Sob a Luz do Sol escrita por Tatiana Mareto


Capítulo 9
Capítulo 9 - Garotas




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*tema: O-town’s Liquid Dreams*

**** Uma conversa dos Cullen ****

_Edward? – Esme Cullen franziu a sobrancelha ao encontrar o filho em casa, sentado divagante no imenso salão. – Já voltou tão cedo?
_O que houve no seu ‘lugar especial’?? – Emmet implicou. Os Cullen acabavam de chegar de uma tarde de jogos, em uma campina ao longe. Estavam sujos e satisfeitos. O dia já findava no céu rosado.
_Deixe de ser implicante, Emmet… – Rosalie protestou. – Vai ver que a híbrida…
Rosalie interrompeu suas palavras pelo olhar cortante de Edward.
_Vocês, vão guardar as coisas. – Carlisle disse aos filhos, apontando-lhes os fundos. – Aconteceu algo, filho? – Ele se aproximou, cuidadoso.
_Poderíamos só ter querido voltar…
_Você adora sair nos dias de sol.
_Beatrice não está se sentindo bem.
_O que houve? – Esme demonstrou preocupação.
_O sol… ela insiste em ficar prostrada ao sol, mas ele não lhe faz tão bem. Ela teve um mal estar, desmaiou…
_Onde ela está agora?
_Em seu quarto, descansando. Eu… eu a trouxe de volta, e ajudei a normalizar sua temperatura.
O comentário soou cômico. Beatrice era uma morta viva, ela não tinha exatamente uma temperatura.
_Muito bem, Edward… mas você me parece.. diferente. – Carlisle observou. – Deseja falar sobre isso?
_Não é nada. Estou apenas entediado.
_Carlisle… por que não ajuda os garotos a guardarem os equipamentos? – Esme sorriu, suavemente. O Dr. Cullen entendeu a deixa de sua retirada e foi até os fundos, fingindo.
_Vocês deviam saber que não conseguem me embromar. – Edward balbuciou, não muito lívido.
_Nem tentamos. – Esme riu. – Ora, a quem tento enganar… bem, deixe-me ao menos acreditar que estou fazendo isso direito, Edward. Eu… talvez você queria conversar sobre Beatrice.
_O que teria sobre ela para se falar?
_Diga-me você.

Edward levantou-se, e caminhou até a enorme parede de vidro. Observou a noite chegar, por alguns instantes.
_Eu não sei… eu não consigo entender, - Edward preparou cuidadosamente sua fala, sem olhar para a mãe. – Esme. Beatrice… ela causa um efeito muito confuso sobre mim, sabia? Pior, eu sei tudo que ela pensa… eu leio cada linha de seus pensamentos desordenados, mas eu não a entendo. Ela é uma coisa muito complexa… eu tenho muita dificuldade em decifrá-la.
_Sabe, Edward… eu tinha medo. – Esme confabulou, com a tranqüilidade de quem vinha selecionando as palavras há muito tempo.
_Medo? – Ele se virou, ansioso.
_Sim, medo de que você perdesse totalmente o seu trejeito humano. Você sempre foi o mais.. metódico de nós. Sempre foi tão vampiro… tão frio e distante das emoções mundanas que ainda nos inundam. As emoções são parte de nós, Edward. Somos aberrações da natureza, mortos que andam e falam, e que precisam beber sangue vivo para continuarmos nossa saga. Mas, bem no fundo, sabemos que proviemos de seres humanos. Eu já fui um ser humano… você também. Muitas dessas coisas não se perdem nunca. Sentimos medo, pavor, ansiedade, desejo…
_Você acha que…
_Você sabe o que eu acho, já leu meus pensamentos há bastante tempo. – Esme prosseguiu. – Seja lá o que for que esteja dentro de você, foi desencadeado por Beatrice. Assim que ela chegou nesta casa, você perdeu o controle de si mesmo. Existe muito do humano Edward Cullen em você… que estava adormecido, escondido, perdido. Beatrice parece ter encontrado, então, o caminho.

