– O tempo está se esgotando. – Soraya disse. – O que você decide?

Valery sorriu ante o desafio que lhe era proposto. Como agir? Procurar um local seguro pra colocar Tabita pra poder lutar? Lutar sem largá-la? Decisão difícil...

– Se você deixar a inútil e lutar, nós a pegaremos. Se você não se separar dela, morre e nós a pegaremos. – Mabel sorriu ironicamente. – Como você vai decidir isso? Além disso, você está em óbvia desvantagem.

– Eu sei contar. – Valery disse. – E eu decidi que não vou largar a Tabita.

Decisão arriscada, mas não se importava. Não iria abandonar sua amiga ali, à mercê daqueles demônios em forma de mulher. Não sairia de perto dela. Parecia uma decisão insensata, mas tinha os conhecimentos básicos de magia ao seu lado.

Não era de todo uma loucura.

Mabel, Soraya e Servia se posicionaram ao seu redor. Valery desembainhou sua espada, que raramente usava, mas que carregava por precaução apesar de não ser tão boa espadachim como Tavius. Empunhou-a com a mão direita, na vertical, e colocou dois dedos da mão esquerda sobre a ponta da lâmina.

– Fortoj de lumo, ci klingon farigu instrumento kontrau la mallumo!*

No mesmo instante, a lâmina da espada assumiu um brilho azulado. O trio que a cercava aguardava o primeiro movimento de Valery. Mesmo reforçando a espada, ela teria que deixar Tabita desprotegida. Não foi o que aconteceu. A maga segurou a espada na horizontal com as duas mãos e deu um giro completo sem sair do lugar. O círculo luminoso formado por esse movimento se expandiu rapidamente, indo de encontro às três que a cercavam.

Mabel, Soraya e Servia simplesmente flutuaram a alguns metros do chão, para espanto de Valery.

– Essa não...! – exclamou.

Mesmo surpresa com o que vira, procurou se refazer e fez novos movimentos na direção do trio, descrevendo vários arcos no ar com a espada ainda sob o efeito da magia. Os arcos luminosos conseguiram acertá-las, porém não lhe causaram danos. Sua magia era fraca contra os poderes das três bruxas.

Soraya lançou um raio na direção de Valery e Tabita, porém...

– Protekto!**

Uma redoma transparente se formou ao redor das duas amigas, mas não adiantou. O raio lançado contra elas quebrou a proteção como se fosse um fino cristal. Vendo que não tinha mais a defesa, Valery abraçou Tabita e deixou-se atingir pelas costas.

O ferimento ardia muito, havia queimado tanto a roupa quanto a pele. A sua sorte era Tabita não ter acordado ainda, senão sua preocupação seria ainda maior. Não queria que ela a visse no estado em que estava.

Suas pernas tremiam ao se levantar e sua espada perdeu a luminosidade. Além de feri-la, aquele ataque de Soraya acabou por enfraquecê-la. Embainhou rapidamente a espada e fez um grande esforço para se levantar, segurando Tabita em seus braços. Seu equilíbrio era precário, pois, apesar de Tabita ser franzina, Valery, mesmo sendo maior, também era igualmente franzina.

No entanto, Valery tentou ignorar esse fato e saiu correndo com Tabita em seus braços. Procurou correr o máximo que pôde, mas a cada passo se sentia mais e mais enfraquecida, desde que recebera aquele ataque. Corria a toda velocidade, sem se importar com mais nada.

Olhou para trás e não viu ninguém. E não tinha força suficiente para usar novamente aquela magia do terceiro olho. Era continuar correndo até conseguir encontrar Tavius e Samira.

Mas não conseguiu ir longe. Aquelas bruxas não estavam atrás delas, apareceram na sua frente, diante de seus olhos incrédulos!

Na verdade, eram apenas duas. Mabel e Soraya.

Onde estava a terceira? Onde estava Servia?

Um forte golpe por trás fez com que Valery caísse e largasse Tabita. O golpe fora bem no local onde fora feita a queimadura. Em um rápido movimento, Servia mais uma vez tinha Tabita em suas mãos.

***

O sol começou a se pôr, e Tavius voltou ao ponto de onde ele, Samira e Valery haviam se separado. Alguns minutos depois, Samira reapareceu. Tanto um como o outro não vinham nada satisfeitos por conta das buscas sem sucesso.

Tavius continuava a sentir aquela pontada em seu coração, sabia que Tabita ainda estava em perigo. O tempo passava, e nem sinal de Valery. De repente, sentiu uma pontada diferente. E aquilo o perturbou ainda mais.

– Samira! Temos que ir atrás da Valery!

– Sei que ela tá demorando, mas será que aconteceu algo com ela?

