Dentro de Mim escrita por Milady Sara


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Essa belezinha ocupou 10 folhas de um caderno. Cap dedicado aos corajosos que leram tudo ou quase, Semideusa 4ever, HalfBloodPrince e Hanacchan :3



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"Eu estou caindo aos pedaços
Mal consigo respirar
Com um coração partido
Que ainda bate
Na dor
Existe cicatrização?"


“Guardadas numa pequena caixa

E as fotos na parede da minha sala

Também não dizem nada
Amareladas, me dói tanta saudade”


“Ás vezes, quando tudo fica desesperador , as pessoas te acham. A ajuda está lá fora. E você não está sozinho."


“Assim como as estações, as pessoas têm a habilidade de mudar. Não acontece com frequência, mas quando acontece, é sempre para o bem. Algumas vezes leva o quebrado a se tornar inteiro de novo. Às vezes é preciso abrir as portas para novas pessoas e deixá-las entrar. Na maioria das vezes, é preciso apenas uma pessoa que tenha pavor de demonstrar o que sente para conseguir o que jamais achou possível. E algumas coisas nunca mudam. E que comece o novo jogo.”


Ravena POV

Já fazia um bom tempo desde que voltamos para Jump City. Eu ainda não entendia muito bem como tínhamos derrotado aquela coisa. Depois que Mutano apareceu ficou mais fácil, mas quando você enfrenta um inimigo que pode mudar sua composição, um transmorfo não faz tanta diferença.

Só o que sei é que depois de um tempo Ciborgue disse qualquer coisa sobre desestabilizar moléculas e para atirarmos com tudo. Não sei por que isso se aplicava a mim já que eu não necessariamente “atiro”. Mas de qualquer modo, ele fez algumas alterações em seu braço direito (para mim parecia a mesma coisa) e lançou seu raio sônico na criatura, que pareceu ter ficado mais atordoada do que machucada. Então atacamos, e dessa vez ela não mudou de forma. O que facilitou bastante por sinal. E depois de contínuos ataques, o efeito do raio pareceu ter passado, pois a coisa começou a mudar de forma novamente, mas, ao contrário do que pensamos, ela não mudou. Quer dizer, não mudou para nada como água ou rocha. Ela se transformou em uma gosma aquosa e pouco consistente.

Depois descobrimos que aquilo era um soldado experimental de uma raça alienígena distraída o bastante para soltar por acidente uma arma de guerra em um planeta inocente, em uma cidade desprotegida.

Todos ficamos felizes com nossa vitória. Bem... Todos menos Mutano. Enquanto Estelar sufocava Robin em um abraço que o deixava vermelho (não, ele não ficou vermelho por causa da falta de ar), Ciborgue discutia consigo mesmo como poderia aperfeiçoar aquele desestabilizador de sei-lá-o-que, e eu estava no canto observando cena, Mutano, que deveria estar dando pulos de alegria e fazendo gracinhas, estava mais afastado, olhando para o chão melancólico.

Quando voltamos para a Torre ele nos contou tudo. Desde ele tentar fazer Terra lembrar da sua antiga vida até o fora nem um pouco gentil que ela deu nele. Não posso dizer que fiquei surpresa, se de repente um cara verde aparecesse do nada e falasse que até pouco tempo eu era uma super-heroína, eu talvez reagisse do mesmo modo. Talvez.

Depois disso ele se trancou no quarto. Não no dele. No dela. Ele não saia de lá para nada. Podíamos ver pelas câmeras que definitivamente ele estava lá dentro. Estava no sofá, em frente à mesa e a janela com aquele espelho em forma de coração que tinha dado a ela. Após três dias, começamos a ficar verdadeiramente preocupados. Nós, entre aspas. Na minha opinião, deveríamos esperar. Ele não ia ficar lá para sempre. Mas é claro, Robin não me ouviu.

No quinto dia (desconfio que ele esteve bebendo água da torneira) Robin estabeleceu “a ordem”. A cada dia um de nós iria lá falar com Mutano e tentar ajuda-lo. O primeiro é claro, foi nosso querido garoto prodígio. Quando ele entrou no quarto Mutano estava no sofá com a caixa no colo, olhando fixamente para a janela, mas isso não o impediu de fazer seu discurso motivacional estilo “um herói não pode se abalar por qualquer coisa” que simplesmente não serviu de nada. Agora além de rejeitado, Mutano se sentia um herói-lixo. E como empata, digo isso com certeza.