Edward ouviu a tudo sem se manifestar. Esme devia estar certa; era ao menos uma explicação. Ele se sentia diferente desde que conhecera a híbrida na floresta. Pelo menos Esme possuía uma explicação para isso. Mesmo que ele não tivesse gostado do que ouviu.
_Ela… ela também parece confusa. – Ele finalmente confessou.
_Talvez ela esteja. Você é muito bonito, atraente… não sabemos como era a sua vida no covil, mas Beatrice parece ter sido muito solitária. Ela se desapegou facilmente do que tinha lá.
_Eu preciso me afastar dela, um pouco. Você acha que seria perigoso?
_Ah, Edward! – Esme sorriu, um largo sorriso. – Você não precisa afastar-se de Beatrice! Apesar de ela ser uma híbrida e ter um passado obscuro… ela é mais uma de nós do que um humano. Você pode tê-la, se quiser… quando quiser…
_Não. – Ele disse, voltando-se novamente para a paisagem. – Eu ainda não estou preparado, Esme…
_Poderia deixá-la passar mais tempo com os humanos, então. Disse que ela se interessou por eles…
_E eles por ela. Ela parece… popular.
_Então! Faça essa tentativa… mantenha-se alerta, mas permita que ela alce vôos mais longos. Dê a ela algum tempo, algum espaço.

Eu não estava ciente, mas muitas coisas me fugiam da compreensão. Eu não detinha super poderes como alguns membros da família Cullen, e eu definitivamente não me sentia esperta. Sempre fora facilmente ludibriada no covil; a minha ingenuidade era lendária. Felicia dizia que era excesso de bondade… que eu tinha confiança demais no meu semelhante. Talvez eu tivesse confiança demais em qualquer coisa. Mas eu não desconfiava de que Edward estivesse se afastando propositadamente. Para todos os efeitos possíveis, ele só poderia estar se afastando porque eu o repelia. Minha insolência, minha ignorância.. eu era um ser patético e ele, ao contrário de mim, tinha ciência disso.

De qualquer forma, eu passei a freqüentar a escola sempre com os Cullen, mas durante os almoços eu era largada para os humanos. Inicialmente eu não entendi direito quando Edward empurrou-me compulsivamente para o lado deles, para a cadeira em uma mesa deles. Ele praticamente me fez desabar no móvel de fórmica fria. Sorriu para mim como se quisesse me dizer algo, e voltou-se para a mesa com os irmãos. Os humanos logo me cercaram, e ali permaneci.

Logo, eu nem mais sentia compulsão por sentar-me com os Cullen. Os humanos se tornaram simpáticos, e a empatia por eles só crescia. Eu não desejei, em nenhum momento, alimentar-me deles. Até porque eu sempre caçava com os Cullen, regularmente. As caçadas eram ainda intrigantes e me causavam enorme repulsa e constrangimento. Eu nunca consegui matar um animal. A primeira foi um fracasso tão grande que quase desejei voltar sem me alimentar, e morrer de inanição. Se aquilo fosse possível. Edward notou meu desespero frente o animal estático, que simplesmente esperava pelo seu fim. Eu sentia angústia. Não foi uma cena agradável, mas ele deu fim ao animal e depois o entregou a mim. Tirar a vida do pequeno cervo lhe fora tão simples que me senti, em mais uma das milhares de vezes, patética.

Os Cullen logo entenderam que matar não era para mim uma opção, mas a falta completa delas. Mesmo sedenta, mesmo fraca, mesmo necessitando desesperadamente do sangue, eu não conseguia atacar outro ser vivo. E, apesar de todo o meu constrangimento e agonia, eles passaram a caçar para mim. Por vezes Alice, ou Carlisle, até mesmo Emmet… eles buscavam os animais e me jogavam à frente, ainda jorrando o sangue de odor inebriante e irresistível. Alguns ainda tinham o coração pulsante como o meu, já quase paralisados pela morte iminente. Assim, o controle me fugia e eu me sentia apta a alimentar-me. Só assim.