– Tenho certeza de que aconteceu algo. Ela não demoraria tanto pra aparecer.

– Tem razão, Tavius. Vamos atrás dela!

Os dois montaram nos cavalos e levaram o terceiro, seguindo a direção que Valery seguira. Temiam que tivesse acontecido algo à companheira de jornada.

***

Um grito ecoou no ar.

Valery acabava de receber mais um golpe em seu ferimento. Um forte chute de Mabel.
Em vão, tentou se levantar. Mal se mantinha em pé, mas queria livrar Tabita das mãos daquele trio maligno de qualquer maneira. A dor era demais, ainda mais com mais aquele golpe. Ofegava por conta do esforço de permanecer em pé, enquanto via Servia com sua amiga. Sua magia de nada havia adiantado, todos seus esforços para protegê-la daquelas três haviam sido em vão.

O pior de tudo é que não sabia mais onde estava, nem onde estavam Samira e Tavius.

Mais uma vez pegou sua espada e lançou-se ao ataque contra Servia, a fim de tentar libertar Tabita das correntes que a aprisionavam. Iria atacar sem magia mesmo, não tinha mais forças para um ataque do tipo. O jeito era ir mesmo no corpo a corpo.

Servia jogou Tabita no chão e, com agulhas feitas de magia negra, atingiu Valery, que não suportou o ataque e desabou no chão. Chutou Tabita, que foi parar nas mãos de Mabel, e se dirigiu à maga.

Esta recebeu um poderoso chute nas costelas e se retorceu de dor, só para o deleite de sua agressora. Como se não bastasse a dor do fracasso, teria que suportar a dor física também.

– E então, “maguinha de araque”...? Como se sente? Se você não tivesse fracassado, não teria que ver sua amiguinha com a gente, não é? Pois bem, a culpa é sua de ter sido incapaz de defender sua “amiguinha”... Será que você é mesmo amiga desse traste? Ou será que é só fingimento mesmo?

– Cala a boca, sua mentirosa...! – Valery disse. – Você não sabe de nada!

Tabita acabou recuperando a consciência na pior hora. Mais uma vez estava presa, nas mãos daquelas três. E deparou-se com a cena de Valery ferida, jogada no chão e dominada por Servia, que não perdeu a chance:

– E olha só quem acaba de acordar... – ironizou. – Ei, inútil, olha só quem disse que viria te ajudar!

– Valery...! – Tabita exclamou.

Soraya apertou as correntes que prendiam Tabita e ainda desferiu um forte tapa em sua face.

– Olha só, Tabita... Se a Valery realmente fosse sua amiga, ela se levantaria daqui e te tiraria das nossas mãos. Mas ela é incapaz disso. Se fosse mesmo sua amiga, não seria essa perdedora que é, sendo dominada facilmente por mim.

– É mentira, Tabita... Você sabe que é mentira...!

– Pare de bobagens, maguinha! Para de mentir, você só é amiga dessa inútil por interesse!

– Tabita, não acredite em nenhuma palavra do que ela diz!!

E mais um golpe foi dado: um pisão na mão direita, que ainda agarrava com força sua espada. Valery sentiu os ossos de sua mão se esmigalharem instantaneamente e urrou de dor. Tabita também sofria por ver isso, até lágrimas invadiram sua face ao ver tamanha crueldade.

– Acabou, Servia. – Mabel ordenou. – Já as humilhamos o bastante. Vamos.

Servia não disse nada, apenas obedeceu. Deixou Valery jogada ali e juntou-se às outras duas.

– Deixem a Tabita... Em paz... Já a torturaram o bastante...!

A voz fraca de Valery foi simplesmente ignorada. Antes do trio desaparecer com Tabita, ouviu-a dizer:

– Valery... Me ajuda...!

Assim que se viu sozinha, as lágrimas de dor, frustração, humilhação e culpa começaram a deslizar livremente por sua face ferida. Não conseguia falar nada, nem ao menos soluçar. Apenas tinha o olhar perdido, distante.

Havia fracassado e fora humilhada sem piedade. E isso doía demais.

Escutou o som de cavalos trotando para chegar até onde estava. Nem queria olhar, pois já pressentia quem acabava de chegar.

– Valery!! – Samira desceu rapidamente do seu cavalo ao encontro da maga. – não diga que...

– Sim – ela respondeu. – Eu encontrei a Tabita.

– E onde ela está? – Tavius, em um gesto de desespero, pôs as mãos sobre os ombros dela.

Valery não conseguiu encará-lo, seu olhar se dirigiu ao chão, onde algumas lágrimas caíram. Tavius logo entendeu que ocorrera o pior.

– Eu encontrei a Tabita, mas... Eu a perdi...! Eu fracassei, Tavius... Me perdoa...!