O Mundo Cinza escrita por evertoschneider


Capítulo 1
O Dia da Luz


Notas iniciais do capítulo

Pois bem, essa é o primeiro texto que consegui realmente terminar. Estou postando aqui como forma de ter meu trabalho avaliado. Espero que todos possam fazer críticas em relação ao meu texto, pois é com essa intuíto que o posto aqui. Inicialmente, essa é uma história fechada. Porém, dependendo do feedback que eu receber aqui, posso continuar escrevendo e fazer dessa uma história serializada. Espero que aproveitem a leitura, e que digam tudo que gostaram, não gostaram e principalmente o que pode ser mudado.



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Solitário, com pouco descanso e quase nenhuma fome. Assim ele gastou seus dias naquele lugar que parecia ter sido esquecido por qualquer forma de vida. Não que ele tivesse algo a reclamar. Já se passavam 2 meses e aquela situação se mantinha nesse ritmo, ele apenas não reclamava mais. A última vez que se encontrara com um sinal de civilização – não que ele chamaria aquele local de civilizado em outros tempos, mas encontrar alguém que entendesse o que ele dizia já era um grande alivio – havia sido a quase 4 dias, e agora já são 13 dias sem ver uma planta sequer pra colorir a monotonia daquela paisagem cinzenta. Durante esse período ele havia perdido todo o senso de humanidade que ainda lhe restava. Passou a se acostumar as pequenas porções de comida que se obrigou a racionar durante esse pequeno inferno, “um pequeno alivio se você lembrar dos primeiros dias” – ele pensou, dormia algumas poucas horas quando conseguia encontrar algum abrigo seguro, já que não se arriscaria a dormir em local aberto, não com alguma das Companhias podendo aparecer do nada e encontrá-lo tão vulnerável. Água fora um grande desafio. Racionando o máximo que ele conseguia, fora capaz de manter seu estoque durante todo esse tempo. Mas não a custa de um grande sofrimento.

Mas para ele, a maior das provações se mostrou o silêncio de sua jornada solitária. “Por que tudo aqui sempre é tão quieto? Me deem as explosões, me deem os gritos, me deem os desmoronamentos, as tempestades, o horror. Mas não me deixem aqui nesse terror sem vida”. Tudo naquele lugar lhe era desagradável, mas perceber que a única alma que habitava toda essa extensão de terra, era de algum modo perturbador demais para poder sustentar. Esse certeza correu por todo o seu corpo quando, ao final do 4 dia, ele percebeu que nem as Companhias se aventuravam por esses caminhos. Ele sabia disso, por que dificilmente ele deixava de observar algum indicativo de que qualquer das 3 Companhias que disputavam os territórios que ele estava anteriormente por 3 dias consecutivos. Não que essa constatação trouxesse algum alivio para ele “Se nem aqueles bárbaros ousam vir até aqui, em que tipo de inferno eu devo estar perdido?”. Esse era o pensamento recorrente em sua mente pelos próximos dias. Perdido. Perdido. Perdido. “E com certeza estarei morto, e não há de demorar muito”. E abraçando a ideia de uma morte certa, ele continuou caminhando, a espera de algum demônio cinza vindo das profundezas para reclamar sua alma condenada.

Mas esse tipo de demônio não veio, e nem no dia seguinte, e nem no próximo. Mas outro tipo de demônio havia lhe alcançado, sem que ao menos ele percebesse. A transformação que ele esta passando durante esse completo isolamento, era maior do que a que lhe abatera quando o horror tomara conta do mundo todo. Havia se passado mais de um ano desde que o primeiro sinal da destruição iminente estava por vir. Grandes ondas devastando o leste, e toda a civilização oriental estava em completo estado de panico, enquanto as noticias perturbadoras pareciam estar a um mundo de distância dele. Mas logo vieram aquilo que realmente o preocupou. Terremotos nas planícies africanas, gigantescas inundações brasileiras, tornados devastando o solo norte-americano, e naquele paraíso seguro que ele escolhera para algo a muito esquecido, “como eu me esqueci do motivo daquela viagem?” foi a única coisa que lhe veio a mente, a maior de suas preocupações era o olhar perturbado daquela que havia lhe acompanhado nessa encantadora lua de mel. “Sim, ela esta com tanto medo. Seus olhos, seus tristes e assustados olhos”. Mas por mais que tentasse, a única coisa que ele conseguia lembrar daquele rosto, eram seus olhos, e toda a tristeza que eles carregavam. “Lembre-se dela, você tem que se lembrar dela”. E lutando para trazer a superfície da sua mente as feições esquecidas de um rosto do qual somente os olhos lhe eram familiares. Ele se lembrou do horror que se abateu sobre ele naquele que foi o pior dia da vida dele. O dia em que o mundo dele acabou.

