Sob a Luz do Sol escrita por Tatiana Mareto


Capítulo 6
Capítulo 5 - Compreensões




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*tema: Bach’s Toccata and Fugue*


Eu havia decidido não deixar mais o meu ambiente. Não que estivesse sentindo nada. É que eu estava acostumada a manter-me em meu lugar. Aquele era meu lugar, havia sido destinado a mim. Não me sentia confortável envolvendo-me na família mais do que deveria. Eu era uma convidada, afinal. E eu não tinha sede, ou sentia desejo de nada. O sangue fresco ainda me inebriava os sentidos. Aquilo me causava certo pavor, por não saber até onde eu poderia controlar aquela sensação.

Deitada olhando a grande parede de vidro que me permitia observar o lado de fora, pude perceber a luz do sol desaparecer e dar lugar novamente à grande bola iluminada da noite. E todo o brilho prateado que ela trazia. Uma sensação boa me fez relaxar. Eu me sentia tensa. Havia muita vida dentro de mim… vida com a qual eu não estava acostumada a lidar.

Batidas à porta novamente me fizeram alerta. A figura clara e sorridente de Edward colocava-se para dentro do meu quarto escuro.
_Bea. – Ele pronunciou meu nome como música. – A família está reunida, não deseja juntar-se a nós?
_Não desejo me intrometer, obrigada. – Tentei ser educada.
_Não vai se intrometer… é nossa convidada. Emmet tem algumas curiosidades, Esme parece gostar de você, e todos desejam compartilhar o conhecimento com você. Você… parece saber muito pouco sobre como são as coisas por aqui.
_Passei toda a vida que me lembro dentro de um covil. Não, eu não sei muito. Definitivamente.
_Parece embaraçada. – Ele riu. – Sentimento engraçado, este. Vamos… acompanhe-me.

Edward ofereceu-me a mão para que eu me levantasse, e depois conduziu-me para a grande sala. A família estava mesmo ali, sentados. Pareciam animados e conversavam muito.
_Beatrice! – Esme recebeu-me animada. – Que bom que Edward conseguiu trazê-la… preocupávamos com sua clausura.
_Edward é sempre indicado para esse trabalho. – Emmet deixou escapulir o comentário, e eu não o compreendi. Não me sentia muito esperta desde que deixara o covil. As novidades me confundiam.
_Gostaríamos de conversar com você, Bea. – Carlisle disse, cruzando as pernas e me encarando.
_Treinar-me para que eu não cause problemas? – Mais sarcasmo. E eu nunca saberia a dosagem adequada.
_Sim, pode-se dizer que sim. – Edward caiu na risada. Esme o repreendeu com o olhar.
_Não sejam rudes. – Ela protestou. – Bea… não ligue para eles. Você tem mesmo muito a aprender, e gostaríamos apenas de conversar. Tirar as dúvidas que você possa ter.. deixar-te à vontade para perguntar.

Sentei-me. Havia uma oportunidade de me tornar a inquisidora, enfim. Era uma boa idéia, pois eu tinha mesmo muitas dúvidas. Tentando ficar à vontade, comecei a fazer perguntas. Queria saber sobre o tempo… como eles contavam o tempo. Queria saber o que o tempo significava para os humanos… e se para eles, os puros, o tempo tinha significado. Como eles o contavam. Também quis saber sobre alguns simples hábitos. Eu não queria parecer uma alienígena das lendas de Felicia. Uma fábula ambulante. Gostaria de ter, ao menos, hábitos mínimos que me fizessem encaixar entre eles. Perguntei sobre relacionamentos. Como eu deveria me dirigir às pessoas, como tratá-las, se eu deveria dirigir-me a elas. Não desejaria ser rude, ou solícita demais. Não desejaria abusar do tratamento.

