The Body - o Corpo Chapter I escrita por WildmisT


Capítulo 1
Chapter I




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    Ao abrir os olhos, pude peceber que estava deitado. Olhando em volta, deduzi que estava em uma sala de aula. Sentei-me no chão para uma melhor análise do lugar. A luz penetrava escassa pela janela, devido à densa neblina. Não havia ninguém comigo. Minha mochila estava sobre a última carteira. Levantei e fui pegar meus pertences, mas minha bolsa estava vazia. Senti um profundo ódio pensando que algum desocupado tinha roubado minhas coisas. Olhei em todos os bolsos. Nada: livros, estojos, caderno, caneta, telefone celular, tudo havia desaparecido. Coloquei a mochila nas costas e, sem dar atenção ao estranho desenho no quadro negro, aproximei-me da porta e girei a maçaneta. Estava trancada. Empurrei com mais força, porém a porta sequer se moveu. Respirei fundo e caminhei em direção a janela que dava vista para rua. Até onde a neblina me permitiu enxergar, nao pude ver nenhum ser humano, nenhum animal, nada. A rua estava vazia, silenciosa, mórbida. Tornei à porta e a empurrei com mais força ainda. Gritei e soquei a porta, tentando chamar atenção. Do outro lado, pude perceber apenas o mesmo silencio que havia na rua.Joguei minha mochila na mesa do professor e respirei fundo, novamente. Neste momento, percebi que no quadro negro havia o desenho de uma forca acima de três traços horizontais. À direita desse desenho, havia os dizeres: " O lugar onde você está e aonde você deseja chegar.". Essa frase nao me fez o menor sentido. Como poderia eu estar em um lugar e ao mesmo tempo chegar a ele? Peguei uma cadeira e a arremessei contra a janela. O vidro permaneceu sem um arranhão sequer. Meu desespero aumentou, pois não vislumbrava maneira de sair daquele lugar.

 

Sentei à mesa do professor, sufocando meu choro. Meu braço esbarrou em um pedaço de giz branco. Olhei novamente para o desenho da forca, os três traços horizontais e a frase. Peguei o giz e me aproximei dos traços. Não consegui racionalizar o porquê de acreditar que descobrindo a palavra, a porta se abriria. Minha capacidade de raciocínio lógico estava abalada, e eu me agarrava a qualquer possibilidade de sair daquela sala, por mais improvável que parecesse.


Aproximei-me do desenho com o giz na minha mão. O lugar onde eu estava era a minha escola, obviamente. E os três traços eram três letras. Uma sigla; a sigla do nome da minha escola. No primeiro traço, escrevi a letra C, porém o pó de giz recusou-se a permanecer no quadro, caindo no chão com a suavidade de flocos de neve. Pude ouvir um gemido distane, enquanto o desenho de um círculo se fez sozinho,junto ao desenho da forca. O susto me fez afastar-me do quadro e jogar o giz no chão. Eu errara a palavra, e a mudança do desenho me fez peceber que para meus erros haveria uma punição. Engoli seco, sentindo um desconforto em meu pescoço, como se algo me sufocasse. O medo apossava-se de meu corpo, pois simplesmente não conseguia compreender aquela situação. Não conseguia me lembrar de como chegara ali, nem das coisas que haviam acontecido. Minha mente estava um tanto turva. Tinha dezoito anos e tudo que desejava era chorar feito criança. Intuía que aquela seria minha única possibilidade de sair dali. Lembrava-me vagamente de minha família e do quanto eu era feliz até o momento antes dessa situação começar. Fitei o desenho e peguei novamente o pedaço de giz. Queria estar com minha família. A solidão era angustiante. Algo cruzou a janela, embora eu não tenha percebido do que se tratava, pois fora algo súbito. Apenas percebi de relance. Cerrei o punho com força e revolta, quebrando o pedaço de giz em pedaços ainda menores.


