Sob a Luz do Sol escrita por Tatiana Mareto


Capítulo 21
Capítulo 20 - Realidade




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*tema: Shin Hyesung’s Even if I erase, throw away, forget*

_Beatrice, acalme-se! – Edward estava sentado na cama, tentando fazer-me sentar também. Eu estava de pé, a girar pelo quarto em uma velocidade incompatível com minha condição física. Eu não conseguia adormecer, o cansaço havia desaparecido, e os acontecimentos da noite eram demais para mim. Tudo de uma só vez, uma realidade cruel e desagradável. – Amanhã… quero dizer, mais cedo você conversará mais com sua mãe. Por favor, venha para a cama.
_Edward! – Disse seu nome, voz mais elevada do que de costume. – Não seja irritante. Você não percebe como me sinto?
Edward respirou fundo, aquele cacoete demonstrando que ele já havia ultrapassado os limites da irritação. Mas ele precisava controlar-se, sempre… por mais irritante que eu fosse; por mais insuportavelmente irritante que eu fosse, Edward era sempre um cavalheiro. Gentil, educado, polido como nunca nenhum dos híbridos fora. Ele me olhou, com total desalento, como se meu questionamento fosse um grande absurdo.
_Claro que eu percebo, Beatrice! – Ele passava os dedos pelos cabelos, desarrumando-os. – Bea, eu percebo tudo. Como você se sente, como ele se sente; eu sofro com tudo isso em dose tripla, agora. Por favor, acalme-se e deite-se aqui comigo…
_Eu acabo de descobrir que sou filha de um vampiro.
_Você ama um vampiro. – Ele sorriu, apesar da minha atitude. – E está grávida dele.
_Eu sou filha de alguém, Edward! Fui gerada! Concebida! Como não me lembro de nada disso?
_Você terá tempo de perguntar a Felicia…
_Eu fui prometida ao garoto que ajudei a criar!
_Ele agora é um homem; ele iria crescer uma hora ou outra.
_Você quer fazer o favor de não rebater minhas considerações? – Parei-me em frente a Edward, mãos nos quadris, sentindo dores horríveis na região do ventre. O bebê se mexia demais, e cada chute significava uma pequena hemorragia interna. Que rapidamente se curava, mas que causava dor o suficiente para me incomodar. – Eu estou muito inquieta, eu não consigo pensar com clareza.
_Bea, meu amor… – Edward levantou-se, quase a ponto de desistir de mim. Eu já teria desistido de mim, se estivesse razoável o suficiente para ponderar qualquer coisa. Abraçou-me com bastante delicadeza, puxou minha face para si. Seu roupão estava aberto, o que me permitiu contato o suficiente com sua pele, para que eu me sentisse mais tranquila. Ele invariavelmente fazia comigo tudo que queria. Repentinamente, sentindo-me vulnerável, Edward me tomou em seus braços, suspendendo-me do chão. Sentou-se comigo em seu colo, arrastando-nos para o meio da cama. Eu não desejei lutar contra aquilo. – Olhe para mim… – seus dedos elevaram meu queixo e meus olhos foram capturados pelos dele. – eu estou aqui. Não importa o que houve, depois você poderá perguntar a alguém. Não importa quem prometeu você a quem. Você é minha… vocês dois. A única realidade que me importa é essa. Desde que você chegou à minha vida, você ocupou todos os espaços vazios. Até então eu nem sabia qual era minha função nesse mundo, por que eu não tinha morrido junto de minha mãe. Hoje eu sei, eu deveria estar aqui por você. Por vocês dois.