No dia seguinte foi à vez de Estelar, que preocupada com a alimentação do “amigo Mutano”, decidiu levar comida para ele. Comida tamaraneana. Não lembro direito o nome daquilo... Flarg... Club... Jass... Enfim, era parecido com um flan, mas tinha cheiro de querosene. E eu posso jurar que ouvi aquilo mugir. E como bônus ela também levou Silkie.

Então Estelar levou o flan/vaca/possível bomba e a larva (que por sinal pareceu adorar a iguaria tamaraneana) para o quarto de Terra. Dessa vez Mutano estava do lado da janela ainda com a caixa. Ela deixou a “comida” na mesa se sentou no sofá com Silkie, e começou seu discurso. Esse era um sobre o amor e a felicidade. Não preciso comentar que não ajudou. A sorte de Mutano foi Silkie ter sorrateiramente comido o flan/vaca/possível bomba.

No oitavo dia era a vez de Ciborgue. O sermão dele podia ser resumido em: “existem garotas demais no mundo para você sofrer por uma”. O estrago foi eminente. De cara senti as emoções de Mutano ficarem ainda mais negativas.

No nono dia foi minha vez. Nem mesmo passei perto do quarto. Isso é claro, não agradou Robin, mas eu ainda consegui enrolá-lo por mais dois dias.

A essa altura, os Titãs do Oeste não podiam mais cuidar da cidade por nós. Então voltamos a sair para missões, mas com Ciborgue sempre vigiando Mutano, afinal, nenhum de nós queria que ele se acabasse se matando. Nem mesmo eu.

Depois de mais alguns dias, Robin decidiu tomar as rédeas da situação. Depois de voltarmos de mais uma luta com Dr. Luz ele veio falar comigo, e pela sua cara eu sabia o que seria.

– Precisamos conversar Ravena. – ele disse de modo sério. Suspirei.

– O que foi?

– Você precisa falar com Mutano.

– Por quê?

– Você sabe o porque! E todos já falamos com ele. – era um péssimo argumento.

– E não adiantou nada.

– Com você pode ser diferente.

– E o que te faz pensar assim?

– ... – ele suspirou. – Olha, Ravena, eu sei que você e Mutano não são exatamente melhores amigos – lhe lancei meu melhor olhar sarcástico. – Ok! Eu sei que vocês nunca se deram muito bem. Mas desde que você o ajudou quando ele virou a Besta, e ele ajudou você com o que aconteceu com Malchior, vocês se tornaram mais próximos. Começaram a se dar quase tão bem como eu e Estelar. Por favor! Ele pode ouvir você!

Era a maior besteira que eu já tinha ouvido. Certo, eu o ajudei mas, ele tinha salvado minha vida. E tudo bem que depois do que aconteceu com Malchior eu poderia ter só dito obrigada de dentro do meu quarto e não abraçá-lo mas isso não queria dizer nada. Queria? E que história era aquela sobre nos darmos tão bem como ele e Estelar? Estelar e Robin eram o casal perfeito. O que isso queria dizer? Que eu e Mutano éramos o casal quase perfeito? Mas... Robin podia estar certo. Não muito. Só um pouco. Por fim, eu acabei cedendo.

– Tudo bem. Vou ver o que eu posso fazer.

– Obrigado Ravena. – ele disse aliviado.

A questão era: O que diabos eu ia dizer? Como poderia ajudar? Depois de observá-lo pelas câmeras por um tempo decidi o que fazer. Ele merecia comida de verdade.

Minhas habilidades na cozinha não eram das melhores mas um sanduíche eu era capaz de fazer. Se eu não podia falar nada para confortá-lo, ia me assegurar que ele não morreria de fome.

Juntei os ingredientes. Hambúrguer, de tofu, logicamente. Alface, tomate, pão, mostarda e ketchup. Comecei fritando o hambúrguer. Em fogo baixo para garantir a sobrevivência de todos. Em pouco tempo, Ciborgue apareceu.

