The Body - o Corpo Chapter V escrita por WildmisT


Capítulo 1
Chapter V




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Sentia meu corpo desgastado. Sentei-me numa cadeira próximo ao birô, refletindo sobre o prontuário. Pelas minhas deduções, o próximo lugar a ir seria a delegacia. Peguei o mapa da cidade e iluminei com a lanterna. Visualizei as ruas e o local onde estava localizada a delegacia. Ficava próximo ao hospital. Descansei por alguns minutos.

Levantei-me e deixei o ambulatório. O corredor havia retornado a seu aspecto normal. O balcão da recepção estava deserto. A única evidência da passagem de Dalton pelo lugar, era o desaparecimento do livro. Provavelmente levara consigo. A porta de entrada do hospital abriu-se com dificuldade desta vez, emitindo um som grave, que ecoou pelo corredor silencioso. Novamente a névoa. Pouca visibilidade. Apaguei a lanterna. Caminhei até o portão de entrada, prossegui pela rua. A solidão já não me atormentava mais. Percebia que, de forma inevitável, alguns sentimentos dissipavam-se em meu interior cada vez mais oco. Algumas árvores estavam sem folhas e com galhos ressequidos, embora não parecesse ser outono nem inverno. Agora que percebera as árvores, tinha a estranha sensação de que aquela cidade era atemporal. Percebi algo parecido com uma corda pendendo de uma das árvores. Por alguns instantes perdi meu foco. Balancei um pouco a cabeça, chamando minha própria atenção a coisas que realmente importavam: chegar a delegacia.

Diante da delegacia, estava estacionada uma viatura, porta entreaberta. Aproximei-me do carro. Dentro, havia um corpo inerte de um policial. Ele estava sujo de sangue, o rosto desfigurado, parecia não respirar. Observei seu peito atentamente. Nenhum movimento. Pus o dedo proximo a suas narinas. Não respirava. Verifiquei o rádio da viatura. Mudo. No cós do policial havia um cinto e uma pistola. Encarei novamente o policial inerte, aproximando lentamente a mão da arma. Tinha a sensação persistente de que a qualquer minuto, ele se moveria e me atacaria. No entanto, peguei a arma, sem que este esboçasse alguma reação.

Vibrei ao me apossar da pistola, ensaiando como seria o disparo. Pratiquei a mira. Sorri. Então, mais confiante ainda, olhei ao meu redor. Abri a porta da delegacia. A sala de espera possuía uns bancos na cor branca, recostados a parede. No lado oposto ao da entrada, havia um enorme balcão de madeira envernizada e, por detrás deste, um emblema da polícia. À esquerda, havia um quadro com fotos de algumas pessoas procuradas. Apenas por curiosidade, li os nomes. Walter Sullivan, Aileen Carol Wuornos, Herbet Mullin, Gilles de Rais. As fotos dos rostos estavam rabiscadas., impedindo de ver as feições de cada um. No entanto os nomes não me pareceram familiares, então ignorei. Aproximei-me do balcão. Havia apenas um livro de registros e alguns suportes para canetas e blocos de papel em branco. À direita, havia uma porta de madeira. Abri-a, chegando a um escritório com alguns birôs. Sobre um dos birôs havia uma câmera fotográfica, envolta em um saco plástico. Proximo a janela, havia uns armários para o arquivamento. Uma das gavetas estava entreaberta. Aproximei-me do armário e puxei lentamente a gaveta.

A porta abriu-se subitamente atrás de mim. Virei-me rapidamente, apontando a arma na direção da porta. Era Alessa. Ao ver-me armado, ela largou o pedaço de cano que ainda carregava consigo. Os cabelos loiros estavam bastante assanhados, as roupas dela sujas de sangue, suas feições apavoradas. A blusa estava alguns botões abertos na parte superior, revelando um singelo pingente dourado em forma de coração. O terror nos olhos dela revelaram-me que ela tivera maus momentos, batalhas próprias, nas quais eu não a pude ajudar. Senti meu peito apertar-se diante da minha inutilidade em protegê-la. Estava mais bela do que da última vez que eu a vira.

Percebi os lábios dela movimentarem-se sutilmente, embora não tivesse compreendido bem o que ela quis dizer. Interpretei como um pedido para que eu não atirasse. Só então me dei conta de que estava com uma pistola apontada para ela, que misteriosamente eu tanto amava. Abaixei a pistola.

- Desculpe. - murmurei constrangido. - O que você está fazendo aqui?

-Eu poderia te perguntar a mesma coisa.

- Desculpe. De novo. Eu fico feliz que você está bem. Descobriu um jeito de sairmos daqui?

- Não. E pela sua pergunta, acho que você também não. - retrucou ela, melancólica. - Mas acho que estou numa pista certa sobre um jeito de sairmos daqui.

- Mesmo?! - exclamei incrédulo. Ela movimentou afirmativamente a cabeça.

- Eu estava indo para o distrito comercial, há algumas quadras daqui. Mas vi você, então decidi vir atrás de você.

- Obrigado. - disse eu, abaixando o olhar. Pelo calor em minha face, senti que meu rosto adquirira tonalidade rubra.