Eu tinha os olhos fechados, então. Minha respiração estava lenta, e meu corpo parecia feito de alguma substância solúvel. Deixei-me amolecer nos braços de Edward, enquanto ele me embalava como se estivesse fazendo aquilo ao bebê. Talvez estivesse. Eu estava sendo tola, mais uma vez. Mas era mais forte do que minha vontade, aquele comportamento. Muita informação nova para processar de uma vez. Eu era só uma híbrida tola, que mal sabia da própria existência. Desde que eu me descobrira grávida, tudo acontecia rápido demais. E era assustador. Eu me sentia acuada como um animal na caça esperando por um predador tão cruel quanto Emmett. Emmett não era cruel, mas um caçador eficiente demais. E o caçador chegava mais perto a cada dia, e eu tendo que lidar com tantas adversidades e tantas novidades.
_Desculpe-me, Edward. – Minha voz estava lenta e baixa.
_Você deveria dormir.
_Não quero.
_Anda muito teimosa, sabia? – Ele riu. – Alice… Alice, poderia parar de ouvir e vir aqui, por favor?
Abri os olhos e ergui uma sobrancelha, confusa. Alice? Obviamente Edward a tinha ouvido, mas era curioso que ele a tivesse mandado entrar, e não desaparecer. Os Cullen normalmente eram suficientemente curiosos a nosso respeito, mas Edward usualmente lhes proferia alguma blasfêmia. Pedir-lhes para entrar era novidade, mais uma. A porta do quarto se abriu e a pequena Cullen entrou, sorrindo, entusiasmada. Aquele humor de Alice era contagiante, apesar de tudo. Edward ainda nos embalava, mas eu estava mais calma.
_Pensei que me deixaria de fora!! – Alice batia palminhas novamente. – Posso pegar?
_Sim, por favor.
_Pegar o que? – A confusão se transformou em pânico, momentaneamente. Edward ajeitou-se na cama, e colocou-me devidamente sentada, por entre suas pernas. Retirou uma mecha de cabelo de minha face, delineou meus lábios com o polegar, beijou-me suavemente. Aquilo era quase um feitiço; todo aquele ritual.
_Bea, eu tive uma idéia tola… há alguns dias… semanas… desde que soube de sua gravidez. Por algum motivo, sua condição me remeteu a uma conversa que tivemos na Europa. – Edward me olhou, sorrindo. Alice já havia pegado algo dentro do armário, a parte de Edward. Eu olhava apreensiva; um olho em cada Cullen. Aqueles dois reunidos nunca preparavam nada saudável. Ao menos para mim. – Lembra-se? De quando você pensou que a viagem parecia… uma lua de mel?

Minhas bochechas arderam. Eu deveria estar vermelha como fogo. Senti calor, repentino. Olhei assustada para Edward, e novamente para Alice, que parecia extasiada.
_Sim… – Resposta errada?
_Pois bem. Eu esperaria o bebê nascer… não queria abusar da sua inconsistência hormonal para forçar-lhe uma resposta.
_Inconsistência hormonal? – Protestos.
_Bea… – ele selou meus lábios com os dedos. – Eu decidi tomar essa atitude agora, porque vi como você teve dificuldade em me categorizar, quando foi me apresentar a Felícia.
_Eu… eu disse direito, não? Meu… namorado? – Resposta errada, mais uma vez.
_Você hesitou bastante. – Alice riu. Edward a encarou. – Ok, sem interferências…
_É que… às vezes eu me sinto confusa. Eu nem sempre sei se você é meu namorado, meu primo, meu companheiro… são tantos disfarces, tantas categorias… eu gostaria de dizer apenas que você é meu Edward. Só isso.
Edward sorriu. Eu ainda estava apreensiva, mas ele sentia prazer naquela tortura.
_Eu não sei quais as suas convicções quanto a isso porque você nunca pensou nisso. Mas eu gostaria de colocá-las à prova.

Edward estendeu o braço longo para Alice, que lhe entregou uma pequena caixa. Ele segurou entre os dedos o objeto, e o abriu. Virou a caixa para mim, e meus olhos se perderam no brilho amarelo da pedra mais linda que eu já vira. A mesma que estava em Port Angeles, quando eu fora comprar o presente de Sylvia, e que representava seus olhos. Os olhos de Edward. Olhei para Alice primeiro, daquela vez, ainda em branco.
_Pela tradição, isso deveria ser um diamante. Mas Rosalie disse que você ficou fascinada nessa pedra, então…
_Pare de enrolar, Edward! – Alice deixou escapar, e foi novamente repreendida, sem palavras.
_Eu estou tentando fazer isso, Alice… dê-me algum crédito.
_Eu estou começando a ficar ansiosa. – Foi a minha interferência.
_Desculpem-me, vocês duas. – Edward fez uma reverência, muito provavelmente desistindo de argumentar com duas mulheres. – Beatrice… você gostaria de se tornar a minha esposa?

Se aquela já não estivesse sendo a noite mais surreal de todas as noites surreais possíveis em minha pacata existência, eu talvez estivesse chocada ao extremo com as palavras de Edward. Elas talvez me fizessem cair o queixo, ou ter uma crise de ansiedade. Mas eu simplesmente me peguei olhando para Edward sem conseguir exprimir nenhuma emoção. As palavras não me vinham à boca, e eu não emitia ruído algum. Ele estava ali, sentado, a caixa em suas mãos, o anel na caixa, olhando para mim, esperando uma definição. E eu não conseguia nem ao menos me mover. Fui congelada. A noite mais absurda de todas as noites absurdas. Edward estava me pedindo em casamento. Como se aquilo fosse possível!