– O que está fazendo? – expliquei para ele minha breve conversa com Robin e minha ideia. Ele achou ótimo. Isso não me surpreendeu vindo do maior guloso de Jump City. Enquanto cozinhava pude sentir a preocupação dele.

– Fique tranquilo. Se eu não misturar três ou mais condimentos sou capaz de fazer algo comestível. – declarei. Ele riu e então entramos em uma conversa sobre se Jinx estaria feliz com Kid Flash, que não durou muito tempo. Logo o alarme tocou e tiveram que sair para uma missão. Todos menos eu. Robin me deu o resto do dia de folga para me concentrar em minha “missão mais urgente”. Obrigada chefe.

O resto do preparo foi mais simples. Cortar o pão e algumas rodelas de tomate (sem levar maus dedos juntos), colocar o hambúrguer, a alface e o tomate dentro do pão e colocar a mostarda e o ketchup por cima. Peguei um pouco de suco de uva porque o leite de soja tinha estragado e embora eu fosse adorar fazer esse tipo de brincadeira, não era o momento. Para finalizar coloquei tudo numa bandeja e admirei minha obra-prima. Mutano vai ter que me agradecer uma por uma semana depois disso.

Peguei a bandeja e fui até o quarto de Terra. Parei na porta do quarto. Era a hora. Puxei o capuz sobre minha cabeça e entrei.

Dessa vez ele estava no sofá, deitado, abraçado com a caixa e de olhos fechados. Não sei dizer ao certo se estava dormindo ou só ignorando minha presença. Dei alguns passos e fiquei entre o sofá e a mesa.

– Eu trouxe comida. – ele não respondeu, mas eu sabia que tinha me ouvido entrar. – É melhor que as coisas tamaraneanas da Estelar. – era uma piada fraca, eu sei. Mas era a melhor que eu tinha. Novamente, ele nem se mexeu. Coloquei a bandeja na mesa – Se quiser... – e fui em direção à porta.

Mas antes de sair, parei, respirei fundo e me voltei para o quarto.

– Mutano. Eu sei que pode me ouvir. Sei que você está sofrendo, mas, fazer isso não vai ajudar. – fiz uma pausa – Acha mesmo que ficar trancado aqui, se escondendo de tudo e todos, remoendo lembranças, vai adiantar? Pois não vai. E acredite, eu sei do que estou falando. Se fechar para o mundo não faz bem para ninguém. - virei de volta para a porta e a abri. Dei um passo para fora e antes de ela se fechar, disse minha última frase. – Além do mais, duvido que Terra ia gostar de saber que você está sofrendo tanto por causa dela.

No dia seguinte fui para a sala ainda com minha “conversa” com Mutano na cabeça. Será que eu havia sido muito dura com ele? Talvez eu devesse ter pegado mais leve... Mas ele não me deu opção! Fingindo que eu não era nada... Que ele não era nada. Assim que passei pela porta recebi um impacto muito forte. Só depois de um segundo percebi que era Estelar me abraçando.

– Estelar... Eu preciso de oxigênio... – disse tentando respirar. Ela me soltou e exibiu um de seus esplendorosos sorriso.

– Ravena você é incrível!

– Eu sou?

– É sim. – só então percebi que Robin e Ciborgue estavam na bancada da cozinha também sorrindo.

– E eu posso saber o motivo? – disse indo até eles seguida por uma Estelar flutuante e feliz.

– Ciborgue nos contou o que você fez. – continuou Robin. O quê?! Tudo isso por causa do lanche que eu levei?

– E o que isso tem de tão incrível? Estelar fez a mesma coisa. A diferença é que eu levei comida humana.

– É, mas isso não aconteceu quando ela o fez. – disse Ciborgue apontando com o dedão para a pia, que estava impecável (afinal Robin tinha sido o último a lavar) exceto por uma coisa... Uma pequena bandeja de aço, com um prato com migalhas de pão e um copo com vestígios roxos.

Mutano tinha... Descido?! E ido até a cozinha?! Ele não fazia isso há quase três semanas! É claro que tínhamos ido - esse nós, por acaso não me inclui - deixar água para ele. Ele sempre bebia. Mas se ninguém fosse buscar os copos, eles ficavam lá para sempre.

– Ele... – tentei falar mas nada saía.

