Naquela noite, deitei-me e chorei. Chorei, chorei, chorei. Chorei como se o peso dos anos não fizesse a menor diferença, como se eu ainda fosse aquela garota boba de dezessete que um dia eu fora. Chorei sem me perguntar o porquê, sem pensar em nada, apenas deixei as lágrimas rolarem, por mim e por ele. Há muito que não lembrava aquela manhã, e aquela música, e aquela sensação de felicidade que eu então sentira. Chorei. Chorei até dormir.

Em dois dias voltei para casa, a fim de resolver umas pendências relativas a uma festinha em prol de crianças com câncer. O evento ajudaria inúmeras alas de oncologia pediátrica de mais de dez hospitais de todo o Reino Unido, era o maior já realizado por nossa associação. Aconteceria no jardim  da casa de Charlie e Sarah, pois ela também era membro e como o lugar é amplo e muito bonito, bem, unimos o útil ao agradável.

No decorrer da semana, Charlie levou-me a Londres para resolver questões burocráticas e outros detalhes. Era um batalhão de gente nas ruas, passavam por aqui e por ali sem olhar para os outros, como se não existissem. Na minha época não era assim! As pessoas se olhavam, se cumprimentavam, cediam espaço às mais velhas... Tudo culpa do Capitalismo! Sempre disse que ainda seria um mal, mas me mandavam ficar quieta, ou do contrário seria taxada de comunista e o governo britânico não simpatizava com gente de esquerda. Apesar de tudo, Londres continuava, sem dúvida, deslumbrante, magnífica!

O grande dia enfim chegou! Passamos a manhã decorando o jardim e Charlie levou Rupert para tomar sorvete, e assim não haver perigo de a decoração explodir ou ser destruída! O evento começou à tarde. Estava tudo tão lindo! Havia música, entretenimento, boa comida e MUITA gente! Muita mesmo. Não imaginava as proporções que tudo havia tomado. Conversei com inúmeros empresários e grandes personalidades ávidos em contribuir com a nossa causa e inclusive pessoas ligadas ao Parlamento! À noite, as luzes foram acesas e tudo parecey ficar resplandecente. O jantar foi servido, a música continuava, todos estavam visivelmente satisfeitos, e a comida estava ótima, muito gostosa mesmo! Arrisquei uma dancinha com Charlie que, diga-se de passagem, não herdou meus dons musicais! Pisou no meu pé umas quatro vezes e agora imagino o que Sarah não deve ter sofrido nos ensaios para a valsa da festa de casamento deles! Todos muito bem trajados, eu em meu vestido azul turquesa, os homens de paletó e gravata, as crianças aparentemente bem comportadas... Helen parecia uma princesa com seu vestido rosa chá! Um anjo, meu Deus! Tudo parecia seguir seu curso normal. Mas foi tudo muito rápido. Ouvimos um barulho e vimos faíscas, de repente, todas as luzes se apagaram. As pessoas ficaram um pouco temerosas, mas Charlie chamou uns conhecidos e disse que resolveria o problema e então foram aos fundos da casa para checar os resistores, fusíveis e todas aquelas tralhas ligadas a energia! Fui para a varanda esperar enquanto aquilo não se resolvia. Fiquei sentada, me balançando na cadeira, a brisa suave soprando, tudo tão escuro, escuro...

"Agatha.... Can you hear me?"

Ah não! Não poderia estar dormindo, ainda estava na varanda muito bem acomodada em minha cadeira! Antes de perceber o que estava fazendo, me virei e respondi:

"What do you want with me?" Ao me virar, percebi um vulto atrás dos arbustos, mas não fazia ideia de quem fosse, ou o que fosse.

"They need your help...." A voz respondeu. A voz parecia vir da direção do vulto. Mas o que aquilo estava fazendo na propriedade do meu filho? Isso era crime! Me levantei imediatamente e fui em direção ao vulto e ele começou a andar rumo ao bosque. Segui-o.

"Come, Agatha... I have to show you...." Eu parecia estar num daqueles meus sonhos, mas não era igual, dessa vez, era real!

"Show me what? Who are you?"

Minhas pernas pareciam ter movimento próprio, não via mais um vulto, era um ser, um homem, algo que andava encoberto pela escuridão que fazia, embora tentasse parar, não conseguia.

De repente, ele parou de chofre e tornou-se para mim. Devo ter ficado branca feito cera. Não, não podia ser. Minha boca queria se abrir e gritar e falar, mas eu estava imóvel. Eu estava chocada! OH MY GOD!