Quando o último sinal tocou anunciando o fim do horário escolar, deixei Ryan no seu quarto que, por muita coincidência, era ao lado do de Nick e Daemen.

Ryan ainda estava um pouco assustado por ter experimentado um pouco do seu poder (e por um falcão ter saído dele), mas, mesmo assim, não deixava de sorrir. Ele se sentiu um pouco relutante em recolher Miel, mas o fez, depois de Sam me dizer ( com um rolar de olhos) tchau!

Ryan dividiria o quarto com Jack Brendon, o gênio. Eles meio que se estranharam no início, mas logo se deram bem. Acho que esse era o motivo de gênios terem seus quartos separados de outras criaturas mágicas. Depois de tê-lo deixado, fui ao quarto de Nick, aproveitando que eu tinha essa liberdade hoje.

Levantei meu punho e hesitei. Será que ele estava lá dentro? Bati duas vezes na porta e esperei. A voz animada e um pouco distraída de Daemen que me atendeu.

“Entre”

“Você tem sorte por eu não ser um assassino em massa”, eu brinquei entrando no quarto.

Daemen me recebeu com seu melhor sorriso e seus olhos verdes e grandes que me lembravam olhos de cachorrinho pidão. Ele estava deitado com um livro na mão e usando fones de ouvido.

“Mesmo você não sendo um assassino em massa, parece que veio na mesma intenção de matar alguém”, Daemen disse tirando os fones de ouvido e se levantando. “E esse 'alguém' está no banheiro, então irei aproveitar e sair”

Corei um pouco. Nick deveria ter ficado frustado o dia todo e Daemen deve ter perguntado o motivo. Uma palavra resumia tudo isso , e, infelizmente, eu teria que usá-la: Ciúme.

“Está tão na cara?”, eu perguntei me jogando na cama de Nick.

Ela estava como cheiro dele. Tão puro e quase imperceptível, como a água, mas tinha uma intensidade para entrar em minhas narinas, quase invejável.

Peguei uma revista na cômoda de Nick e comecei a folheá-la, enquanto, pelo canto do olho, via o sorriso de Daemen aumentar. Era óbvio que ele achava aquela situação engraçada. Até mesmo eu achava.

“Na sua, nem tanto, mas na dele...”, Daemen balançou a cabeça, de forma que o deixou ainda mais fofo, e fez um gesto de desinteresse com a mão. “Não irei me meter entre vocês dois. Você sabe se Luen está no quarto?”

“Não sei”, eu dei de ombros. “Deixei Ryan no quarto que, por sorte, é o lado do de vocês e vim para cá”

“E esse cara, Ryan, o novo bruxo elementar do ar, é legal?”, Daemen voltou a se sentar em sua cama, mas só na ponta, e me encarar.

“Ele é um doce de pessoa”, eu sorri. “Um pouco tímido no começo, mas com tempo vai se soltando.”, abaixei minha voz e disse. “Acho que ele gostou de Suzy”

Os olhos verdes de Daemen, que eram uns dois tons mais escuros do que os de Ryan, se arregalaram e brilharam de expectativa.

“Como você...”, ele deixou a perguntar morrer. “Você fez o Reconhecimento, não é?”

Coloquei o dedão na boca e fiz minha melhor cara de criança que é pega fazendo alguma coisa errada. Assenti e soltei um riso. Daemen balançou a cabeça com uma expressão de desaprovamento, mas também riu.

Bem nesse momento, Nick saiu do banheiro com uma toalha enrolada em sua cintura. Seus olhos se arregalaram quando me viram, mas logo a expressão de surpresa deu lugar a um rosto duro.

Ficamos um bom tempo nos encarando sem dizer uma palavra ou se mexer. Não preciso nem dizer que o riso morreu dando lugar a tensão e Daemen, sendo o garoto inteligente que era, sentiu-a e se levantou. Como ele havia dito, não iria se meter entre nós dois.

“Bem, vou ver se Luen está no quarto”, ele disse abrindo a porta. “Vejo vocês mais tarde”, e fechou a porta.