Mas os humanos.. eu não os desejei, nem uma só vez. Parecia inacreditável que eles fossem tão mais saborosos que qualquer animal nas florestas ao redor de Forks. E eles pareciam sempre satisfeitos e felizes ao meu redor… sempre brincando, divertindo-se, demonstrando bom humor… foi fácil criar laços com eles. Aos poucos, tínhamos diálogos na sala de aula, nos intervalos, nos almoços. Os momentos de solidão com Edward foram se esvaindo, até se tornarem memória apenas. Nem mesmo na casa ele parecia me perseguir. Eu não o via mais invadir meu quarto no meio da noite, buscando minha reação desesperada quando um sonho desastrado me fazia irromper na consciência aos gritos. Era como se eu não mais precisasse dele… como se aquilo fosse possível, então.

_Beatrice. – O professor de literatura me chamou o nome. Edward cerrou os dedos, mas sorriu-me timidamente. Eu já sabia tudo o que fazer, já estava integrada aos humanos. Levantei-me e caminhei até o tutor, que me forneceu um formulário em branco. – Traga assinado por seus tios, amanhã.
_O que é isso? – Perguntei, ao retornar para a minha cadeira, ao lado de Edward. Apesar da distância estabelecida entre nós, aquele sempre foi o seu lugar.
_Uma autorização. Vocês… farão uma viagem.
_Vocês? – Franzi o cenho. Não entendi por que ele não disse nós
_As garotas. – Ele disse, o sorriso tímido novamente. – A professora de literatura do último ano sempre leva as garotas para um tipo de… evento. Uma viagem, outra cidade… é divertido.
_Alice e Rosalie vão?
_Quando a cidade permite, sim. O que está escrito no papel?
_Hum… não entendo.
Edward tomou o formulário de minhas mãos delicadamente, e o leu.
_Boston. – Ele comprimiu os lábios. – Vão para longe, dessa vez. Acredito… que elas possam ir.
_Por que…
_Porque é quase tão gelado e sombrio quanto Forks. – Ele riu.

Comprimi meus lábios em um formato peculiar meu, formando um ‘bico’. Era como sempre ficava ao considerar opções. Pelo olhar de Edward, eu não tinha opções, eu iria àquela viagem. Mas eu pude sentir que ele desejava que as irmãs também fossem. Havia alívio em sua voz quando ele pronunciou o nome da cidade. Fria, sombria. Eu queria o sol.. mas já havia aceitado o fato de que ele não me era tão bom, afinal.

O formulário de autorização poderia ser assinado, mas havia algo que eu ignorava, e que me fora colocado em jogo no almoço. Sylvia falava sobre a distância, e dizia que seus pais reclamariam do custo da viagem. Eu não podia ser tão estúpida e perguntar o significado daquilo, mas foi a minha outra amiga, antes sem nome, Layla, quem explicou, involuntariamente. Dinheiro, ela dizia. E eu, mais uma vez, ignorei o que o dinheiro representava para os humanos, e que tipos de problema ele me causaria. Mas os Cullen não pareceram constrangidos com aquilo. Aliás, Alice parecia exultante com o fato de poderem ir… pois a última viagem havia sido para uma cidade ensolarada e elas haviam ficado de fora. Imaginei, então, que o dinheiro não fosse problema para os Cullen, e que a viagem devia ser mesmo muito boa.
_Bea, você vai adorar. – Alice disse, animada. – É tão bom, só garotas… e conhecemos tantas coisas novas!
_Parece até que algo lhe é novo, Alice. – Rosalie desdenhou.
_Pode até ser. Faz muito tempo que estive em Boston pela última vez.
Rosalie franziu-se, concordando. Carlisle assinou todos os formulários, sem hesitação alguma. A viagem seria em alguns dias, e as garotas ficariam fora por uma semana. Uma semana… eu ainda me perdia na contagem de tempo, mas uma semana me parecia um tempo razoável para se quantificar. Bom o suficiente para conhecer coisas novas, pensei. E bom o suficiente para me ambientar melhor a Alice e Rosalie. Elas eram divertidas, apesar da diferença óbvia entre elas. Elas eram muito diferentes, mas igualmente excitantes. E eu desejava compartilhar daquela excitação.

