.

                Mas, se eram as sextas-feiras com ele que faziam as minhas semanas, meses e anos mais felizes, o pior momento possível aconteceu numa quinta. Na quinta-feira em que ele me puxou protetoramente da roda de amigos no gramado do quintal de sua própria casa e fez com que saíssemos pela porta dos fundos. Ele disse que queria me mostrar algo. Eram dez para a meia-noite e o taxista deve ter estranhado quando ele ditou o endereço de um parque a um quilômetro dali ou algo assim.

                Não foi culpa do taxista, como ele mesmo afirmou para o homem de meia idade. Afinal, como saberia que o carro da frente, que vinha na contramão e de faróis desligados, estava sem freios? E mesmo que soubesse, do jeito que as coisas aconteceram não teria como evitar.

                Ele me abraçou, mais forte do que naquela aula de Educação Física atrás do vestiário. Queria dizer que não precisava se preocupar, que não estava doendo. Mas minha voz não mais saía e ficava difícil de ouvir até minha própria respiração, pesada e audível. Não me importava a dor dos ferimentos, as lágrimas grossas dele machucavam mais quando caíam sobre meu rosto, limpando o sangue que havia respingado em minha face. Quando faltava exatamente um minuto para a meia-noite, ele sussurrou, com a voz triste, mas o mais doce possível, o último “eu te amo” que eu ouviria.

                Eu vejo essa pequena caixa no bolso dele. Agora já é sexta-feira e as lágrimas de meus pais mancham os rostos em luto em sincronia com a chuva que cai. Ele, no entanto, não está chorando. Faz de tudo para manter a dor dentro de si o mias discretamente possível. Minha mãe cai, soluçando, e ele a abraça, enquanto o último parente acabava de desaparecer na esquina da rua do cemitério. Papai joga algumas fotos em cima do caixão negro e parte para o carro; não quer olhar para trás. Mamãe, depois, se despede e vai também e ele senta na grama. “Eu amo você”, ele murmura, mas eu consigo ouvir claramente. Ele joga o conteúdo da caixinha no buraco onde está o caixão e o brilho do metal do anel é o mesmo da primeira lágrima que corre por suas bochechas e cai no chão já seco depois da chuva.

                Desculpe-me. Desde aquele dia em que você me abraçou pela primeira vez, obrigado. Agradeço por tudo isso que passamos e peço que me perdoe. Me desculpe por não ter resistido, por não ser forte o bastante por você como você sempre foi por mim. Me desculpe por não ter conseguido nem ao menos dizer “eu também te amo” pela última vez.

                Os melhores momentos de minha vida aconteceram em sextas-feiras. Mas eles só foram os melhores porque foram com você. Você não pode me ouvir da onde estou, mas peço que não duvide, por nada, de que as últimas palavras que eu ouvi eram retribuídas com todas as minhas forças.

                Me desculpe por ter estragado as suas sextas-feiras. E me desculpe por fazer você ter de passar por elas sem mim.


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