Nick me encarou por mais uns segundos antes de me dar as costas e ir para o enorme espelho que ficava ao lado da porta do banheiro e em frente a sua cama, que, por acaso, era onde eu estava. Então, mesmo ele não querendo, ainda conseguia me ver.

Ele pegou um pente e começou a passar pelo cabelo negro. Os seus olhos azuis oscilavam do seu reflexo para mim enquanto eu continuava como uma idiota encarando seu lindo corpo exposto.

Preciso dizer que aquela era a primeira vez que eu via seu corpo exposto tão de perto?

Pois era.

A pele marfim e macia desenhava com perfeição as linhas do seu abdômen, lhe dando uma forma bela e forte. Seus braços longos faziam movimentos repetidos enquanto o pente passava com precisão pelos fios negro e os puxava para trás, o deixando com a cara do Super Homem.

“Então, o que faz aqui?”, ele perguntou me tirando do meu paraíso pessoal. E pensar que tantas vezes eu tinha estado pressionada naquele corpinho e nunca o tinha visto daquele jeito. “Seu turno como guia já acabou?”

Seus olhos azuis me encararam através do reflexo e mesmo ele tendo acabado de pentear o cabelo, ele não virou para mim. Mas ele não precisava virar para que eu escutasse sua voz frustada. Eu tinha uma ótima audição.

“Sim, acabou”, eu respondi tão sarcástica quanto ele. “Então, estava pensando em um piquenique ás seis?”, propus e sorri.

“Não sei não.”, ele disse meio incerto. “Tenho que estudar”, ele foi até o armário e pegou uma muda de roupa limpa, depois voltou ao banheiro e fechou a porta.

Agora quem estava evitando quem?

Era óbvio que Nick estava me evitando. Ele era ótimo aluno, só perdendo para Suzy, Luen e Daemen, então essa desculpa de 'tenho que estudar' não colava. Mas, para que isso tudo?

Ciúmes?

Isso era normal em qualquer namoro. Até que tinha demorado um pouco para aparecer. Mas, porque logo com Ryan? Porque não com Drake, Connor ou Eron, que tanto faziam parte do meu passado?

Só conseguiria a resposta perguntando.

“Por que você está sendo tão idiota?”, eu gritei para a porta.

Não houve resposta.

De repente me levantei da cama como um foguete e bati na porta com tanta força que pensei que cairia. No começo, eu tinha indo ao quarto de Nick com a ideia de fazermos as pazes e sairmos para um piquenique felizes, mas Nick estava realmente dificultando as coisas.

“O ciúme te cegou ao ponto de não ver que Ryan quer Suzy? E mesmo que ele me quisesse, eu estou com você e gosto disso”, continuei gritando e batendo na porta. Ainda não recebi nenhuma resposta. “Você está sendo ridículo, sabe? Por que não abre a droga da porta e a gente conversa em paz, Nick? Eu quero te entender e ver que você não é um namorado ciumento e idiota”

Nesse exato momento, a porta se abriu e eu caí, literalmente, nos braços de Nick. Me levantei rapidamente com o que restava do meu orgulho pessoal e passei mão pelo meu cabelo, nervosa. Sorte minha que ele estava vestido.

Meus olhos percorreram suas calças jeans, sua blusa azul escuro de manga curta, o rosto tenso e os olhos duros. O azul deles que sempre me lembravam o mar, estavam escuros e sombrios. Eu tremi.

“É, eu tenho ciúme, mas, e daí? Todo namorado tem, não é?”, ele sorriu forçado e eu só conseguia encará-lo. “Quer saber, não importa. Você está comigo e só estava fazendo um favor a diretora Nice. Não é como se você pudesse negá-lo. É, eu sou um idiota, mas isso é consequência do ciúme, não é?”

Na verdade, parecia que ele tinha esquecido que eu estava bem na sua frente, mas quando ele me olhou e deu um sorriso verdadeiro, me senti como se eu fosse a idiota.