– Sim. – confirmou Robin

– Ele saiu do quarto! – gritou Estelar me abraçando de novo – E tudo graças a você!

– Café da manhã especial para comemorar! – disse Ciborgue empolgado indo para a cozinha seguido por Estelar.

– Bom trabalho. – disse Robin ainda sorrindo – Sabia que ia conseguir.

O café da manhã na realidade nem foi tão especial assim, mas foi o mais animado que tivemos em todos esses dias. O mais estranho foi que no meio de algumas risadas - risadinhas da minha parte - ele apareceu.

Assim que ele passou pela porta, todos nos calamos e o acompanhamos com o olhar. Ele foi até a geladeira, pegou uma maçã e voltou para a porta, mas no meio do caminho se virou em nossa direção.

– Oi pessoal. – ele disse, deu uma mordida na maçã e saiu. Quando já não podíamos ouvir seus passos, Estelar gritou e se atirou em meu pescoço fazendo a cadeira cair.

– Eu disse que você era incrível!

Se depois disso tudo voltou ao normal? Claro que não. Mutano havia saído do quarto de Terra e voltou para o seu, sempre levando consigo a caixa com o espelho. Mas isso não fazia muita diferença já que ele sempre ia para a frente do quarto e ficava olhando para o cômodo, como se a qualquer momento Terra fosse sair de lá e dizer “E aí Mutano? Pronto para mais um dia?”. Só que é claro, isso não aconteceu.

Ele se tornou mais presente, e com “presente”, eu quero dizer que ele ia para a cozinha buscar comida e bebida, e que podíamos vê-lo no corredor indo para a cozinha.

Fora isso seu estado continuava praticamente o mesmo. A principal diferença é que agora ele se isolava no próprio quarto. Plagiador. Não demorou muito para Robin voltar com a velha ordem. Todo mundo. Mutano. Conversa. Dessa vez acharam que meus serviços não seriam tão necessários, então, a ordem de visita foi como a anterior.

Ninguém fez um discurso muito diferente do outro. Mesmos assuntos, mas uma diferença. Aumentaram os argumentos. Todos tentavam convencê-lo, e isso só o deixava mais frustrado. Robin, Estelar e Ciborgue não eram as pessoas mais recomendadas para psicólogos.

Como ninguém obteve sucesso – de novo – sobrou para mim outra vez.

– Faça outra vez! – dizia Robin

– Fazer o que?

– O que você fez antes! – completava Ciborgue

– Mas eu não fiz nada!

– Deve ter feito alguma coisa. – insistia Robin.

– Mas eu não fiz! – o que eles pensavam? Que eu tinha persuadido Mutano a sair daquele quarto mofado?

– Por favor Ravena... – disse Estelar com uma cara chorosa. Droga... Eu não aguento ver aliens laranjas e inocentes chorar.

– Tudo bem... Eu vou tentar. – é. Eu realmente tentaria. Mas não tinha garantia de sucesso.

Agora que ele havia voltado a se alimentar, eu não podia usar a desculpa do sanduíche. Tinha que conversar dessa vez. Então lá fui eu. Tentar ajudar o transmorfo com depressão. Quando cheguei à porta do quarto pude sentir as emoções dele, o que quase me fez desistir, mas eu tinha que continuar, então puxei o capuz sobre minha cabeça e entrei.

O quarto estava como sempre, a perfeição da bagunça. Mutano estava sentado na cama de baixo de seu beliche, com a caixa em forma de coração no travesseiro. Ele olhava para o canto da parede como se aquilo fosse muito interessante. Me sentei ao seu lado, mas não muito perto, para que ele tivesse seu espaço. Ficamos em silêncio até que ele o quebrou.

– E então. O que vai dizer?

– O que espera que eu diga?

– O mesmo que os outros. – ele parecia amargurado. – Que eu tenho que superar, dar a volta por cima, esquecer, ser forte...

– Você é forte. – tirei o capuz – Mais do que imagina. Só que... Guardar isso dentro de você, não vai fazer bem. Acredite, falo por experiência própria. – agora ele olhava para os pés. – Guardar esse tipo de sentimento dentro de si só vai te fazer sofrer mais. Porque quando algo assim se acumula dentro de você... Em algum momento você tem que colocar para fora.