Por mais que todas as notícias através do globo fossem preocupantes, ele gostaria de continuar normalmente com aquela viagem. Ele não deixaria aquela tristeza continuar nos olhos dela por nem mais um dia. Foi assim que ele planejou uma simples visita a qualquer monumento histórico, museu ou parque que a cidade poderia oferecer para distrair suas mentes e corpos das catástrofes que abateram o mundo todo, menos o santuário em que eles se encontravam. Mas por mais que ele insistisse, ela se negava em sair do quarto, com alguma desculpa de um mal-estar súbito que se abatera sobre ela. Porém, ele a conhecia bem demais para ver através dessa farsa. Ela sabia o quão preocupada ela estava com seus pais, a meio mundo de distância. Ele era solidário quanto a isso, claramente. Ele somente sabia que nada que eles fizessem poderia mudar a situação deles, e que qualquer notícia trágica chegaria rapidamente até eles. Por isso ele apenas gostaria de distraí-la desses pensamentos devastadores, tirar um pouco da tristeza que já estava impregnada naquele olhar que ela lhe dera quando se negou mais uma vez a fazer qualquer tipo de passeio com ele.

Mas ele tinha em mente, que isso era o melhor a ser feito. E decidiu ir sozinho nesse passeio. Ele queria mostrar pra ela que nada havia para se preocupar, que nada poderia ser feito, e que eles deviam apenas aproveitar a viagem enquanto nenhuma notícia chegasse, e ele tinha certeza de que nenhuma notícia chegaria. “Eu só queria tirar aquela tristeza do olhar dela. Nada mais. Se eu soubesse, eu ficaria com ela, eu deveria ter ficado com ela”. Mas ele não ficou. E enquanto ele visitava algum templo no subúrbio da cidade, ele viu aquela luz. Do centro da cidade, emergiu uma luz, mais branca do que ele poderia imaginar e mais brilhante do que seus olhos suportavam. E então ela se estendeu por todas as ruas, quadras e bairros vizinhos. A impressão de que essa luz cortava toda a cidade veio até ele. E mais ainda, ela continuava até se perder de vista. Todo o país, ou quem sabe todo o continente havia sido dividido por aquela luz. Então veio o silêncio. Como se o tempo parasse, as folhas deixassem de cair. Nenhum ser vivo ousou respirar, e o vento parecia ter desaparecido. Mas o vento se lembrou de continuar soprando. “Não soprando. Sugado. Para dentro daquela luz”. Com tanta intensidade que ele por um minuto pensou estar sendo puxado para a luz. Mas logo o vento parou pela segunda vez, e então o som de milhares de horrores indescritíveis veio da luz. Como se o mundo inteiro gritasse em desespero. O inferno havia se abatido sobre a terra, aquela faixa de luz ia se tornando cada vez maior. Assim como os gritos. Todos os gritos do mundo. E então todo o mundo parecia estar tremendo, tudo balançava. Nada mais fazia sentido naquele terror e ele só conseguia pensar naqueles olhos. E então ele percebeu. “Deuses sejam bons. Ela esta lá. Naquela luz. Ela esta no meio daquela luz”. Sem conseguir pensar direito ele correu. Na direção da luz, para poder abraçar aquele olhar triste. Ele correu sem perceber que estava a muitos quilômetros de distância dela, do outro lado da cidade. Mas mesmo assim ele continuou correndo, sem se importar com isso. “Tenho que chegar até ela”. Foi pensando nisso que a explosão o alcançou. Primeiro uma grande rajada de vento, que fez tudo parar e silenciar. E então, ele foi jogado, muitos metros pra longe daqueles olhos. Junto com prédios, carros, árvores, pássaros. A própria Terra parecia estar se dividindo em duas. E foi com nesse cenário catastrófico que ele acertou um bloco de concreto, que por alguma interferência divina ainda estava firme no chão. E então veio a escuridão, e ele parecia ter certeza de algo. Ele não iria acordar para ver outro dia, assim como o mundo provavelmente não acordaria novamente depois disso.