“Me desculpe”, ele disse ainda sorrindo, então suspirou. “Adoraria fazer um piquenique com você”

Eu apenas assenti incapaz de dizer uma palavra sequer. Parte de mim ainda estava com raiva pelo ciúme e por ele ter me feito gritar igual a uma maluca, mas a outra estava aliviada por ele ter me entendido.

Nick ainda estava estranho, mas, afinal de contas, o que naquela escola era normal? Antes que eu pensasse uma resposta, Nick segurou meu rosto entre as suas mãos e m beijou carinhosamente, então sorriu.

“Eu sou um namorado ciumento e idiota”

Se eu achei que Nick estava estranho aquele dia, foi porque eu não conseguia ver o futuro como Luen. Aquela semana foi a mais estranhas de todas.

Nick parecia ter voltado ao a ser como era antes, mas era só Ryan aparecer que ele me beijava do nada, ou me abraçava tão apertado que eu quase cuspia a comida fora.

Na verdade, isso não acontecia só quando Ryan aparecia, mas sempre que um garoto olhava demais para mim. Era um saco. Imagine você, pegando uma rosquinha no café da manhã quando um garoto qualquer te esbarra sem querer, e, do nada, seu namorado chega do nada e te beija tão fortemente que todos ao redor olham e quase batem palmas.

E tudo o que você queria era uma rosquinha.

Lien parecia cada vez mais distante e distraída, de modo que só conseguíamos vê-la nas aulas. No horário das refeições, ela sempre arrumava uma desculpa tipo “tenho que estudar”.

Viram a ironia?

Além dela usar a mesma desculpa que Nick, Lien estudar era a mesma coisa que Suzy repetir de ano em mágica. Impossível. Nos fins de semana ela simplesmente sumia. Mais que fada mais má educada.

Luen não teve mais nenhuma visão comigo e o tal “garoto misterioso”. Esse assunto estava quase esquecido. As rosas pararam de serem mandadas, assim como os alunos pararam de sumir.

A rosa vermelha que eu recebi foi a única e ainda estava viva e intacta, como no dia em que a encontrei. Era óbvio que era mágica.

Em falar de mágica, Suzy, minha bruxinha do raio, parecia quase tão distante quanto Lien . Ela ficava normal com nosso antigo grupo, na medida do possível. Falava, conversava e sorria, mas era só Ryan aparecer que ela corava, abaixava os olhos e saia de vez do assunto.

Ela o evitava ao máximo enquanto ele parecia querer ficar cada vez mais perto dela. No início pensei que ela não gostasse dele, mas depois que Suzy e eu conversamos no lobby, realmente entendi o que estava acontecendo.

Eu, Luen, Daemen e Nick tínhamos combinado de sair junto como em um encontro duplo. Eu tinha me arrumado mais rápido e desci para o lobby para esperar os meninos quando encontrei Suzy sentada no sofá olhando para o nada com um livro na mão.

“Hey, Suzy”, eu disse indo me sentar ao seu lado . Ela corou e sorriu enquanto levantava o livro e fingia lê-lo. Tudo para evitar meus olhos.

“Oi, Aly”, ela respondeu. “Você está bonita”, ela disse quando levantou os olhos do livro e sorriu para mim.

“Obrigado”, eu disse.

Resolvi ir simples ao encontro duplo já que tínhamos combinado pegar um cinema e ver um filme qualquer. Eu estava usando uma calça jeans escura e blusa branca com decote redondo e manga curta. Meu cabelo estava preso em um rabo de cavalo e a franja tampava parte da minha visão, mas eu não ligava.

“Encontro duplo?”, ela perguntou sorrindo.

“Encontro duplo”, eu concordei e sorri.

Nós ficamos em silêncio, uma encarando a outra. Mas eu já sabia o que Suzy estava pensado, mesmo antes dela deixar os pensamentos a mostra.

“Lembrei de quando fomos, eu, você, Eron e Matt”, ela deixou seu sorriso morrer. “Mas isso são águas passadas, não é?”, ela voltou a ler o seu livro, mas sem lê-lo.