Quando terminei de falar, ele fechou os olhos com força. Pensei que fosse me expulsar de lá a gritos, mas ele começou a chorar. Quando me dei conta, em menos de cinco segundos seu rosto se encheu de lágrimas e ele fungava muito. Então enquanto ele enterrava o rosto nas mãos, me arrastei para perto e coloquei meu braço em volta de seus ombros. Foi aí que ele se virou e começou a chorar em meu ombro. Fiquei em choque por um segundo mas logo o envolvi com o outro braço.

Acredite quando eu digo que é quase traumático ver a pessoa mais alegre que você conhece chorar no seu ombro por quase quinze minutos. O pior era eu não conseguir fazer nada além de só presenciar a cena. Não gosto de ver os outros, em especial meus amigos, chorando.

Depois de um tempo ele já conseguia falar.

– O jeito como ela me olhou quando me mandou embora... O modo como disse... – sua voz fraquejava e a cada palavra eu sentia sua dor.

– Shhh... – disse acariciando seu ombro. – Está tudo bem. Não precisa me contar. – mesmo porque eu não fazia questão de saber.

Com o passar dos minutos ele parou de chorar, mais ainda fungava e respirava devagar.

– Obrigado, Ravena. – disse contra meu ombro.

– Pelo que?

– Por não fazer como os outros. – ele fungou novamente. – Falar como se soubesse o que estou sentindo ou pensando. – era a ironia perfeita. Eu sabia o que ele estava sentindo e pensando.

Depois aconteceu o inacreditável. Ele dormiu. No. Meu. Ombro.

Lista de coisas para nunca contar a ninguém:

A – Sou filha de um demônio

B – Gosto de filmes da Disney

C – Eu também sinto medo

D – Mutano chorou e dormiu no meu ombro

Coloquei sua cabeça no travesseiro, cobri meu rosto com o capuz e saí. Quando virei o corredor dei de cara com um Robin preocupado e sério.

– E aí? Como foi?

– Errr... – e então... Conta ou não conta? – Acho que fiz um progresso. – passei por ele rapidamente e voltei para meu quarto. Onde acabei dando de cara com Estelar e Ciborgue.

– E então...? – disse Ciborgue.

– Ele vai ficar bem? – preocupou-se Estelar.

– Provavelmente. – disse empurrando os dois para fora de meu quarto.

Logo depois disso Mutano evoluiu. De fantasma da Ópera para Yoko Onno. Nunca sabíamos quando ele estava lá, mas geralmente estava. Era como uma sombra, escondido no canto, na escuridão. Exatamente como Yoko nas últimas gravações dos Beatles antes de se separarem. E eu tenho que admitir, muito parecido... Bem... Comigo.

E é claro que os outros exigiram mais de mim. Por algum estranho motivo agora era como se eu fosse a psicóloga dele. Levou um tempo para convencer os três cabeças-duras de que o resto era com o próprio Mutano. Ele mesmo tinha que querer e decidir voltar a ser como era antes.

Apesar de tudo, nosso querido líder ainda achava que eu era a única que podia e deveria ajudar. Robin era irritante de tão insistente.

Se passou mais um tempo. E continuávamos naquele esquema, nós os Beatles, ele a Yoko. Ele também evoluiu no quesito “lugar para estar deprimido”. Usava a Torre inteira para sentar e segurar aquela caixa em forma de coração.

Então um dia, depois de mais uma discussão com Robin, subi para o terraço para meditar um pouco entes do jantar e o encontrei lá. Ele estava de costas, com as pernas para fora e de cabeça baixa e imagino, com a caixa em seu colo. Quando me virei para ir embora, dei uma olhada nele. Suspirei. Que se dane. Conseguiu a que queria Robin.

Puxei meu capuz sobre a cabeça e fui até ele.

– Oi. – disse quando cheguei perto o bastante para que me ouvisse.

– Ah! Oi... O que você está fazendo aqui? – ele havia levado um susto quando me ouviu. Provavelmente estava lembrando-se de quando Terra voltou depois de nos deixar na primeira vez.

– Eu medito aqui todos os dias. Você é que esta invadindo meu espaço. – disse me sentando ao seu lado.

– Ah... Desculpa.

– Não tem problema.

Ficamos ali quietos por um tempo até que ele quebrou o silêncio.