"O lugar onde você está e aonde você deseja chegar". Li diversas vezes essa mensagem sem encontrar nenhum significado para ela. Como eu poderia já estar num lugar aonde eu queria chegar? Eu queria estar em casa e decidi tentar resolver aquele jogo, considerando apenas a segunda parte, o lugar onde eu queria estar: em casa. Precisava encontrar um sinonimo para "casa" que tivesse apenas três letras. Isto me pareceu bem fácil: lar. Com um pedaço do giz, escrevi a letra A no segundo traço e dessa vez o pó de giz permaneceu no quadro. Enchi-me de esperança, pois aparentemente acertara dessa vez. Prossegui escrevendo palavra "LAR", então ouvi um barulho oriundo da porta, que se abrira, como eu havia imaginado.
Corri até o corredor, parando ao perceber que a luminosidade tornara-se ainda menor. Procurei um interruptor na parede, mas as luzes nao acenderam. " Talvez estejam queimadas." pensei trêmulo. Havia desejado sair daquele lugar mais do que qualquer outra coisa e agora temia seguir adiante.Caminhei a passos lentos, com a respiração abafada, difícil. As demais salas estavam sem maçaneta, o que me causou uma estranha sensação onírica: aquilo não devia ser real.
Empurrei a porta de algumas salas, que sequer se moveram. Continuei minha marcha lenta em direção ao fnal do corredor, que, com algum esforço, podia ver que terminava em uma bifurcação.
Chegando a bifurcação, um amontoado de carteiras impedia que eu prosseguisse pela esquerda. Tomei então o corredor da direita.


Caminhava tenso, lentamente, pelo corredor. A luminosidade diminuindo. Pouco depois, cheguei a um pátio, onde havia um parquinho para crianças. Tive a impressão de que um dos brinquedos fez um discreto movimento espontaneamente. Pemaneci com o olhar fixo nele. Nenhum movimento. Talvez a névoa tenha me pregado uma peça; ou o medo, ou o cansaço. Ouvi um ranger de porta distante. Meu coração disparou. Era a primeira possibilidade de encontrar alguém naquele lugar assustadoramente deserto. Apesar da visão dificultada, corri pelo parquinho, chegando a um outro corredor, ainda menos iluminado. Hesitei. Procurei algum interruptor, mas senti apenas minha mão tocar em um líquido viscoso, que escorria pela parede.Puxei a mão rapidamente. O líquido era incolor e não possuia cheiro. Limpei a mão na minha calça e fitei novamente o corredor. A escuridão parecia engolí-lo. Mas minha única opção era seguir em frente. Esperei os olhos acostumarem-se e retomei minha caminhada.

O barulho dos meus passos ecoava firme pelo corredor, o que me dava a estranha segurança de pisar em algo sólido. Era uma sensação mórbida e reconfortante. Quase sorri diante desse pensamento. Mas, misteriosamente, sabia que naquele lugar não deveria haver sorrisos. Encontrei uma nova bifurcação e uma escada. Pude ver algumas portas que deveriam ser de salas de aula, fechadas, no corredor a minha direita.A minha esquerda havia apenas uma porta com uma placa escrito almoxarifado. Tentei abrí-la, mas estava trancada. Sentei-me num dos degraus da escadas, refletindo sobre que caminho tomar. A ventilação também estava escassa. Uma gota de suor escorregou pelo meu rosto. Enxuguei-a irritado.



Minha respiração estava pesada. Lutava para conter minha angústia, meu desespero, meu grito. Ainda não gritara desde que todo esse evento inexplicável começara. E quando fui fazê-lo, silenciei. Levantei-me desanimado. Ouvi um estranho murmúrio vindo do segundo andar, acompanhado de passos tão pesados quanto os meus e um barulho de porta se fechando. Subi as escadas, encontrando um novo corredor. Havia um flanelógrafo com uns avisos. Eram apenas trivialidades. Avisos de aulas extras, propagandas de palestras destinadas aos alunos, avisos de mudança de sala por conta de uma reforma. Um dos avisos chamou minha atenção. Tratava-se de um convite para uma missa a ser realizada na capela da escola. Meu corpo estremeceu, pois a missa era em prol de um aluno que cometera suicídio há um mês, porém no aviso não havia data. Não me recordava de estudar em uma escola católica. Pela primeira vez, pensei que talvez não estivesse na minha escola. Senti sede. Li no aviso que a capela ficava no segundo andar da escola. Decidi procurar por ela.

O corredor era idêntico ao do primeiro andar, porém ainda mais escuro. Resmunguei sobre meu celular que desaparecera. Ainda que de forma bem sutil, ele poderia trazer alguma luz. Passados alguns instantes, meus olhos acostumaram-se e pude perceber que neste corredor não haviam portas. Intuí que, talvez, a capela ficasse nesta região. Caminhei, segurando na parede, apenas porque isto me fez sentir mais confiante.