Por uns segundos eu não disse nada pensando no motivo de todo mundo ficar me pedindo para confirmar seus pensamentos. Afinal de contas, a vidente não era Luen? Mas aproveitei para ver se ela sabia das intenções de Ryan.

“É hora de seguir em frente, Suzy”, eu disse e ela levantou os novamente do livro. Eles estavam escuros como uma tempestade.

“Como assim?”, Suzy colocou o livro de lado e se encostou no braço do sofá pra me ver melhor.

“Sabe, Ryan parece gostar de você”,eu disse e antes que ela começasse a protestar, acrescentei: “Antes que você diga que vocês não tem nada a ver, me escute”

Suzy abriu a boca, mas não disse nada. Apenas assentiu. “Tudo bem”

Eu sorri.

“Imagine uma tempestade”, isso a fez levantar uma sobrancelha loira e perfeita, além de abrir uma lindo sorriso. “Não ria, me ouça”, eu me forcei a ficar séria. “Bem, imagine uma tempestade. Em uma tempestade tem ventania, então vocês tem algo a ver”

“Mas”, Suzy disse levantando o dedo indicador. “Em uma tempestade também tem água, terra e fogo”

“Tudo bem. Água eu até entendo, mas onde fogo e terra entram em uma tempestade?”, perguntei achando graça da minha teoria estúpida. Não é como se eu fosse exper nesses assuntos, mas eu tentava.

“Bem, imagine que nessa sua tempestade, com ventania e chuva, também tenha raios e esses raios tem que acertar algum lugar”

“Um árvore?”, arrisquei pronta para rir.

“Exato”, Suzy concordou. “É aí que vem a terra. Mas quando um raio atinge uma árvore, sabe o que acontece? Ciência básica, Aly”, Suzy provocou.

“Fogo”, eu respondi um pouco relutante. Fui abatida em minha teoria. “Mas, voltando ao assunto.”, eu fiquei séria de novo. “Você deveria dar uma chance a Ryan. Sei que gosta dele, está no seu rosto”, joguei verde.

Pena que ela não caiu.

“Não, você não sabe. Na verdade, você acha que eu não gosto”

Por um momento me perguntei se estava tão evidente então senti algo macio por cima da minha mão. Olhei e vi a mão de Suzy, tão pálida me contraste com a minha, morena. Ela sorriu, apertou-a e soltou. Isso, esse toque, era tão natural para mim que eu mal sentia quando Suzy estava entrando em minha mente.

“Mas, afinal de contas, você gosta ou não de Ryan?”, perguntei sorrindo. Suzy voltou a pegar o livro em cima da mesinha e escondeu seu rosto corado atrás dele.

“Talvez”, ela disse e riu.

“Eu sabia”, eu disse lhe apontando o dedo de modo acusador. Algumas pessoas ao nosso redor me escutaram e me encararam como se eu fosse maluca. Abaixei o tom de voz e perguntei. “Mas, porque você não deixa que ele se aproxime de você e te chame para sair?”

Suzy suspirou e engoliu a seco.

“Tenho medo que aconteça a mesma coisa que aconteceu com Matt”, ela confidenciou e eu fiz uma careta.

“Matt era um idiota, Suzy. Nunca disse isso antes porque ele era o seu namorado, mas agora eu posso”, joguei minhas mãos para o ar, frustada. “Ele é passado. Já até saiu da escola. Ryan é diferente. Além de ser da mesma espécie que você, é bem mais maduro, bem humorado e bonito que Matt”

“Tem razão”, ela concordou ainda confusa. “Mas eu não sei, não”

“Prometa que vai tentar”, eu pedi piscando meus olhos escuros para ela, exatamente como ela mesma tinha feito comigo.

Suzy se lembrou e riu.

“Prometo”

Me levantei para ir atrás de Luen e ver se ela tinha morrido no banheiro, quando parei para dizer uma última coisa a Suzy.

“Siga seu coração, Suzy. Sua tempestade.”, eu sorri. “Sempre a tempestade”