Ao contrário do que pensei, Edward não pareceu tão feliz com a viagem depois. Primeiro pensei que ele desejava que eu fosse. Depois, parecia que ele se contorcia com a idéia. Ou fosse só a minha vertigem de sempre, claro. Edward jamais se importaria àquele ponto. Até porque eu andava livre… meu protetor havia me deixado solta pelos campos sem qualquer amarra. Fora por sua própria vontade, então ele não poderia estar incomodado em uma simples ausência. Ainda porque eu estaria com suas irmãs. Mas eu continuei com aquela impressão esquisita até o momento de entrar no ônibus que nos guiaria a Seattle, e de onde pegaríamos o avião para Boston.
_Comporte-se. – Ele disse, sorrindo. Os Cullen todos foram nos levar até a escola, de onde sairia o ônibus. Várias famílias humanas se amontoavam lá, para despedirem-se de suas garotas. Muitas; era um grande número de mulheres que iriam à viagem. Carlisle e Esme pareciam igualmente satisfeitos. Emmett tinha os olhos de uma criança, e pude imaginar que fosse pela distância cruel que lhe seria imposta. Rosalie, sua parceira, estaria comigo. Conosco. Jasper parecia menos incomodado com aquilo, mas segurou Alice entre os braços antes do embarque.

Eu ganhei um sorriso.

O que eu poderia pretender, afinal. Aqueles pensamentos estavam irritantes, ainda mais porque o vampiro errado poderia tomar conhecimento deles. Precisei fugir do raio de ação de Edward imediatamente, ao ver todo o carinho que envolvia os Cullen naquele instante. Eu me comportaria, pensei comigo mesma. Até porque não sabia viver de outra forma; eu tinha que me comportar ou nada fazia sentido. Eu ignorava qualquer outro tipo de comportamento além do estritamente correto e esperado.

A viagem até Boston foi… longa. Primeiro, ônibus até o aeroporto. Muitas garotas falando, todas ao mesmo tempo. Até Alice e Rosalie. Nunca as vira tão… agitadas. Elas haviam me levado para caçar na noite anterior, e foi uma caçada longa. Segundo Alice, era muito mais seguro que estivéssemos plenamente alimentadas, antes de embarcar em uma longa viagem. Seria mais simples de superar qualquer contato inadequado com humanos. E elas estavam impossíveis. Tão animadas, tão cheias de… vida. A vida que Carlisle via em mim, e que eu ignorava todo o potencial. Sylvia e Layla tentaram contato comigo durante todo o tempo, mas eu estava aérea. Conversava, mas meus pensamentos não estavam ali, mesmo.

Segunda parte da viagem, o avião.

Eu travei, e as minhas novas primas tiveram um trabalho terrível para me fazer sair do lugar. Voar não me soou bem aos ouvidos, e o aeroporto me causou mais vertigem do que tudo na casa dos Cullen de uma só vez. A idéia de estar dentro daquele objeto metálico enorme, e de imaginar que ele podia cruzar os céus me causou náuseas e se eu tivesse conteúdo estomacal, ele teria sido derramado. Alice segurava minha mão ternamente para me convencer a entrar avião adentro, enquanto as meninas todas diziam que tudo daria certo, que era um transporte seguro.

Rosalie divertiu-se cruelmente com meu pavor, mas acabou por me forçar a entrada no avião. Depois, amarrou-me ao assento como se as frágeis tiras pudessem me prender ali.
_Não seja tola, Beatrice. Sei que nunca voou… mas é só um passeio, como outro qualquer. Vai adorar, no final.
Claro, eu poderia adorar. Mas eu ainda não estava convencida disso.. eu estava apavorada.
_O que pode acontecer de ruim? – Alice brincou. – Já estamos mortos mesmo…
Sim, mas não totalmente. Se aquela coisa desabasse, nos levaria ao inferno em segundos. Se existisse inferno, se não nos restasse apenas… o vazio completo. Eu nem sei o que preferiria. Seja lá como fosse, o tal avião levantou voo, ao contrário do que eu previa, e me levou para o alto, com todos dentro. Era mortificante, se eu definitivamente já não estivesse morta.