Havia dúvidas demais, mas o tempo dos Cullen parecia inacabável. Afinal, eles não adormeciam. Mas eu sim. Enquanto ouvia as explicações deles, enquanto absorvia todas as compreensões, enquanto minha mente se enchia do novo e do inexplicado, meus olhos pesaram e meu organismo começou a falhar. Meu corpo estava enfraquecido, e tudo começou a ficar enegrecido.
_Ora vejam. – Rosalie pareceu divertir-se. – A híbrida tem sono.
_Como fomos insensíveis. – Esme considerou. – Já passa de 3h da manhã… esquecemo-nos de que ela dorme.
_Dorme não. Ela simplesmente apaga. – Jasper considerou, passando a mão à frente de meus olhos. Eu ainda mantinha um estado de semi consciência, apesar do sono latente. Meu corpo desejava dormir e minha mente desejava manter-se acordada. Era uma luta insana, e a mente nunca vencia.
_Edward, você poderia levá-la a seu quarto? – Carlisle determinou. – Devemos compreender muita coisa sobre ela, ainda. Mas por favor… seja gentil. Lembre-se, ela é mais frágil que você.

Senti um toque frio em minha pele, e repentinamente eu não mais tocava o sofá. Senti-me movendo, meu corpo indo e vindo como em um galope lento e cadenciado. Meus braços amolecidos não obedeciam à minha vontade de conduzir as mãos a tatearem o que me carregava. Mas o nome dele ainda ecoava em meus ouvidos quando finalmente fui depositada em algum lugar. A mão fria me acariciou os cabelos, e eu pude sentir a luz de um sorriso, mesmo estando praticamente adormecida, já.
_Tenha bons sonhos. – Foi o desejo. Ouvi o baque da porta, e nada mais.

As noites de sono eram sempre inconvenientes, para mim. Não sabia se por minha natureza híbrida ou se por algum distúrbio de minha humanidade anterior, eu nunca conseguia apagar, como outros de minha espécie faziam. Eles apagavam completamente, em estado de total inconsciência. Eu não. Minha consciência ia e vinha, mesmo se meu corpo não respondesse aos estímulos de meu cérebro. Mas eu estava ali, como que presa àquele cárcere de carne e ossos. Porém o que mais incomodava eram sempre os sonhos. Fragmentos de fantasia que me povoavam o adormecer, e que pareciam agradar aos humanos, segundo os contos de Felicia. Os humanos gostavam de sonhar. Eu não.

Naquela noite, naquele adormecer, eu sonhei. Vagava ainda por locais incertos, perambulava pela superfície como se nunca tivesse sido encontrada pelos Cullen. Havia acabado e me alimentar… e a carcaça que ainda exalava um falso cheiro era… semelhante à minha. Aproxime-me do corpo inerte e sem vida e notei que a semelhança era singular. Eu havia me alimentado de um humano. O cheiro de sangue estava forte demais, mas eu sabia que ele era falso. Não poderia haver sangue onde eu estava, e muito menos aquilo representava a realidade. Mesmo assim, eu estava inaceitavelmente perturbada. Meus olhos emitiam uma agonia dolorosa, e meu peito se enchia de angústia. Ajoelhei-me ao lado do cadáver e o encarei. Soltei um grito de desespero, pelo monstro que temia tornar-me.

Em um instante, eu estava de volta à consciência. Claridade entrou pelos meus olhos, e a porta aberta do quarto evidenciou a figura magra e desalinhada. Em um segundo, senti o toque frio em minha pele, e os olhos que me encaravam.
_Beatrice! – As mãos de Edward seguravam meus braços violentamente. – Acalme-se… o que houve? Você está bem?
Arregalei os olhos, assustada e confusa. Olhei em volta e notei que estava em meus aposentos, e que tudo aquilo era mesmo um sonho. Aquela sensação de oxigênio demais estava de volta. Edward me encarava assombrado, os olhos cor de noite. Aos poucos, minha respiração voltava ao normal, e o maldito coração pulsante diminuía seu ritmo.
_Eu… – pouca voz saía de minha boca. Edward soltou-me, e olhou suas próprias mãos.
_Está quente. – Ele considerou, talvez mais espantado ainda. – E… você está suando, muito. Seu sangue… ele é quente?
_Eu sou fria. – Disse, sentindo o rubor incandescente como da última vez. – Mas não sei, desde que subi à superfície… eu tenho calor. Eu sinto…
_Deite-se novamente. – Edward usou suas mãos para me empurrar suavemente contra o colchão. – Durma… você precisa disso. Estarei ao lado, se precisar.

