Quatro Anos Depois. escrita por mandikasilva


Capítulo 8
O apelo.




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Abriu o portão imenso do castelo e saiu. Semicerrou os olhos devido à forte luz do Sol e olhou à sua volta. A cadeira prateada de Malfoy brilhava, já perto da saída dos campos; sem coragem para o chamar, correu atrás dele. Via a cabeça loira afastar-se dela e rezava para que ela não desaparecesse antes de a apanhar. O problema é que ela já não percebia bem o porquê daquela corrida! Ele era o Draco Malfoy ruim e detestável que ela odiava e desprezava, eles só se entendiam a discutir! E ele nunca aceitaria que uma Sangue de Lama lhe dirigisse a palavra, para quê esforçar-se? Porque nada se conseguia sem esforço e, se a guerra mudara tudo, porque é que ele não poderia estar mudado também?

Viu a cadeira parar, mesmo ao portão dos campos de Hogwarts. Instantaneamente, escondeu-se atrás de uma árvore, como uma criança que tivesse feito uma asneira. Um acto sem pensar, ela não tinha razões para se esconder! Espreitou e viu Malfoy, relativamente perto dela, esconder a cabeça nas mãos e deitá-la nos joelhos; depois, pôde ouvir soluços e fungadelas. Malfoy a chorar? Não era possível! Nunca imaginaria Malfoy a chorar, não por ele ser um rapaz mas por ser um Malfoy. Era suposto ele fazer os outros chorar, não o contrário!

Numa outra altura, o mais certo seria deixá-lo chorar à vontade, para ver se as lágrimas lhe faziam nascer o arrependimento. Mas agora, os tempos tinham mudado! Num mundo onde todos perderam algo, Hermione tentou ver-se sem família, sem amigos, sem a confiança dos outros, sem o benefício de andar; tentou ver-se sem tudo isto e doeu-lhe! Foi então que percebeu que, se Malfoy fosse humano, também lhe doía! O seu coração era de pedra, incapaz de amar alguém, era o que diziam todos; mas até o durão dos durões é capaz de atingir o fundo e, por instantes apenas, podia transformar o seu coração em algo que podia ser tudo, excepto a dura e fria pedra!

Hermione saiu do seu esconderijo, ainda chocada com o que via. Aproximou-se devagar, tentando não fazer barulho para Malfoy não notar que ela ali estava. Mas o rapaz possuía bom ouvido, daí que o ruído dos sapatos dela não lhe passasse despercebido! Num ápice, limpou os olhos e encarou-a:

- Tu outra vez? Não tens mais nada para fazer senão maçar-me a cabeça?

- Fiz-te algum mal, por acaso? Mas vi-te a chorar e decidi...

- A chorar, eu? Percebo que andas pior do que eu pensava, agora precisas de óculos para esses olhos de mosca morta!

- Não, tu é que precisas de uma pancada na cabeça para admitires que és igual aos outros, por muito que te custe. Isso é aquilo que precisas!

- Eu não sou igual aos outros, Granger! Não fui, nunca fui e nunca serei. E eu não estive a chorar!

- Claro que não!- Hermione reparou nos olhos vermelhos de Draco- Estiveste a colocar um feitiço nos olhos para os teres assim! Esqueci-me que não tens coração; logo, não amas nem choras!

- Mas vieste aqui para quê? Tenho mais que fazer que aturar Sangue de Lamas estúpidas e malcriadas. De certeza que foi aquele animal peludo do Hagrid que te atiçou.

Hermione respirou fundo antes de responder. Acidentalmente, deixou cair a varinha que levava no bolso das calças e baixou-se para a apanhar.

- Posso fazer-te uma pergunta?- perguntou Malfoy, com um sorriso cínico a aparecer-lhe na face pálida- Porque é que andas com a varinha? Não terminaste os estudos, não podes fazer magia! Para que é que a tens? Ah, claro: para te exibires! Parece mal um bruxo andar sem varinha, ainda te confundiam com um reles Muggle, não é? Não que estivessem muito longe, verdade seja dita...

Ela guardou de novo a varinha no bolso, sem abrir a boca, mas chamando-lhe mentalmente todos os nomes que conhecia!

- Se ando com a varinha, o problema é meu! E depois, o Hagrid não me mandou vir aqui, vim porque quis. Hagrid é suficientemente inteligente para não se meter com gente mesquinha como tu!

- Aquele mamute é inteligente?- perguntou Malfoy, no meio de uma risada malvada.