Mas o mundo acordou. Assim como ele também acordou. Apesar de não saber quantos dias se passaram desde aquele horror. Porém, mais estranho do que perceber que estava vivo, era perceber de que algum modo ele estava se movendo. Ele estava em algum tipo de veículo, sendo puxado por duas figuras, disformes sob um manto escuro. Não sabia por que estava deitado ali, quem eram essas pessoas ou o que elas queriam. Isso poderia ter lhe assustado um pouco, se outra visão não tivesse tirado momentaneamente todo o ar de seus pulmões. Cinza. Por todos os lados, em todas as partes. Mesmo o céu havia se acinzentado. Tudo era cinza. Parecia que toda a cor existente no mundo havia desaparecido, e restava apenas o calmo, monótono e aterrorizante cinza. Ele teve vontade de gritar, mas se conteve por não saber muito bem o que aquelas figuras encapuzadas poderiam fazer se ele ousasse falar alguma coisa. Logo seus medos se mostraram infundados. Aquelas figuras o levaram a um rústico abrigo num prédio abandonado. Eles se mostraram ser dois gêmeos,que preferiam continuar incógnitos. “Nesse novo mundo, nomes não servem para nada”, o irmão mais alto havia dito. E ele tinha razão. Poucas certezas que ele carregava consigo antes dessa tragédia pareciam valer de alguma coisa agora. Naquele lugar, ele passou alguns vários dos meses seguintes com a improvável companhia dos gêmeos, da velha senhora, da adolescente e do rapaz mudo. Nenhum deles parecia se importar em falar seus nomes, por isso ele os chamavam assim. Mas com ele era diferente. Ele não conseguia se lembrar de seu nome, de quem era antes disso tudo acontecer. Ele apenas se lembrava do templo, da luz e da explosão. E de um par de olhos, carregando toda a tristeza do mundo. Por causa disso, ele passou a ser chamado de O Esquecido.

E como o Esquecido, ele acabou descobrindo tudo que aconteceu no Dia da Luz. Foi assim que aquele evento ficou conhecido. Aquela explosão de algum modo afetou todo tipo de comunicação e forma de energia no mundo inteiro. Aviões caíram, cidades foram devastadas. E aconteceram mais explosões. Outras cidades no mundo testemunharam o Grito da Luz bem de perto. Mas aquela que ele viu, parecia ser a maior. O principal fator que levou ao fim do mundo como ele conhecia. Não que a destruição completa tivesse chegado. Mas por causa dela, nenhum governo conseguiu se sustentar. Nenhuma forma de controle parecia ter efeito sobre a devastação que aquela luz causou. E ele sabia, logo nos primeiros dias. Nenhuma ajuda iria chegar. Eles estavam sozinhos. Num mundo destruído, perdido e cinza. Esse aparente estado anárquico, foi responsável pela criação das Companhias. “Bárbaros, eles são. Se aproveitando da falta de lei. Da falta de ordem”. Foi assim que a velha senhora os definiu. De forma perfeita, ele pensou. Pois era assim que eles agiam. De uma forma horrível, castigando os inferiores do grupo, aqueles que eram sequestrados para servirem ao guerreiros da Companhia. Sequestrando garotos para serem treinados, estuprando as mulheres, matando os velhos. No dia em que ele avistou pela primeira vez uma Companhia, foi isso que ele viu. Naquele dia ele viu a velha senhora ser morta quando tentava fugir e um dos gêmeos fora sequestrado. Um destino terrível para alguém tão bom. Ele conseguiu se esconder e fugir da Companhia felizmente, mas ele também sabia que provavelmente nunca mais veria aquele grupo que partilhou com ele os temores de viver nesse novo mundo por tanto tempo. E ele estava sozinho, na imensidão cinza.