– Eles mandaram você? – claro que ele sacou tudo.

– Não.

– Por que ele teve essa ideia idiota... – admito que também achava a ideia de Robin idiota mas no fim ela acabou ajudando.

– Ele teve essa ideia, porque eles estão preocupados com você. Nós, estamos preocupados com você.

– Todos você? – ele disse erguendo a sobrancelha.

– Sim. – ele me lançou um olhar descrente – Olha Mutano, eu sei que nós nunca nos demos muito bem mas, querendo ou não você é meu amigo, e sim. Eu me preocupo com você. – ele deu um sorrisinho mas logo voltou a sua cara de triste de antes.

– É, eu sei. – novamente o silêncio voltou, e novamente, ele o quebrou. – Por que você ainda não foi embora?

– Como assim?

– Geralmente você foge desse tipo de conversa. – isso é verdade.

– É, mas, achei que você ia querer ter essa conversa. – ele fez uma cara confusa. – Sabe, poder ser ouvido. Não só ouvir. Posso ficar aqui o tempo que precisar. Até Ciborgue terminar de fazer o espaguete... Você decide. – ele pensou um momento.

– É sobre Terra.

– É, isso eu sei.

– Não acredito que ela pôde me esquecer...

– É só isso que preocupa você?

– Não. Não é só ela ter esquecido de mim e dessa vida. É eu estar me importando com isso.

– E qual o problema? Você gostava dela.

– É, mas... Depois de tudo o que ela fez... Ela nos traiu, ela se juntou ao Slade.

– Assim como eu fiz com Trigon.

– Hã? – ele pareceu não entender.

– Eu me entreguei de bom-grado a ser o portal dele, mesmo vocês tentando me ajudar. E por isso o mundo foi destruído.

– É mas, você nos salvou depois. Ela destruiu a cidade.

– Ela também nos salvou depois.

– Você nunca gostou dela... Por que a esta defendendo? – ele disse. Era uma excelente pergunta.

– Eu posso nunca ter confiado ou gostado inteiramente de Terra... Mas nós somos muito parecidas em vários pontos.

– Mas, mesmo assim... Com você e Trigon... É diferente.

– Não, não é. – houve outra pausa. Mutano não achava realmente que Terra fosse tão culpada. Só queria um motivo para se zangar com ela. – Era só isso?

– Não. – claro que não era. – Envolve a questão emocional também. Eu gostava dela. – ele parecia sentir dor ao admitir isso.

– Eu sei como é.

– Não você não sa...

– Sim. –interrompi .– Eu sei. – respirei fundo. – Foi a mesma coisa com Malchior.

– Malchior era um canalha!

– Esse é o ponto. – naquele momento eu desenterrava todos os sentimentos que eu achava nunca mais ter que sentir. Por que estava fazendo aquilo? Eu sabia a resposta. Mutano era meu amigo. E eu gostava dele. – Malchior me enganou. Ele nunca gostou de mim. Terra pelo menos, gostava de você... – respirei fundo. Nem pensar que eu ia chorar– O que vocês tiveram foi real.

– Ah... Eu... Não...

– Tudo bem. – outra vez o silêncio. Dessa vez pelo menos ele serviu para eu me recompor. – Mas ainda assim você não se conforma não é?

– Não.

– Por que?

– Ela era uma de nós, ela...

– Mutano, você sabe bem que Terra nunca quis ser uma heroína. Ela amava seus poderes, amava os Titãs e tudo, mas, ela nunca quis essa vida. Ela queria ser comum. Uma garota comum. E... Bem ou mal, o sonho dela acabou se realizando. Terra agora tem uma vida normal. Por que não pode ficar feliz por ela?

– Ela esta longe de mim... – disse ele cabisbaixo. – Não realmente distante mas, você entende o que eu quero dizer.

– É entendo. Mas... – olhei para o mar. Agora o Sol estava se pondo. – Sei que pode parecer uma frase meio clichê mas, quando você ama alguém, você realmente tem que deixa-lo ir.

– Ravena, você não acredita mesmo nisso não é?

– Acredito sim. Se você gosta realmente de uma pessoa, tem que respeitar as decisões dela. Faça isso bem ou não para você. Terra esta feliz, vivendo a vida que queria. Por que não pode ficar feliz por ela? – repeti a pergunta, pedindo uma resposta melhor.