- Eu vim aqui- Hermione fingiu não ouvir o comentário do Slytherin- porque tomei conhecimento da tua história, o que te aconteceu na guerra e o que perdeste. Apesar da tua personalidade, acredito que tivesses afecto pela tua família e amigos, se os tivesses. Acho que deve ser horrível enfrentar o mundo sem eles e numa cadeira de rodas, ainda para mais, vindo do lado que vens, o lado vencido! Aposto que todos te viram as costas por isso. Se é assim, devias agradecer a Dumbledore por ele te ajudar quando mais ninguém o fez; mesmo que queiras gritar com toda a gente, cala-te e aceita a ajuda. Mas não, tratas mal aqueles que se esforçam para te ajudar... as coisas não podem ser assim! Dizes que preferes morrer, mas eu não acredito; desistir assim é para os fracos e, por muito difícil que me seja admitir, tu és uma pessoa forte. Há pouco, chamaste-me malcriada...pois penso que o único malcriado aqui és tu, Malfoy!

- Eu tenho educação, Granger! Quem és tu para fazeres esses julgamentos? Tenho a educação que os meus pais me deram e cumpro-a. Por isso, eu não sou malcriado...

Hermione achou que era hora da conversa terminar, mas Malfoy não concordou com a decisão.

- Os meus pais sempre me disseram que o dinheiro é importante; sempre me disseram que os feiticeiros são superiores aos Muggles, podemos fazer magia e eles não; sempre me ensinaram que os Sangues de Lama são iguais a eles, não valem nada!- o riso cínico dele era bem visível- Tudo o que eles me ensinaram, eu fiz...

- É só pena que eles não te ensinassem aquilo que é mais correcto!

- Que queres dizer com isso?

- Não sejas parvo, Malfoy! Não aprendeste nada em 21 anos de vida? O mais importante na vida é ser feliz e fazer os outros felizes também! Os feiticeiros podem fazer magia, mas não são superiores aos Muggles, o principal é a pessoa que somos por dentro.

- Muito sábia hoje, Granger!- rosnou ele, raivoso- Mais alguma coisa?

A rapariga encarou os olhos azuis de Draco.

- Sim! Reflecte aquilo que fazes. Já percebi que a guerra mudou tudo; tu também poderás mudar, basta quereres! Sei que a vida está difícil para ti, mas eu perdi 4 anos da minha vida, perdi amigos que adorava, perdi o namorado que tinha e não sei se o voltarei a ter de novo! Também nada é fácil para mim, mas há que dar um passo e seguir em frente. A minha vida não acabou!

- E porque terei eu de fazer aquilo que dizes?

- Eu não te estou a dar ordens. E agora não é a Granger que está a falar com o Malfoy; por muito idiota que sejas, precisas de umas luzes nessa cabeça! Estamos todos no mesmo barco, teremos de nos habituar a essa realidade. Sim, eu sei que não vais ligar a nada do que eu disse, continuo a ser a Sangue de Lama idiota para ti, não é? Paciência. Acontece que eu não gosto de fazer aos outros aquilo que não gosto que me façam a mim; aprendi-o durante a minha vida. E se não continuares aquele idiota que conheci em Hogwarts, irás pensar um pouco naquilo que te disse.

Mais uma vez, ela virou costas á cadeira prateada, em direcção á saída; mais uma vez, foi interrompida por uma mão magra e pálida que lhe agarrou o braço.

- Muito sinceramente, Granger: acreditas naquilo que disseste? Essas ideias sucumbiram há muito tempo! Além disso, eu sei que sou forte e que consigo sair daqui sozinho. Não preciso de ti para nada!

- Calculei!- o olhar de Hermione transmitia impaciência- Tal como calculo que dizes isso porque não te aguentas sozinho! Precisas de ajuda para ultrapassar esta fase, sozinho não consegues. E estás envergonhado por ser eu a dizer-te isso, estás a sentir-te inferior. Os tempos em que escondias o que realmente sentias através de outras palavras acabou! Mudaste Malfoy, admite. E já agora: sim, acredito em tudo o que disse!

- Então, Senhora Sabedoria, e se for isso?- gritou Draco- E se isso que disseste for verdade? Mal consigo vestir-me sozinho... como posso ultrapassar esta porcaria sem ninguém?

- Rezas! E não me grites, eu não sou surda. Agora, larga-me o braço, quero ir-me embora!

Malfoy largou-a com maus modos e ela, assim que se sentiu livre, caminhou para fora de Hogwarts. Mas levava na alma o peso daquela conversa; ao menos, fizera uma boa acção! De certeza que ajudar o parvalhão devia ser uma boa acção.

Inesperadamente, começou a correr. Sempre fora um exercício que gostara de fazer, mas há muito que não o exercia! Corria desesperadamente, sem saber o porquê daquela acção ou o seu objectivo. Esvaziar o pensamento, talvez; desanuviar a mente, era o mais certo. Tentava pensar naquilo que acabara de dizer a Malfoy, mas agora não conseguia!

Corria desenfreadamente, á procura do caminho de casa. Sentia o corpo arder com o calor, sentia os cabelos molhados caírem para a sua face, sentia as roupas suadas colarem-se ao corpo como se tivessem cola. O vento quente batia-lhe na cara; o olhar castanho via apenas um caminho á sua frente. O caminho de casa? Talvez...