Então ele caminhou. Caminhou tanto que lhe parecia uma volta completa ao redor do globo. Encontrando poucos sinais de vida, pequenas vilas onde ele poderia fazer algum serviço pesado em troca de comida e água. Mas ele nunca ficava muito tempo num local. Ele sabia que aquela Companhia poderia voltar. Mas foi num lugar horrível, cheio de pessoas que ele nunca chegaria perto em outros tempos que ele ouviu a pior notícia que poderia esperar. “Outras Companhias?”. Ele havia passado quatro dias sem encontrar nenhuma alma viva, e quando ele encontra acaba sendo o pior lugar que ele já esteve. E coroando a situação perfeitamente, ele descobre a existência de mais três Companhias. “Existem duas Companhias lutando abertamente ao sul daqui pelo controle da região. A Sombra e o Vento da Luz. O Machado Cinza ainda aguarda pra fazer algum movimento. Mas vai dar batalha a alguma delas logo, certamente” foi o que ele ouviu um homem falando para outro ao seu lado. Isso foi suficiente para ele saber que deveria sair dali logo. Não gostaria de ser pego no meio de uma batalha dessas. Então ele continuou caminhando. Treze dias se passaram, e quatorze e depois quinze dias. Nada, ninguém foi visto. Nenhum barulho foi ouvido e ele se pegou perdido no meio da imensidão cinza de prédios destruídos e construções abandonadas. Foi ali que ele decidiu adotar um novo nome. Não que isso fizesse o mínimo sentido na cabeça dele, mas todo sentido havia se perdido na solidão que ele se encontrava. “Parece que eu fui colocado nesse mundo com o propósito de caminhar. Pois é somente isso que eu fiz nesses infinitos dias”. Foi pensando nisso que a certeza veio a sua mente. “O Caminhante, assim eu devo me chamar daqui pra frente”. E o Caminhante continuou sua caminhada pelo Inferno Cinza, tentando fugir do horror das Companhias, e tentando encontrar aquelas olhos tristes.

Foi com a tristeza daquele olhar que ele foi surpreendido. Depois de virar em uma esquina de um grande prédio em ruínas, ele se deparou com o nada. Não havia nada ali. Apenas um grande vazio. Uma grande ferida no meio da cidade. Algo tão marcante, tão profundo, que o atraiu a ir até ela. E quando ele estava naquela ferida, ele percebeu que ela atravessava uma extensão gigantesca. Toda a cidade, certamente. Ele não sabia por que aquela ferida estava ali, apesar de ter a sensação de já ter visto algo parecido. Foi por isso que ele sabia que havia caminhar pela ferida, que ele encontraria a resposta. Mesmo ele não sabendo qual pergunta havia sido feita. Então o Caminhante estava caminhando sobre a ferida do mundo. Ele não sabia dizer por quanto tempo. Horas. Dias, talvez. Porém, a procissão cinzenta e silenciosa havia continuado sem interrupções. Ele sabia que estava perto de algo. Algo importante. Ele estava perto daqueles olhos perturbados. Foi então que ele percebeu onde estava realmente. Essa ferida foi feita por aquela luz, a mais de um ano atrás. Fora ali que o mundo começou a quebrar.

Mas ele continuou caminhando, mesmo sabendo que havia algo ali com ele. Como se a própria ferida tivesse vida. Mesmo se quisesse, ele não poderia sair dali. Ele tinha certeza disso. Caminhando por mais algum tempo, ele finalmente viu. No meio da Ferida Cinza do mundo, uma única construção. Viva, intacta e colorindo a paisagem cinza. Uma lembrança bateu fundo nele e ele percebeu. Aquele era o seu hotel. Onde ele havia deixado aqueles olhos tristes pra morrer naquele dia. “Os olhos, eles estão lá. Tenho que me lembrar do rosto. Eu sei que ela está la”. Pensando nisso, ele correu. O coração acelerado, sua mente totalmente confusa. E ele se lembrou. Das feições frágeis, dos lábios finos. Do sorriso escondido pelo olhar atormentando. Os cabelos cacheados, escuros como a noite. E a pele clara como a neve da manhã. E ele nunca se sentiu tão feliz em toda a sua vida. Ele havia se lembrado do amor que sentia por ela, da felicidade que era ter ela em seus braços. Ele só tinha que chamá-la e todo esse inferno. “Sim, o nome dela. Tenho que lembrar o nome dela”. E ele se lembrou e estava pronto pra gritar seu nome quando ele estava chegando até aquele construção colorida. Foi quando a Luz brilhou mais uma vez na Ferida do mundo. E ela o afogou completamente. Todo o seu corpo foi pego pela luz, mesmo o grito daquele nome não pode ser ouvido. E depois disso ele sentiu o vazio se aproximando dele e um beijo, frio e doce. Frio, foi a última coisa que ele sentiu. Antes que a escuridão o levasse.


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