Não haveria quem a destituísse de sua ideia. Mas também não haveria quem se importasse em tentá-lo.

Se a garota tivesse conhecimento disto, provavelmente manifestaria-se um sorriso por sobre sua fala. Mas a tola nem ao menos a isso via.

Nua em vésperas do inverno, ela observava o seu alvo, e o alvo que a caçara. Um belo e – tragicamente, em simultaneidade com o felizmente, ao pensar da tola – solitário tigre-de-bengala descansava ao lado do lago cristalino.

Seu pelo alaranjado ganhava um brilho extra em contato com os raios aleatórios do sol, em uma cor idêntica ao ouro – e ninguém poderia colocar na cabeça da tola que o ouro tinha tons dourados e não laranjas. Suas presas reluziam quando ele rosnava seu belo sorriso. E quando suas listras tornavam-no invisível em meio à grama, ainda assim ela admirava sua beleza.

Fazia anos que ela o seguia. Lindo tigre e bela tola. Ela confiava nele e sabia que tinha capacidade de protegê-la. Considerava-o seu pai – a única pessoa que ela obedeceria e colocaria acima de tudo.

Ele não a via como filha, nem tampouco como estranha. Acostumara-se à sua presença, a despeito dos instintos solitários de tigre. Mas tinha aprendido a amá-la e amar a forma como a atraía. Ela cuidava de seu pelo, seguia-o e tentava conseguir-lhe alimento. Em troca, ele a protegia.

E assim, pai e filha, soberano e súdita passiva, viviam na floresta daquela bela China.

Até que, um dia, um grupo de caçadores avistou o belo animal. Objetivaram, ao vê-lo, ter sua pele, usá-la para fazer belos casacos ou outra futilidade típica. Assim sendo, iniciaram uma caçada atrás deste.

Porém, ao vê-lo, a tola também os viu. E imediatamente pôs-se em frente a eles, dizendo para não tocarem seu pai.

Abismados, os caçadores tentaram argumentar. Ela os afastou com um brilho alaranjado e feroz em seu olhar. E eles, portanto, passaram a espreitá-la de longe, esperando o momento de sua separação.

Porém, eles logo começaram a reparar na garota. Ela era linda, com a pele branca reluzente que brilhava como marfim à luz do sol, contrastando com os cabelos negros. E o belo sorriso que ela mantinha ao cuidar de seu soberano que os atraía enormemente.

Um dia, quando a hipnose dela finalmente dominou seus corpos, eles se mostraram, porém em um pedido de desculpas. Queriam a garota acima do tigre, e portanto, escolheram cessar a caçada. Viam a forma como ele bem tratava a tola, e pensaram que, ao lado de tal mulher e com tal proteção, valeria a pena viver com a fera.

E assim o fizeram. Os caçadores, por terem prática em tal coisa, passaram a sustentar o animal, arranjando a ele e à tola comida. Aproveitavam seus restos em troca. A tarefa dela permaneceu cuidar do pelo do tigre, e, claro, observar os caçadores, de quem ela desconfiava.

Um dia, porém, eles retornaram sem alimento. Após longas horas queimando em ardência de tanto correr e aturar sobre si o sol, sem achar nada de aproveitável, eles foram forçados a desistir.

O tigre, bem como a tola, ao vê-los, esboçou um belo e reluzente sorriso, que levou-os a retribuir, sem graça.

E, após esse rosnado, a fera deu seu mais gracioso salto, quebrando sua jugular e dividindo-os com a tola em seguida.