Então, Boston nunca podia ser longe o bastante. Edward havia dito, era longe. Mas não longe o bastante… foi um exagero. Eu não adorei, como Rosalie previu. Senti náuseas durante toda a viagem. Senti a vertigem. Pavor tomava conta de meus sentidos e as garotas tiveram ainda mais trabalho para manter-me sossegada. Eu estava insuportável e impossível, agindo como uma pequena mimada. Talvez eu assim o fosse, no covil. Eu tinha certeza que Felicia me mimava. Mas a viagem foi detestável, na parte do avião. Eu não relaxei e não senti prazer algum. Meus dedos estavam ainda grudados nos braços dos assentos quando o grande transporte voador finalmente aterrissou em Boston.

A diversão entre garotas era interessante, e comecei bem cedo a entender por que Alice e Rosalie ficaram facilmente empolgadas com a viagem. Mulheres falavam sem parar, e comentavam sobre tudo que viam. Depois que saímos do hotel e fomos andar pela cidade, a professora de literatura nos levou a diversos museus e galerias de arte, todas com obras datadas da antiguidade. Datas que nos eram familiares… de quando elas ainda eram humanas, de uma vida que elas lembravam com facilidade. Era, definitivamente, empolgante. Mesmo que eu me sentisse péssima por não me recordar da minha vida humana, eu conseguia sentir nelas toda a sensação. Passamos alguns dias nessa rotina, visitas a museus e galerias durante o dia, sono durante a noite. Sono meu, porque Alice e Rosalie conversavam e se agitavam durante toda a noite. Se eu não fosse definitivamente uma pessoa de perder os sentidos, eu não conseguiria dormir com elas por perto.

Era o entardecer, e o céu estava colorido de rosado. Apesar de não ter havido um dia de sol em Boston, como previsto, ele estava ali, escondido por sobre as nuvens, esperando uma abertura para se mostrar. E sua despedida deixava o céu com a cor do sangue, com o vermelho vivo da carne dilacerada. Que, em meio às nuvens cinzentas, transformava o ocaso em um tom róseo intrigante. O telefone celular de Rosalie tocou, outra vez. Ele sempre tocava, e eu nunca acompanhava a conversa. Eu estava cambaleante, pois o dia fora cansativo. E quanto menos eu me alimentava, mais sono eu sentia. Fraqueza, que me causava uma reação diferente do que nas meninas. Mas daquela vez, foi como se Rosalie fizesse questão que eu soubesse quem era.

_Edward Cullen. – Rosalie atendeu, voz grave e ríspida. – Isso não vai funcionar se você continuar ligando de vinte em vinte minutos. – Era um protesto. Edward ligava de vinte em vinte minutos? Aquele fato me era totalmente desconhecido. – Claro… vai conseguir me convencer que Emmett quer me falar. Se Emmett quisesse me falar simplesmente, teria me ligado de seu telefone. Sim, ela está… okay, pode falar com ela.
Rosalie franziu toda a sua expressão e, olhando para mim, atirou-me o aparelho eletrônico. Sorri encabulada, e achei mais conveniente dizer algo. Afinal, eu ainda não havia falado com Edward, e aquela história de ligar constantemente ainda não estava esclarecida.
_Alô? – Arrisquei.
_Como está a sua viagem? – A voz de Edward preencheu meus ouvidos, com suavidade. Era tão marcante que pude nitidamente delinear seus traços em minha frente, enquanto ele falava.
_Muito divertida, suas irmãs são ótima companhia.
_Eu sei. Elas têm cuidado de você? Evitado encrencas?
_Sim… comportamento impecável.
_Fico satisfeito. Vejo você em alguns dias, Beatrice.
Ouvi o telefone desligar. Tive vontade de pedir que ele esperasse. Senti falta de sua voz. Não tinha certeza disso até ouvi-la, então. Sua voz me trouxe memórias recentes muito satisfatórias… que me fizeram ter nostalgia de um tempo muito próximo. Emburrei levemente após devolver o telefone a Rosalie, pois eu queria ter tido um pouco mais de Edward. Tentaria não deixar que elas percebessem, se isso fosse razoável. Alice era sensível demais, e Rosalie estava sempre me observando. Elas certamente notariam meu estado de humor alterado.
_Gostaria mesmo de ter falado com Emmett. – Rosalie desabou entre almofadas, também com aspecto emburrado. – Sinto sua falta.
_Ah… e sinto falta de Jasper. – Alice assentiu. – Mas não sejamos piegas… vamos tê-los novamente em poucos dias. É bom nos separarmos vez ou outra, faz com que o reencontro seja gratificante.
Eu me senti então um alienígena. Não fazia bem idéia do que elas falavam, tão naturalmente.
_Eh… por que vocês sentem falta deles, especificamente? – A pergunta saiu sem querer, e as duas vampiras me encararam, atônitas. Era como se eu tivesse falado uma bobagem indesculpável. Parecia tão óbvio para elas… – Quero dizer… não sentem falta de seus pais? Edward?
Foi a vez das duas rirem. Aquele mesmo comportamento de Edward e Jasper. Parecia uma constante entre eles… ouvir minhas tolices e rir delas. Sem qualquer pudor.
_Bea, Bea… sinto falta de Jasper porque… como explico isso a uma híbrida que aparentemente não sabe do que estou falando? – Alice pareceu dirigir-se a Rosalie.
_Sendo direta. – Rosalie não pareceu muito interessada em me dar explicações. – Afinal, ela precisa saber isso um dia, não?
_Okay… vejamos. Bea, farei uma pergunta. Seja sincera, por favor. Em seu covil… como era seu relacionamento com os machos?