Humanos casam e procriam. Humanos! Eu era uma híbrida… e tudo fazia menos sentido, a cada dia.

_Tudo bem, foi uma idéia tola, mesmo. – Edward entendeu a minha total ausência de tudo como um não. Seus dedos cerraram a caixa preta aveludada, enquanto Alice ainda esperava algo acontecer. Ela já sabia. – Por que você iria pretender aceitar isso, afinal eu sou um vampiro e…
_Eu aceito. – As palavras atropelaram o pensamento, e saíram de meus lábios de forma descoordenada. Alice abriu um largo sorriso, e Edward olhou-me com alegria, sem rastro da decepção momentânea que o abatera. – Eu aceito me tornar a sua esposa, Edward Cullen… seja lá o que isso signifique.
Edward então sorriu verdadeiramente, aquele sorriso que costumava iluminar todo o ambiente, em alívio. Abriu novamente a caixa e retirou o anel, colocando-o em meu dedo. Coube… caberia melhor depois que desaparecesse o inchaço da gravidez. A medida era perfeita.
_Posso contar para todos os Cullens? – Alice já estava agitada, novamente. Eu ainda olhava para o anel, não muito certa se em transe pela beleza irreal da pedra, se pela semelhança com os olhos de Edward, se pela situação em que me colocara. A situação de noiva.
_Depois, Alice… preciso que Beatrice durma. – Edward me beijou a testa.
_Estraga prazeres! – E a pequena Cullen jogou-se para meu lado, abraçando-me com muita força. Quase força demais. Edward suspirou, provavelmente repreendendo Alice mentalmente, mais uma vez. – Bea, eu estou muito feliz. Eu sei que você já era parte da família desde quando chegou, mas… essas tradições humanas que nós, vampiros, abandonamos… são perfeitas! Será o primeiro casamento entre os Cullen… ah, melhor eu ir para meu quarto antes que Jazz possa ter as mesmas idéias de Edward… não que eu esteja repreendendo você, Edward, mas é que um casamento por século é o ideal, não?

Alice saiu do quarto, saltitando. Apesar dos recentes acontecimentos não parecerem muito felizes ou despreocupados, Alice estava radiante. Provavelmente ela sabia de algo que eu não sabia, e que ninguém me contaria. Edward deveria saber, e ele definitivamente não me contaria. Talvez fosse uma boa surpresa, era sempre como pensava.
_Este foi provavelmente o pior pedido de casamento de toda a história. – Edward considerou, deitando-se na cama e puxando-me para com ele. – Mas eu precisava fazer algo para distrair seu foco…
_Trapaceiro, é o que você é. – Balbuciei, sentindo finalmente o cansaço me abater. O céu já estava cinzento, lentamente preenchendo-se com tonalidades rosadas.

O dia seguinte me reservava respostas, era o que eu esperava. Felicia não me negaria as respostas que eu pretendia obter, e eu não lhe deixaria opções. A noite fora tensa; mesmo depois de adormecer meu corpo continuou cansado. Eu despertei muito mais cedo do que seria esperado, em razão do meu sono tardio. Mas eu simplesmente tinha perturbações demais, e o lado consciente do cérebro esteve no comando por quase todo o tempo. Meu Edward não ficou muito satisfeito, eu o ouvia rosnar e sentia seu corpo rígido ao meu lado, sabendo que seus movimentos poderiam me acordar, e sua ausência também. Ele também decidiu protestar porque eu me levantei e me preparei pra vestir-me, na intenção de descer. Aquele cuidado todo comigo já estava quase beirando ao descontrole. Precisei convencê-lo de que eu estava perfeitamente bem antes de convencê-lo a soltar-me, e permitir que eu saísse do quarto em busca da satisfação da minha curiosidade.

Desci as escadas com Edward me seguindo, ainda terminando de vestir-se, tentando segurar-me para manter-me apoiada. Ele dizia que eu o deixava louco. Ele também, então era recíproco. Morreria louca, se fosse para estar ao lado de Edward. Se a hipótese de morrer fosse razoável, morreria por ele. Sim, beirava à loucura, qualquer daqueles pensamentos. Encontrei Felicia, minha recém descoberta mãe, com Esme, minha então escolhida mãe. Eu antes não tinha nenhum pai, nenhuma mãe; apenas uma família de aluguel em um covil malcheiroso. E então eu me encontrava com duas mães, um pai cruel e um filho por vir. Meu conceito de família estava quase tão confuso quanto o dos humanos.