***

O apartamento estava vazio quando ela lá chegou. Calculou que tivessem ido ás compras, ouvira a mãe falar disso á hora do almoço. Apenas esperava que a avó não se demorasse; precisava de conversar.

Atirou a roupa molhada para a máquina e enfiou-se debaixo do chuveiro. A sensação das gotas de água a caírem em cima de si era impressionante! Poderia ali ficar o dia inteiro, mas tal não era possível. Ouviu a porta abrir; o melhor era despachar-se para a mãe não ter de lhe gritar para sair.

A avó estava sentada na cadeira de baloiço no seu quarto quando Hermione foi ter com ela, secando os caracóis com uma toalha. Kathleen sorriu.

- Então, quando é que vais para a escola?

- Setembro! Avó, posso fazer-lhe uma pergunta?

- Já a fizeste!- a idosa riu- Sim, querida, diz lá!

- Alguma vez ajudaria o seu pior inimigo se este estivesse em dificuldades?

Kathleen ajeitou os óculos antes de responder.

- Olha, Hermione, quando eu era pequenina ia sempre á catequese. Era um bom sítio para se estar com Deus, apesar de a igreja vir em primeiro lugar. E houve uma frase do catequista que eu nunca esqueci: "Ama os teus amigos, e ainda mais os teus inimigos". Antes, não percebia o seu significado; agora, já entendo! É muito difícil amar aqueles que nos odeiam, sim; mas se te sentes preparada para isso, fá-lo! É importante fazê-lo, apesar de ser uma tarefa complicada. E se a tua vontade é mesmo ajudar, pensa que é o mais correcto, porque essa é a verdade; Deus ficará contente contigo!

Ela deixou de secar o cabelo e olhou o chão. Será que devia ajudar Malfoy? Noutros tempos, não o faria; mas agora a solidariedade era o mais importante! Será que o devia fazer? Será que ele ia aceitar a sua ajuda?

- Porque me perguntas isso?

- Encontrei um grande inimigo em Hogwarts. Foi chocante, sabe? Os pais estão mortos, tal como os amigos, não tem casa, não tem dinheiro, está numa cadeira de rodas,... Estão a tentar descobrir a poção para o ajudar, mas nada resulta! E ele é demasiado parvo para perceber que precisa de ajuda, apenas diz que quer morrer...

- Talvez ele não seja parvo e sim orgulhoso!- a avó trocou um olhar doce com a neta- É sempre óptimo ajudar, seja a pessoa boa ou má! Tu és uma boa menina, Hermione ; sei que farás aquilo que achas correcto!

Agradeceu e deixou Kathleen a descansar. Foi para o seu próprio quarto e sentou-se no sofá, com Crookshanks no seu colo. Pensava no que a avó lhe dissera: estaria preparada para ajudar o inimigo? Talvez sim...mas Malfoy era demasiado orgulhoso para pedir ajuda a alguém, principalmente a ela!

Aquilo que menos esperava aconteceu naquele momento: uma coruja desconhecida entrou na divisão e largou uma folha de pergaminho na cama. Hermione colocou o gato no chão e leu-a. Era um texto rápido, pequeno e provavelmente, muito difícil de escrever! Era um texto de Malfoy, onde, no meio de palavras brutas e modos grossos, acabava por dizer que se sentia envergonhado ao «descer ao nível mais baixo» ao pedir-lhe ajuda para encarar o mundo frio e cruel em que vivia. Não exactamente naquelas palavras, mas Hermione não era parva! Apenas lhe custava a acreditar naquilo que ele dizia!

Pensou nas palavras da avó: « Tu és uma boa menina, Hermione ; sei que farás aquilo que achas correcto!». Seria assim, seria boa rapariga? Seria capaz de fazer o correcto? Que seria então o correcto: ajudar ou desprezar Malfoy? Por muito que lhe doesse, sabia que a verdadeira resposta era a primeira- ajudar o inimigo!

O tempo passava e Hermione não se decidia! Acreditava que era necessário estender uma mão, mas era Malfoy! Nunca se dariam bem; até aquela carta era malcriada! Como resolver o dilema?

Olhou o Cristo na cruz que tinha na parede do quarto. « E se a tua vontade é mesmo ajudar, pensa que é o mais correcto, porque essa é a verdade; Deus ficará contente contigo!». Pareceu-lhe ver uma luz na figura que observava, pareceu ser a resposta ao apelo do inimigo. Pegou numa caneta e num pouco de papel e, sem pensar em mais nada, escreveu quatro palavras:

«Concordo em ajudar-te, Malfoy!»

Dobrou a folha e entregou-a á coruja que ainda se encontrava junto dela. Ao vê-la partir, suspirou profundamente e olhou a figura na parede. Estranhamente, pareceu-lhe que Cristo sorria!

*Continua...


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