Alice pareceu escolher cuidadosamente a palavra, para que eu não me perdesse. Sempre me referia aos homens como machos, e apostaria que ela não conseguia enxergar homens me meu covil. Apesar da minha aparência natural, eu acreditava que eles ainda viam monstros em meu covil.
_Eu não me relacionava com eles, exatamente. – Fui definitivamente sincera. – Rudolph era o único macho que entrava em contato comigo. Os demais… não tinham permissão.
_E esse Rudolph era como seu pai? – Rosalie inquiriu.
_Sim, como Carlisle é para vocês. Ao menos, é como sinto.
_Então… serei mais direta, e continue sendo sincera. – Alice piscou várias vezes em minha direção, um sorriso doce nos lábios. – O que sente quando está na presença de Edward?

Ah, que pergunta cruel e perversa! Haveria descrição para o que eu sentia na presença daquele puro? Haveria forma de colocar as palavras que fossem capazes de explicar o turbilhão incerto de emoções desconhecidas que transbordavam em meu peito quando ele olhava para mim, ou sorria para mim, ou simplesmente estava presente? Talvez fosse impossível explicar tais sentimentos, porque eu jamais os tivera sentido antes. A presença de Edward me era um prazeroso mistério que eu pretendia não solucionar nunca.
_Eu… – vacilei, mas fui em frente. – eu me sinto zonza. É isso… sou tomada por um torpor maquiavélico que me tira os sentidos mais primitivos. Ajo tolamente, pareço uma completa idiota.
A sinceridade era cortante como navalha. Rosalie caiu na risada outra vez, enquanto notei Alice tentando reprimir a gargalhada.
_Então, Bea… o relacionamento entre as mulheres e os homens nem sempre são fraternos como os dos irmãos.
_Eu sei disso. – Senti um ardor interno bastante inconveniente. – Fui ensinada.
_É por isso que sinto falta de Emmett. – Os olhos de Rosalie pareceram feixes de luz quando o nome do vampiro foi pronunciado. – Somos apresentados como irmãos, mas na verdade somos… companheiros.
Novamente, a escolha cuidadosa de palavras.
_E… você é companheira de Jasper? – Questionei a Alice, que apenas assentiu com a cabeça.
_Ah. – Não havia outra frase pronta ou questão formulada. Aquilo era quase como uma revelação. A comparação do sentimento entre elas e seus companheiros com o sentimento entre mim e Edward… a facilidade excruciante com a qual respondi à pergunta de Alice… a sensação de ausência quando Edward desligou o telefone… arregalei os olhos, constrangida e ao mesmo tempo apavorada.
_Pode perguntar, Beatrice. – Rosalie ainda ria, e ela parecia perceber que eu tinha dúvidas.
_O que faz vocês se tornarem companheiros? Quero dizer…
_Não precisa explicar-se. – Alice sorriu novamente. – Há um sentimento, Beatrice.
_Sentimento… isso é totalmente humano.
_Claro. O que acha que éramos antes de sermos transformadas? Éramos humanas, assim como você. Pensei que fosse mais simples para você compreender a extensão dos sentimentos humanos… afinal eles deveriam ser bem mais fortes em você. Mas vejo que estava enganada, pois a sua ingenuidade é latente. Podemos não ter um coração pulsando, Beatrice… mas ainda sentimos.
Meus olhos baixaram, e senti algo que não conseguia identificar.
_Os humanos nomeiam de várias formas. Atração, desejo, paixão, amor… talvez tudo isso junto represente o seu companheiro. Você precisa sentir tudo isso ao lado dele… quando ele toca você… quando seus olhos se prendem aos dele…