- Eu vou indo.

- Espere! - disse subitamente. - Leve isso com você.

Entreguei a pistola a ela.

- Mas e você? - perguntou ela. Ouvir a preocupação dela com minha pessoa acelerou-me o coração. Ela se importava comigo!

- Eu sei me defender. Além do mais, eu também tenho uma arma. - disse em tom de gracejo, mostrando minha foice. - Só me prometa que não vai me abandonar. Que assim que você descobrir, você irá me levar embora daqui. E também que não vai atirar em mim. Portanto, quando for atirar, verifique que não sou eu!

- Eu prometo. - respondeu ela com um sorriso reprimido, discreto. Ela apreciara meu gracejo, e , em um lugar onde havia espaço somente para lamúrias, eu tivera um momento feliz. - Onde eu posso te encontrar?

- Eu voltarei ao hospital, depois que terminar minha busca aqui. - disse, disfarçando minha euforia. De alguma forma, sentia-me responsável por Dalton e não poderia fugir sem ele.

- O que você está procurando? - perguntou ela.

- Eu não sei! - respondi, caindo na gargalhada.

Alessa não percebeu o quanto de desilusão e desespero havia na minha gargalhada. Fiquei menos inquieto ao notar sua ignorância do pânico que me dominava. Ao vê-la cruzar a porta, suprimimi o desejo de impedí-la de ir, o de me juntar a ela, não permitindo que ela fosse sozinha, e o de tomar minha pistola de volta. Fitei a foice desanimado. Olhei novamente para dentro da gaveta. Continha um pequeno envelope lacrado, escrito "Para você". Sequer refleti sobre ser enderaçado a mim ou a Alessa ou ainda a Dalton. Rasguei o lacre. Encontrei uma fita de video-cassete e um bilhete. No bilhete estava escrito, novamente, apenas a expressão "Para você". Sorri irônico ao me deparar com algo tão inútil. Olhei cuidadosamente a sala, mas não encontrei um video-cassete, onde pudesse assistir à fita. As gavetas dos birôs estavam trancadas. O saco plástico que continha a câmera fotográfica estava vedado com fita adesiva. Dentro havia escrito, num papel que só agora percebi a palavra "evidência". Rasguei o saco e verifiquei a câmera. Aparentemente era uma câmera polaroid comum, na cor preta, sem nenhum detalhe que chamasse muito a atenção. Por curiosidade, olhei através de sua lente. Vi apenas a sala monótona em que me encontrava. Decidi checar se ela ainda funcionava. Apertei o botão de fotografar, o que emitiu um flash, que me atrapalhou a visão por alguns segundos. Ouvi um estranho barulho vindo da máquina, até que uma foto em branco foi expulsa de seu interior. Coloquei a máquina sobre o birô. Lentamente, duas silhuetas humanas foram desenhando-se na foto. Meu coração disparou em revolta, minha boca tornou-se seca, meus olhos recusaram a crer no que viram. Era uma fotografia de Dalton abraçado a Alessa. Porém, as feições dela, na foto, estavam mais jovens, como se a foto tivesse sido feita anos antes. No entanto, a aparência atual de Dalton mantinha-se como a do adolescente da foto. Minha mão trêmula derrubou acidentalmente a foice no chão. Corri até a entrada da delegacia, mas não vi Alessa. Apenas a viatura e o policial desfigurado.

Sentia-me meio tonto, minhas pernas estavam fracas. Não compreendia o que estava acontecendo. Alessa desaparecera no meio da névoa. Retirei o mapa da minha mochila e olhei onde se localizava o distrito comercial. Retornei a sala. Peguei minha foice. Apertei o botão da câmera outras vezes, mas nada aconteceu. Olhei novamente a foto de Alessa e Dalton abraçados em um parque, trajando o mesmo uniforme escolar. Permaneci quieto por alguns instantes, refletindo sobre o que aquilo poderia significar. Tive receio de ter interferido na jornada pessoal de Alessa e que, por minha culpa, ela não mais deixasse a cidade. Desejei intensamente que ela voltasse ou que Dalton aparecesse. Não sei ao certo quanto tempo fiquei preso a minha tentativa infantil de reparar um possível erro que eu tivesse cometido. O choro de arrependimento sufocava-me. Alessa e Dalton estavam ligados, mas não me lembrava de nada, em absoluto, que me envolvesse com eles. Nunca os vira antes. Mas estávamos ali, presos àquela cidade e presos um ao outro. Teria Alessa encontrado Dalton alguma vez naquela cidade? Este pensamento rápido cruzou-me a mente. Mas, racionalizando, concluí que não, pois ela teria comentado comigo sobre o assunto. Olhei a foto uma última vez, antes de guardá-la em minha mochila, junto com a fita cassete. Decidi não ir ao distrito comercial, pois isto poderia provocar um desencontro entre nós. Optei por esperá-la no hospital. Com um pouco de sorte, encontraria Dalton, e ele poderia me prestar alguns esclarecimentos. Levantei-me resoluto, meus passos eram firmes, minha respira ção forte. Revestido com uma aparente fortaleza, parti em direção ao hospital.



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