Aproximei-me das duas, na sala, com meu protetor sempre ao meu lado, e sentei-me. Ele tinha razão quando afirmava que eu não tinha condições de me esforçar… meu corpo estava muito mais fraco do que de costume. Eu respirava com dificuldade, porque o bebê me pressionava todos os órgãos internos. Eu nem sabia que eles funcionavam direito… os meus não deveriam funcionar, mas imaginava que funcionassem bem melhor do que os de Edward. Provavelmente eu era tão imortal quanto ele por causa da regeneração, mas depois de tudo que me aconteceu, eu já suspeitava que meu organismo era mais vivo do que eu poderia supor.
_Bea, você quer que faça algo para você comer? – Edward acariciou meus cabelos. – Você está fraca, e não vai querer sair para caçar agora, vai?
_Comer? – Felicia olhou-nos com surpresa.
_Sim… tudo bem, Edward. Eu estou mesmo me sentindo mal, talvez seja melhor comer alguma coisa..
_Panquecas? – Ele sorriu, e eu daria uma eternidade por aquele sorriso todos os dias.
_Com tudo que tiver direito. – Eu beijei seus lábios, e voltei-me para Felicia, que parecia curiosa. Ela não estava tão curiosa quanto eu, podia apostar. Mas eu seria uma boa pessoa e satisfaria seus questionamentos, a fim de obter algo em troca. – Eu me alimento de comida humana, também. Fizemos uma… experiência. E foi produtiva.
_Isso é muito interessante, Rudolph adoraria…
_Rudolph. – Eu a interrompi. – Felicia, precisamos conversar. E você vai me responder tudo que eu perguntar.
_Vou ajudar Edward com a comida… – Esme levantou-se.
_Pode ficar, Esme. Eu não tenho segredos para os Cullen, mesmo. E Edward já está bem expert em cozinhar-me panquecas… pelo menos isso ele aprendeu bem.
Minha mãe adotiva sorriu, e sentou-se novamente. Eu sabia que Esme não interromperia nossa conversa até o momento em que ela fosse solicitada. E eu precisava mesmo de apoio moral para prosseguir com minha investida.
_O que você deseja saber, Bea? – Felicia estaria rendida, então.
_Rudolph. Ele é meu pai… o que exatamente eu sou? Por que eu existo?
_Você é apenas uma das filhas de Rudolph. Ele emprenhou diversas fêmeas, todas em busca da genética perfeita. Você é a escolhida dele… a menina de seus olhos. Desde sempre Rudolph quis você; ele preteriu todas as outras. Você foi gerada para dar continuidade à sua hegemonia, na liderança do covil. Você, o híbrido a quem você seria entregue como esposa, e sua prole.
_Eu? – Aquela conversa definitivamente me causaria mal estar, mas eu precisava. – E Ferdinand? Ele é filho de quem?
_Também de Rudolph. Foi muito difícil gerar um macho, como eu te disse antes. Várias híbridas ficaram prenhes, e nenhuma delas conseguiu gerar um macho. Quantos machos você tinha sob seus cuidados?
_Somente Ferdinand… – tentei recordar-me. – Então quer dizer que Rudolph brincou de Deus para criar uma genética perfeita a fim de dar continuidade a si mesmo? Isso não faz sentido, se Rudolph é imortal…
_Ele também se cansa, Bea. Ele está cansado de governar… ele pretende deixar o covil tão logo você e Ferdinand tenham se unido e Ferdinand possa assumir o conselho.
_Ferdinand é uma criança. – Eu disse, mais para mim mesma. – E eu não vou me unir a ele, eu já estou definitivamente unida a alguém.

Com um sorriso nos lábios, nada condizente com minha atual condição psicológica, elevei a mão direita e exibi a bela pedra amarela que estava em meu dedo anular. Esme aproximou-se para vê-la, também sorridente. Era de se supor que ela soubesse das intenções de Edward, mas ela provavelmente não havia visto a pedra, ainda. Se eu conhecia Edward como eu considerava conhecer, somente Rosalie havia visto aquela pedra.
_Edward! – Esme chamou o filho, que já adentrava a sala com o prato de panquecas. O cheiro doce imediatamente me fez sentir um arrepio e um mal estar abdominal. – Isso não é um diamante…
_Eu sei, Esme. – Ele parou à minha frente, examinando à luz do sol como havia ficado o anel em meu dedo. O contraste do amarelo com a minha pele tão branca quanto a dele. – Mas Rosalie me garantiu que Beatrice se encantou por esta pedra, muito mais do que por qualquer diamante. E o anel é para ela; sua vontade vale mais do que qualquer convenção humana.
_O que é isso? – Felicia definitivamente não parecia muito esperta. Não tanto quanto ela parecia no covil. Os híbridos deviam mesmo ser estúpidos, como Edward garantira.
_Edward me pediu em casamento. – Ele sorriu, eu senti sem nem olhá-lo. – E eu aceitei. Estamos noivos… e vamos nos unir em casamento, como fazem os humanos. Sob a benção do Deus no qual você me ensinou a crer, Felicia.