_Rosalie, não quero saber os detalhes! – Alice atirou uma almofada na irmã.
_Não se finja de inocente só por estar na presença de Bea… vai me convencer que não desejaria Jasper aqui, agora, neste instante?
_Insolente! – Alice fez uma careta. Eu me assombrei novamente, constrangida. Elas falavam de relacionamentos entre macho e fêmea de uma forma natural, quase infantil. Meu olhar tentou se prender a qualquer coisa que não fosse a imagem de Edward em minha frente. Sua face pálida se formava em todo espaço vazio que havia naquele quarto de hotel, mesmo que eu repelisse qualquer lembrança do vampiro naquele instante.
_Assustamos Beatrice. – Rosalie fez também uma careta. – Acho melhor irmos mais devagar com esse assunto… ela parece muito confusa.
_Estou bem. – Menti, e eu pensei que mentisse muito mal. Deveria mentir mal, eu nunca mentia. Rudolph sempre sabia quando eu não falava a verdade. – Talvez eu deva descansar.
_E eu acho que devíamos sair desse quarto, por essa noite. – Rosalie levantou-se, rapidamente. – Vamos, Alice… só temos mais dois dias em Boston e ainda não visitamos nenhuma casa noturna.
_Ah, dançar um pouco seria ótimo! – Alice também se levantou, parecendo entusiasmada. – Boa noite, Bea…
_Vão sair? – Pânico embargou minha voz. Ficar sozinha com pensamentos complexos sobre a conversa recém encerrada não era bem o que eu desejava.
_Sim, vamos sair. Levaríamos você, se não tivesse que dormir.
_Não tenho que dormir. – Menti novamente. – Posso acompanhá-las… gostaria de acompanhá-las.
As duas vampiras se entreolharam e fizeram uma expressão indiferente, como se a minha companhia fosse interessante e o fato de minhas necessidades humanas estarem sendo negligenciadas pouco importasse. Talvez nem importassem, era fato. Eu parecia adulta o suficiente para tomar decisões, apesar da minha tolice vir à tona frequentemente.
_Edward não ficará satisfeito. – Alice fez um ‘bico’, já com a sentença definida. Rosalie deu de ombros, dando a impressão de que ela pouco se importava com aquele fato também.

As minhas duas novas irmãs me ajudaram a vestir e me levaram para a rua. Escondido, por certo. Se a professora de literatura sonhasse que três alunas haviam escapulido no meio da madrugada para perambular pela ruidosa Boston, ela teria uma síncope nervosa. Era melhor que permanecesse na ignorância, afinal. Pegamos um táxi até algum lugar, que aparentemente só Rosalie conhecia. Havia novamente bastante empolgação entre elas, e tudo aquilo parecia bastante divertido. Eu não entendia direito o termo diversão, porque todo o lazer no covil se resumia à leitura. O trabalho era cuidar do covil, claro. E a leitura era nosso momento de diversão. Então, casa noturna era um conceito muito vago, que nada significava em meu obtuso vocabulário.

Pois fomos a uma casa noturna, e o ambiente era cheio e de odor confuso. Eu estava já sentindo alguma sede, meu organismo não estava tão forte e todo cheiro me causava confusão. Eu não conseguia distinguir o que era o cheio adocicado que me intoxicava os pulmões; se eram os humanos presentes, ou a fumaça colorida que enevoava o lugar, ou a quantidade enorme de copos cheio de enfeites que os humanos bebiam. Definitivamente era uma dessas coisas, ou todas elas juntas. Mas era fato que o cheiro doce demais me causou enjôo tão logo eu coloquei os pés na casa noturna, que eu ainda não sabia o que era.