– Já disse! Ela está...

– Tudo bem. Ela está longe mas, você ainda tem sua vida. Certo, ela marcou você mas, não pode ficar apegado a essas lembranças para sempre. Elas vão sempre fazer parte de você, só que, não pode se apegar demais ao passado. Senão vai acabar esquecendo o presente, e consequentemente o futuro. – agora ele pareceu pensativo.

A essa altura o Sol já tinha se posto. Não conseguia ler suas emoções, elas estavam, não confusa realmente, mas, transtornadas e misturadas. Bem, não havia conseguido meditar afinal mas, tenho que admitir que fiz um belo discurso, que na verdade estava mais para desabafo. Agora sim, não tinha realmente mais nada que eu pudesse falar ou fazer.

– Se precisar de nós... – agora eu quebrara o silêncio. – Vamos estar lá embaixo. – ele não esboçou reação. Duvido até que tenha me ouvido. Então fiz algo que nem eu imaginaria. Me inclinei e beijei Mutano na bochecha. Me levantei e andei até a porta. Deus... O que eu acabei de fazer... Minha lista acaba de ganhar uma letra “E”...

No meio do caminho ouvi seus passos. Ele estava me seguindo? Achei que sim, mas seus passos pararam, assim que cheguei à porta. Me virei e ele estava de costas a poucos metros olhando para o horizonte então ele começou a correr de volta para a beirada. Fiquei em estado de choque. Aquele maluco ia pular?! O que aquele idiota estava pensando?!

Quando chegou a borda, ele parou sobre um pé mas seu braço continuou o caminho para fora da Torre. Só então percebi o que ele segurava. A caixa em forma de coração. E ele a arremessou. Agora sim. Estava extremamente surpresa. Enquanto mantinha minha cara de choque ele ficava parado ali na borda da Torre, sentindo a brisa em seu rosto. Até que se virou, e então sorriu daquele jeito que só ele sabe como sorrir.

– Então Rae... Acha que ainda tem lugar na mesa para mim? – disse ele mantendo seu sorriso. Saí do transe. Há quanto tempo não via aquele sorriso, ouvia aquele apelido...

– É claro. Ciborgue pode dar um jeito. – disse também com um sorriso no rosto. É claro meu sorriso era insignificante, mas, sincero.

Descemos até a sala, onde os outros esperavam Ciborgue terminar o jantar. Passei primeiro pela porta, logo seguida de Mutano.

– Ravena! E então com fo... – Ciborgue parou ao ver Mutano. Robin, Estelar e Ciborgue fizeram cara de pasmo e não pude segurar a risada.

– E então pessoal... – disse Mutano com aquele sorriso no rosto e também rindo um pouco. – Será que sobrou um espaço para mim? – os três piscaram um pouco atônitos, mas logo também estavam sorrindo.

–É claro! – disse Robin.

– Este vai ser um jantar glorioso! – disse Estelar aos pulos.

– Sorte sua ter chegado antes de eu colocar as almondegas! – riu Ciborgue.

Aquela noite foi como a maioria. Um jantar reconfortante, agora com as péssimas piadas de Mutano de volta, seguido de um filme. Mas tinha algo de diferente nela. Foi uma noite como antes. E não me refiro a antes da depressão do nosso transmorfo. Mas, antes de tudo. Antes dos vilões mais difíceis. Foi uma noite como quando ainda estávamos começando com essa coisa de super-herói e enfrentávamos vilões e bandidos aleatórios. Foi como nos velhos-tempos.






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Notas finais do capítulo

~~ Semideusa 4ever dps de ler o prólogo~~
Ela: Vem cá, vai ter *faz barulho de beijo*?
Eu: Não, não vai ter *faz barulho de beijo*, pelo menos não nessa fanfic. Só na próxima.
Ela: O QUE?! NUM VAI TER *faz barulho de beijo*?! SÓ NA SEGUNDA TEMPORADA?!
Eu: Bem, pelo menos não na boca.
Ela: Assim não tem graça!
Eu: Pra falar a verdade vai ter, só não do Mutano com a Ravena. Deles só no rosto.
Ela: *faz cara de brava* Tá...