Edward sentou-se ao meu lado, e cortou as panquecas em pedaços para mim. Se eu o permitisse, ele me alimentaria, como gostava de fazer. Mas eu estava concentrada demais no que fazer e desconcentrada demais em todo o resto. Peguei o prato de suas mãos e coloquei um pedaço de alimento na boca. O sabor também era nauseante, mas logo me acostumei. Mastiguei bem devagar e engoli, sentindo o alimento me arranhar a garganta. Edward riu, tentando evitar aquela reação. Olhei para ele, curiosa.
_O bebê. – Ele disse, sem conseguir segurar o riso. – Ele não está muito satisfeito com as minhas panquecas.
_Ah! – Eu também ri. – Explique a ele que, por causa dele, eu não posso sair para caçar. O que ele pretende, que morramos ambos de fome?
Edward colocou suas mãos sobre meu ventre, acariciando-o lentamente. Depois, em um movimento rápido e inesperado, ajeitou-se no sofá e deitou-se sobre minhas pernas, a face comprimida em meu ventre, as mãos circundando minha cintura. Apoiei o prato sobre minha barriga completamente dilatada – e aquilo era perfeitamente possível – e liberei uma das mãos para poder acariciar seus cabelos. O conforto que eu precisava, então.

_Tudo isso é muito estranho para mim. – Felicia baixou o olhar, e eu sabia que ela estava confusa e constrangida.
_Imagine para mim. – Eu precisava sempre me manter no ataque. – Imagine como é para mim descobrir que eu sou filha de um vampiro, especialmente designada para gerar um exército de aberrações. Preferia que eu fose qualquer outra coisa, e que Rudolph tivesse escolhido qualquer outra.
_Ele ama você, Beatrice. – Felicia olhou-me novamente. – Apesar de tudo, você foi a única que ele amou. Você acredita mesmo que ele permitiria a qualquer outra deixar o covil?
_Mas agora ele virá clamar-me de volta. Era melhor que me tivesse mantido prisioneira; eu não quero voltar para o covil. Eu tenho uma razão para existir aqui, Felicia… muito melhor do que a razão que eu teria para estar lá. Se Rudolph quer o comando do covil, que ele passe a eternidade lá. Mas… há algo que eu preciso saber, ainda. – O silêncio era absoluto, eu só conseguia ouvir o ruído de dois corações que pulsavam o mais lentamente possível. – Por que eu não me lembro de nada. Por que eu não tenho memórias de ter sido… jovem.
_Eu não deveria lhe contar isso.
_Você não parece ter muita opção. – Meus olhos pousaram sobre o perfil delicado de Edward, que mantinha os olhos completamente fechados enquanto absorvia nossa conversa. Seus lábios se esticaram em um sorriso de canto de boca, delicioso. Aquele era o sinal que eu esperava, para ter certeza que Edward sabia a resposta que eu queria. – Você conta, ou ele conta. – Felicia franziu o cenho. – É irritante, não? Estar com alguém que sabe tudo a seu respeito, sem você ter como esconder nada dele…
_Ouch. – Edward resmungou, em protesto. Ele não tinha o direito de me repreender, depois da quantidade de adjetivos com os quais eu estava acostumada. Cobaia, ingênua, estúpida…
_Eu te amo. – Falei bem baixo, sussurrando só para ele.
_Que conversa mais enjoada! – Emmett entrou sala adentro em um repente, chegando do jardim. – Dá para ouvir essa melação de vocês lá de fora, pelos céus!! Vamos, eu também quero saber a resposta! Por que minha irmãzinha acha que foi transformada…
_Rudolph apagou sua memória. – Felicia baixou o olhar novamente. – Ele… tem vários conhecimentos e vários conhecidos. Ele o fez, eu não sei como… mas ele apagou sua memória da infância. Por isso você não se lembra de nada, nem de ter sido transformada, nem de ter sido jovem.
_Isso foi cruel. – