The Body - o Corpo Chapter Vi escrita por WildmisT


Capítulo 1
Chapter VI




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Caminhei o mais rapidamente que pude de volta ao hospital. Sei que muitos detalhes me passaram desapercebidos, por conta da minha pressa. Se eu pudesse reviver aqueles momentos, teria percebido que desde o início, a verdade me fora dada de forma crua, direta. Uma lembrança pálida que tenho do meu trajeto de volta ao hospital, é a de ter visto coisas pendendo das árvores. Mas disto, assim como de muitas outras coisas, não estou certo de que realmente vi.

A porta do hospital estava aberta. Senti um vento frio percorrer minha espinha, caminhando, impulsionado pelo medo, em direção à escuridão. Tive a sensação de que não era a luz que penetrava as trevas, mas o inverso: as trevas pareciam sair do interior do hospital, engolindo a névoa, a luz, a realidade em que eu estava. Empurrei um pouco a porta. Pude, com dificuldade, ver uma cadeira de rodas ensangüentada jogada ao chão. Uma de suas rodas girava, lentamente. No chão havia um rastro de sangue. Liguei a lanterna, seguindo o rastro. Um cheiro de sangue coalhado invadiu-me as narinas, provocando-me um mal-estar súbito. Levei as mãos à boca, contendo minha ânsia de vômito. O corpo da enfermeira havia desaparecido, deixando apenas uma poça de sangue enegrecido e fétido no local. O rastro de sangue, porém, não terminava na poça. Continuava a frente, como se um ser já sangrando, houvesse sido arrastado desde a entrada do hospital. Caminhei mais alguns passos. Ouvia apenas o barulho de meus sapatos em atrito com o chão. De certa forma, aquele barulho me fascinava, porque eram uma lembrança de que eu ainda estava vivo. Eu produzia sons, percebia a realidade. Eu tinha um corpo, tinha peso. E isso me dava a segurança efêmera de uma existência perfeita.

O rastro seguia por debaixo da porta do ambulatório. Segurei minha foice com força e abri lentamente a porta. Dalton estava sentado em uma cadeira por detrás do birô, de costas para a porta. O ambiente estava sombrio e a luminosidade da lanterna tornara-se fraca. Talvez as pilhas já estivessem gastas. A imagem do jovem projetou-se contra as cortinas de uma forma grotesca, formando uma imagem humanóide, distorcida. Seu ombro direito fazia discretos movimentos como se desferisse discretos socos na própria coxa. Puco pude ver do restante do ambulatório, mas acho que deveria estar do mesmo jeito que antes. Ele ergueu a cabeça, olhando discretamente para trás. Em seguida, retomou seu silêncio aparentemente me ignorando. Um odor fétido impregnava minhas narinas, dando a sensação de sufocar. A presença muda de Dalton me amedrontava. Dei um psso para trás, pensei em recuar, fugir. Mas Dalton rompeu seu silêncio:

- Travis, não é esse seu nome? -- permaneci em silêncio. Fitava Dalton fixamente, meus sentimentos oscilando entre o medo e a confusão. Ele me prendia ao ambulatório. Sentia em seu tom de voz o lamento de uma descoberta. A paz indiferente, que ele tanto se esforçara em aparentar, ruíra, dando lugar a uma voz atormentada, falha. - Quando eu acordei aqui, eu pensei que tinha recebido uma segunda chance. Eu me lembrava vagamente do que eu tinha feito, mas preferi negar. Preferi me agarrar a minha esperança de uma segunda chance, de que eu poderia ser perdoado. Eu me arrependi tanto...

- Você sabe porque está aqui? - perguntei trêmulo.

- Você ainda não? - retrucou melancólico. O movimento com o ombro direito continuava discretamente. Ele suspirou irônico. - A ignorância pode ser uma benção.

- Não consigo entender o quê você está falando, Dalton. O que aconteceu com você? Por quê você está aqui? Por que nós estamos aqui? - indaguei contendo minha agitação.

- Eu sangro! - Dalton disse espantado, um quase grito. - Voce sabia disso?! Eu sangro! E meus ferimentos não cicatrizam! E elas deveriam cicatrizar!

Dalton deu uma insana gargalhada, virando-se lentamente. Pude ver em seu rosto múltiplos cortes, o olho esquerdo, com a pálpebra fechada, vertendo sangue, dando-me a incômoda sensação de que o sangue era lágrima. Ergueu-se com dificuldade, revelando-me que suas roupas estavam encharcadas com o próprio sangue. Em sua mão direita um pequeno bisturi ensangüentado. Devido à mutilação que infligira a si próprio, Dalton caminhava cambaleante, emitindo sons que se assemelhavam ora ao choro ora ao riso. A face dele diluía-se gradualmente em meio ao sangue e às lágrimas, tornando-se uma massa desforme semelhante aos rostos dos monstros que vira na cidade. Olhava aquela cena hipnotizado por sua crueldade. Enfraquecido pela perda de sangue, Dalton caiu de joelhos. Apoiou a mão sobre o joelho esquerdo, gritando desesperadamente enquanto tentava se levantar. Sua face já não possuía expressão alguma, sua essência já não tinha nenhuma humanidade. Dalton permanecia ajoelhado. Percebendo que eu tinha alguma vantagem naquela luta, despertei do transe. Eu tinha que me defender. Avancei rapidamente sobre aquilo que um dia fora Dalton, desferindo um golpe na cabeça. O impacto do golpe fez com que o corpo da criatura fosse projetado para trás, caindo com as costas no chão, largando o bisturi. Um grunido selvagem ecoou pelo ambulatório. Desferi novos golpes. Entrara em frenesi, sequer percebendo em que momento o corpo permanecera inerte, sem vida. Dalton morrera e com ele foram as respostas que ele poderia me dar. Limpei o suor do meu rosto, o que deixou algumas manchas de sangue em minha face. Revistei suas roupas em busca de alguma arma, no entanto, encontrei apenas um pequeno livro com a capa rosa.

ele estava imóvel. Não queria alguma surpresa desagradável. Sentei-me à mesa. Iluminei as páginas, iniciando minha leitura. A letra redonda e feminina aqueceu meu coração com um fúnebre carinho. Era uma garota deprimida. No início de cada relato, havia apenas o dia e o mês. Folheei, sem sucesso, o diário em busca de uma referência a um ano específico.

"14 de fevereiro

Inicio este relato pelo conselho do psicólogo da escola. Ele diz estar preocupado comigo. Ele acredita que escrever meus sentimentos me ajudará a superar a dor. Com certeza ele nunca perdeu alguém que amava. E o pior é que quando eu penso, vejo que ele tentou me alertar. Ele me pediu ajuda! E eu fui cega, cega! Me odeio. Me odeio mais que tudo!

24 de fevereiro

Hoje fazem dois meses. Mas a dor é como se tivesse sido ontem. Me sinto ridícula escrevendo essas coisas.

05 de abril

O psicólogo da escola me encaminhou a um psiquiatra. Devo estar com sérios problemas.

17 de maio

Hoje me deu muita saudade dele. Queria ver o vídeo que a polícia encontrou na casa dele. Por que não me deixam ver?

08 de agosto

Minha mãe decidiu que no final do ano iremos mudar de cidade. Talvez isso me faça bem. E reconheço que escrever esse diário me ajudou um pouco. Mas não quero esquecê-lo. Quero manter ele vivo dentro de mim. Para sempre!"

Ao ler a menção a um vídeo encontrado pela polícia, minhas pernas estremeceram. Senti um vácuo apossar-se de meu interior, agredindo-me a boca do estômago. Abri minha mochila, procurando a fita que encontrara na delegacia. Segurei-a temeroso de que aquela fosse a fita a qual se referia o diário. Precisava assistí-la. Lembrei-me de um bilhete que informara sobre o material de vídeo do hospital estar no auditório.

 


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