No dia seguinte, eu me levantei com a luz do sol. Oscilara períodos de consciência e inconsciência durante todo o sono, o que o tornou ainda mais inconveniente. Ao deixar meu quarto, encontrei Jasper e Alice Cullen confabulando no salão. Eles sorriram ao me ver, mas Jasper mantinha a mesma postura esquisita de antes. Eu teria coisas interessantes a fazer… era, ao que sabia, um dia de semana. Pelo que me haviam informado antes, pelas explicações dos Cullen, tratava-se de hoje, amanhã e ontem… e semanas e finais de semana. Parecia até complexa a divisão humana, mas era simples de armazenar. E nos dias de semana, as pessoas trabalhavam.. por isso, Carlisle já havia saído de casa e os filhos me aguardavam para a escola.

_Primeiro – Alice interrompeu a euforia aparente de Jasper e Edward para me conduzir ao veículo – ela vai até Carlisle no hospital. Ela precisa ser examinada.
_Assim vamos perder a aula. – Edward resmungou, em som quase inaudível.
_Não precisa ir, Edward. Eu me encarrego de levá-la…
_Carlisle pediu que eu tomasse conta dela. – Edward resmungou novamente, e daquela vez foi realmente inaudível. Alice o encarou com olhos curiosos, e Jasper pareceu não se importar. Talvez Jasper fosse mais desligado do que incomodado… eu ainda não tinha descoberto.
_Vai levá-la, então? – Alice deu de ombros. – Posso fazê-lo, mas se deseja ser o cão de guarda…
_Estou cumprindo ordens. – Ele posicionou-se a meu lado.
_Sei.

Aquelas conversas entre eles sempre me soaram enigmáticas. Eles pareciam comunicar-se em dialeto próprio, o que me aborrecia, também. Não que eu tivesse o direito de aborrecer-me, mas eu me aborrecia facilmente com tudo. Era geniosa, como Rudolph dizia. Razões que explicavam minha presença fora do covil dos Caldwell. De qualquer forma, meu então revelado guardião levou-me até o consultório de Carlisle. Bem, era um lugar tão grande que me assustou. No caminho, eu vi muitos… deles. Eu imaginava que eram humanos, pois os Cullen me garantiram que eram os únicos vampiros da região. Então… éramos mesmo muito semelhantes.

Carlisle me examinaria, como eles determinaram que deveria ser. O tal exame foi uma coisa bastante desconfortável. Ele realizou testes… e me colocou dentro de aparelhos muito estranhos.
_Beatrice, gostaria de lhe fazer uma pergunta. Você sabe… se o sangue que corre em suas veias é… vivo?
Eu não sabia.
_Não sei. – Confessei. – Pode testar… se quiser.
_Tentarei.
O médico se utilizou de um objeto estranho para tentar obter um pouco do meu sangue. Mas ele não teve muita sorte… pois toda vez que introduzia o objeto em minha carne, a regeneração o expulsava de meu corpo. Eu regenerava muito rapidamente, e aquela pequena abertura era imediatamente identificada como uma agressão, e se fechava.
_É, parece que não terei sorte. – Carlisle sorriu. – Se um dia machucar-se, talvez consigamos seu sangue… mas por agora, creio que terei que me contentar com o que tenho.
_Posso machucar-me. – Elevei o olhar e encontrei um objeto cortante. – Onde devo depositar o sangue?
_Beatrice… não deve…
_Pode ser aqui? – Peguei nas mãos um tubo de vidro que suspeitei ser um compartimento para o sangue.
_O que ela pretende fazer? – Edward não entendeu, eu sei que não. Mas antes que ele pudesse captar ou Carlisle pudesse me impedir, eu tomei o objeto em minhas mãos e golpeei meu pulso. Eu sabia que ali vertia muito sangue. Rapidamente, eu tomei o vidro nas mãos e deixei escorrer o líquido avermelhado que jorrou, por alguns segundos. Logo, a ferida estava totalmente cicatrizada.

Os olhares que Carlisle e Edward dirigiram a mim eram… frustrantes.
_Você está louca? – Edward pulou sobre mim, agarrando meu pulso com força.
_Ontem me apunhalaram no peito e quase nada senti. Um pequeno corte não me faria mal algum…
_Ela está certa, Edward. – Carlisle tentou acalmar o filho. – Apesar de reprovar a sua atitude, agradeço pelo sangue… será de grande valia para estudar a sua… condição. Obrigado.

Depois que deixamos o consultório de Carlisle, eu seria conduzida à tal escola.


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