Rosalie parecia bem ambientada, e Alice parecia agitada. As duas vampiras foram direto para o que chamaram pista de dança e começaram a mover-se ao som da música. A música, ensurdecedoramente alta, que confundia meus pensamentos. Eu não era afeita àquele tipo de música, só ouvíamos os instrumentos clássicos no covil. Como vivíamos exilados e raramente os casais se formavam, os híbridos não se reproduziam. Nem se formavam. Não havia híbridos jovens, criados na modernidade. A maioria era da minha idade, ou mais velhos. Então, não havia jovem algum que trouxesse algum insight de como eram os humanos mais contemporâneos. A música que tocava naquele lugar era ruidosa, bastante, e não me lembrava nada conhecido.

O que as garotas faziam era dançar… mas uma dança também desconhecida para mim. Ao contrário do que eu pensava, eu adorei. Dançar foi divertido, e fez meu coração bater um pouco mais do que 10 vezes por minuto. Meu organismo reagiu ao ritmo frenético e pulsante da pista de dança com uma descarga de oxigênio e batimentos cardíacos que quase me levaram ao êxtase completo. Talvez Carlisle estivesse terrivelmente certo sobre meu comportamento naquele lugar. Eu não me reconheceria nem em um milhão de anos, porque eu nunca tivera nenhuma daquelas reações. Sangue morno, coração pulsando, oxigênio, a adrenalina… aquilo era pertencente aos humanos. Eu não podia ter nada daquilo. Talvez adrenalina não tivesse nada a ver com aquilo; era óbvio demais que não. Mas alguma coisa estava me tirando do prumo certo, me fazendo ter reações nada naturais à minha espécie.

A noite foi longa, e ao contrário do que eu imaginava, não desmaiei de exaustão. Foi muito difícil manter-me alerta no dia seguinte, para suportar uma nova sessão de visitas a lugares que mostrariam tudo que eu já conhecia, pessoalmente talvez. Museus e mais museus; visitamos três em apenas um dia. Rosalie e Alice estavam exultantemente lindas, e perfeitas, como se nunca fossem ter um fio de cabelo fora do lugar. Eu já não parecia tão bela, pois enormes olheiras arroxeadas se estendiam por toda parte baixa dos meus olhos, dando a correta impressão da minha sede. E do meu cansaço.
_Não podemos levá-la assim para casa. – Alice determinou. – Prezamos demais a vida…
_Ela se recupera, em uma noite de sono. Nos comportaremos hoje, prometemos.

A conversa era dirigida a mim, mas eu pouco a ouvia. Estava sonolenta seguindo as duas musas até o hotel novamente. Os planos de Edward, de que eu me envolvesse com os humanos naquela viagem, foram meio frustrados. As suas irmãs, para ser mais exata as minhas primas, eram muito divertidas e envolventes, e eu praticamente não me desviei delas um minuto. Sylvia Green tentou se aproximar várias vezes, e eu tentei dar-lhe atenção várias vezes, mas nada fluiu naturalmente. Eu queria perseguir minhas primas até onde pudesse, para sorver-lhes a sabedoria. Elas não eram mais velhas do que eu na idade humana, mas o eram na idade real. Viveram mais do que eu, e nunca foram exiladas para o submundo, como eu.

Boston foi uma grande experiência. Eu mal conseguia pronunciar o nome da cidade, apesar de sua simplicidade, antes. E saí dela com conhecimentos além da minha expectativa, e com revelações mais do que indesejadas. Eu não desejava ter toda aquela revelação sobre Edward. Ainda ecoavam as palavras de Alice a perguntarem o que eu sentia na presença de Edward. Eu mesma desconhecia minhas reações, mas ela as usou como exemplo para a sua explicação. Poderia ela conhecer-me melhor do que eu mesma? De qualquer jeito, a experiência foi gratificante, e surpreendente. Mas eu acabei ansiando pela volta mais do que deveria, e pelos motivos completamente errados.


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