Leis da Noite - Antes do Escurecer escrita por Ryuuzaki


Capítulo 3
"Jack" - Final




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...

 

O garoto sorria enquanto deixava para trás aquela senhora mesquinha, cujo único objetivo parecia ser saber de coisas e espalhar picuinhas, no entanto, não era um sorriso pleno, não era um gesto de alguém que esta feliz ou alegre. Aquele pequeno repuxar nos cantos dos lábios do rapaz mais pareciam um contentamento descontente de alguém que aprecia ver o sofrimento alheio ou, talvez, ele não ligasse para nada daquilo.

 

Ele não havia mentido sobre suas intenções. Estava indo para uma das estações de ônibus da empresa Redhawk, iria deixar a cidade, deixar sua vida para trás. Estava fugindo, sabia disso e não tinha vergonha, de agora em diante as coisas seriam do seu jeito.

 

Cada passo que ele dava parecia remover um enorme peso de suas costas. Ele não olhava para o caminho, não percebia o que se passava, e mal notara que um homem com uma moto quase o atropelara e agora não parava de xingar. Nada disso era importante para ele, queria apenas aproveitar a sensação de bem estar que parecia ter aparecido pela primeira vez, desde sua lembrança mais antiga. A cada simples movimento, de levar uma perna à frente da outra, uma parte de sua historia parecia se apagar diante dos seus olhos. O que ele via não era aquela pequena rua comercial, onde inúmeras pessoas estavam á pechinchar e comprar utensílios, ali, bem em frente aos seus olhos, estavam, ainda que um pouco difusas, cenas de sua infância, de quando tinha 4 ou 5 anos. Era estanho, ficou com um pouco de medo, bambeou naquele momento, algo que ele não podia fazer, nunca podia fazer, se quisesse que as coisas mudassem. Porem, ele se apegava a um ditado, sempre ouviu falar de que antes de morrer as pessoas vêem toda sua vida passar pelos olhos. Portanto, ele só podia estar morrendo... Para nascer de novo. Com isso em mente, se entregou ás lembranças.

 

“Pivete, pegue logo aquele maldito controle da tv e é melhor que seja rápido, ou vai ter mais alguns roxos pelo corpo antes que possa dizer Mississipi.”

 

A voz de seu pai, sempre em tom de quem esta próximo de desmaiar devido à altas doses de bebidas alcoólicas, ecoou em sua cabeça vinda com todas aquelas lembranças que o estavam tirando de sintonia com o mundo. Gostava de pensar que sua vida era um clichê e não estava errado.

 

“Melhor tirar essa bunda da cadeira e ir comprar minha caxaça, seu filho de uma puta. E pode ter certeza que a puta é aquela vadia que cê chama de mãe.”

 

Outra clássica citação da figura paternal à qual estava acostumado veio à sua mente, mas não lhe causou tristeza, nunca ficara deprimido. Apenas sentia uma raiva superficial, um sentimento vago que apenas o fazia não gostar da situação. Odiava tudo aquilo tanto quanto odiava os pais, dentro dos limites de suas capacidades, porem quando levados para o padrão adotado pela sociedade, essas sensações eram fracas como colônia de água.

 

“Por que derrubou a merda da garrafa de whisky?! Não sabe o que aquele bêbado faz comigo quando esta irritado?!”

 

O rapaz sorriu, sem sequer notar o gesto, do mesmo modo que não percebia seus passos automáticos em direção à estação, que sequer eram computados em seu cérebro. Agora era a voz da mãe dele. A mãe que sempre esteve presente, sempre disposta a ajudar... Ou pelo menos isso é o que a teoria da “família americana” insiste em dizer que é padrão nos lares estadounidenses , no entanto a realidade na casa daquele jovem era um pouco diferente da utopia propagada aos quatro ventos relacionados ao “american dream” e outras baboseiras. Sua vida era um clichê, e como em tantas outras historias clichês, o pai batia na mãe e no filho, para então a mãe bater no filho e este pensar em bater no cachorro. Nada muito diferente do cotidiano.  

 

“Pegue essas moedas e vá comprar logo minha cerva!”

 

Nessa lembrança ele não pode evitar de rir. Rir como um louco, chamando atenção da maioria das pessoas que passavam por ele, contudo, ele estava em Los Angeles, e em cidades como aquela, certas esquisitices custumam passar com nada mais que uma rápida e desinteressada olhadela, a não ser que esteja perto de uma senhora fofoqueira sem muita expectativa do que fazer com o que lhe resta de vida. Como não era o caso, ninguém reparou no garoto que ria desenfreadamente sem nenhuma felicidade em seu rosto.