Ao fundo do corredor, encontrei uma grande porta dupla de madeira. Ao seu lado, uma placa de mármore, à esquerda, escrito "capela". Óbvio, mas de certa forma cômico. Encostei o ouvido na porta e pude ouvir, novamente, os murmúrios. Havia alguém ali dentro. Senti meu corpo revigorar-se.



Girei a maçaneta. A porta abriu com dificuldade, emitindo um macabro rangido semelhante ao que ouvi anteriormente. Do lado oposto da entrada havia um altar coberto por um pano branco, um livro, provavelmente a Bíblia, aberto, um cálice e uma pequena vasilha. Por detrás do altar, pendurada na parede, uma imagem de Jesus Cristo crucificado, de, aproximadamente, um metro e meio de tamanho. Um tapete vermelho estendia-se do altar até a porta. De cada lado da capela, havia cinco fileiras de bancos praticamente vazios, exceto por um jovem rapaz que dedilhava um rosário. Olhei-o atônito. Ele aparentava ter uns quinze anos, os cabelos lisos e negros caíam por sobre as sobrancelhas um pouco grossas. Não tinha barba. Trajava um paletó com um símbolo desenhado. Deveria ser o símbolo da escola. Suas feições eram plácidas, e ele parecia estranhamente em paz. Não sabia o que perguntar a ele.

O garoto também me encarou quase surpreso. Mas dentro de alguns segundos, voltou a dedilhar seu rosário como se minha presença nada significasse. Senti-me humilhado por aquela atitude indiferente. Com a voz entrecortada, murmurei com dificulade:

-Finalmente! Alguém.

Não percebi o quão idiota minhas palavras eram. Ele me encarou, sem cessar suas orações, e indagou:

-Posso ajudar em alguma coisa?

-Onde eu estou? Onde estão todas as pessoas?

-Vivendo suas vidas.

-O que está acontecendo aqui? - ele permaneceu em silêncio. Talvez ele também não soubesse. Senti-me desapontado por aquele silêncio, pois havia depositado naquele garoto as respostas das minhas perguntas. Mas ele não as tinha. Reformulei minha pergunta - O quê você está fazendo aqui?

-Rezando. Expiando meus pecados. - respondeu, e pude perceber que ele movimentava rapidamente os dedos em volta do rosário.

Então eu estava em uma escola católica.

- E qual foi o seu pecado? - perguntei. Por alguns instantes, desinteressei-me pelos eventos estranhos que me rodeavam.

- O mesmo que o seu. - respondeu sombrio.

Estremeci diante da frieza daquele olhar e tive desejo de correr. Mas não consegui. Tentando aparentar uma calma que não possuía, caminhei pesado até onde o jovem estava e sentei-me ao seu lado. Ele dissera algo sobre um pecado meu, embora não me lembrasse de nenhum. Nunca fui religioso, tampouco lembrava de ter cometido algo moralmente condenável. Não havia nada a respeito disso em minhas memórias. Meu coração pulsava acelerado, a espera de alguma surpresa. A respiração ficou discretamente alterada, algo forçada. Aos poucos, meu corpo foi recuperando sua normalidade, e o garoto já não me pareceu assustador. Era apenas um garoto de quinze anos, com mentalidade fortemente religiosa, cujo nome eu ainda desconhecia. Abri a boca para perguntar-lhe o nome, mas ele me interrompeu bruscamente. Eu, acreditando que em seu discurso encontraria alguma verdade, silenciei obediente. No entanto, ele apenas extendeu o braço em minha direção.

- Coma. Confessar e comungar são importantes para a purificação - disse, oferecendo-me a hóstia sagrada que havia em sua mão.

Rendido pela autoridade de suas palavras e segurança de seus gestos, coloquei-a na boca. A hóstia dissolveu-se quente, amarga no meu palato. Uma náusea súbita apoderara-se de meu corpo, o gosto de sangue inundava minha garganta. Várias vezes contive o impulso do vômito, enquanto levava as mãos à barriga, tentando aplacar o ardor que nela se instalara. A voz do jovem foi-se distanciando. Ele perguntava se eu me sentia mal e o que poderia fazer para me ajudar. Ouvi uma sirene ao longe. Minha vista escureceu. Perdi os sentidos.


Continua...

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Notas finais do capítulo

Calma, este foi só o capítulo I ^^ Tem mais ainda XD Vejo vocês no lar...



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