 

Ele riu por diversos motivos, mas, o principal era que justamente esta parte, a parte que menos gostava (menos ainda do que apanhar) foi o que lhe deu meios para arquitetar essa fuga. Não gosta de tal tarefa por um motivo simplório e banal, sentia-se seguro em seu quarto mal-iluminado e ter que se deslocar até o boteco mais próximo e ter que “lidar com pessoas” era suficiente para tornar qualquer tarefa insuportável para aquele garoto. No entanto, a maior parte do dinheiro que adquirira provinha do troco que juntava “ilegalmente” desde os 6 anos, somando essa grande economia com pequenos furtos à carteira do pai, algumas lojinhas do subúrbio e transeuntes lhe renderam uma soma de impressionantes 6 mil dólares, que estavam devidamente escondidos em lugares estratégicos, como dentro de suas meias e no forro de sua mochila.

 

Era com esse dinheiro que pretendia começar uma “nova vida”. Embora isso não tivesse nenhum significado real para ele, era algo que faria e usaria todas as forças para tanto. Achava-se terrivelmente entediado, essa era a verdade e além disso, tinha que gastar toda aquele dinheiro alguma hora... Ir ate outra cidade e começar, sozinho, algo novo por lá parecia uma boa idéia... Arranjaria onde morar, um trabalho em algum lugar que aceitassem menores... Não importa, sabia que daria um jeito, bastava chegar ao lugar certo.

 

“Garoto, vou perguntar de novo o que vai querer?”

 

Dessa vez não era a voz de nenhum parente, de ninguém conhecido, na verdade. Quando deu por si estava em frente ao guichê da estação. De cara para um atendente que usava o boné vermelho da companhia Redhawk e possuía um rosto pontilhado por espinhas vermelhas e protuberantes, ele lançava um olhar de estranheza, parecia achar que o garoto era retardado ou algum idiota.

 

- Só vou perguntar mais uma vez garoto, ou vou ter que chamar os seguranças, o que diabos você quer.

 

O rapaz balançou a cabeça e sorriu de satisfação. Um sorriso sinistro, de canto de lábios, que fez gelar a espinha daquele atendente desprovido de muita paciência com garotos que aparecem machucados e andando feito zumbis, atrapalham sua manhã.

 

- Uma passagem de ônibus. – foi o que ele respondeu, aumentando o sorriso, mostrando os dentes e seu costumeiro olhar vazio, que, juntos com o inchaço em seu rosto, se transformaram numa expressão medonha, infernal.

 

O funcionário desviou daqueles olhos apáticos e da mascara de loucura que o garoto mostrou, focou sua visão num ponto abaixo do pescoço do estranho rapaz e continuou com as perguntas padrão, que eram executadas a cada venda, mas não sem gaguejar.

 

- N-no nom-me de quem?

 

-Jac...

 

Jacob, Jacob Straub.

 

Jacob Straub. Foi o que o garoto pensou em dizer. Mas não... Não era mais Jacob Straub, iria para uma nova vida, não era? Então para que utilizar o nome que seus pais lhe deram? Os pais que o obrigavam a ir comprar cerveja, pegar coisas e gritavam em momentos onde a paz seria bem vinda? Não... Não Jacob.

 

- Jack, meu nome é Jack – exitou por milésimos de segundo, tempo pelo qual seu cérebro doente chegou a pensar que havia algo errado naquilo tudo, que deveria se preocupar com os constantes espancamentos e não com coisas corriqueiras, mas isso logo foi suprimido – Apenas Jack.

 

- E para onde vai... Jack – perguntou o homem novamente, temendo aquele ser á sua frente, mais do que qualquer coisa que havia visto. Tinha algo de errado com o garoto e esse algo passava medo.

 

- Santa Felícia – respondeu.

 

...

 

Summers, o atendente, observou Jack por alguns segundos, enquanto este partia. Então, com sua mão direita, fez um sinal da cruz. Não era religioso, mas havia algo no garoto...

E esse algo não foi percebido por ninguem até agora... O garoto era louco, tinha algum parafuso à menos diriam alguns, verdade... Mas não era isso. Algo novo havia aparecido, no instante em que ele adentrou a Redhawk.

 


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Notas finais do capítulo

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Por favor, se houve dificuldade de entendimento, me avisem. As vezes é complicado pensar de uma maneira e escrever de modo a todos entenderem :x
E perdão pela demora, mas nem tentem me apressar, escrevo quando dá na telha :x



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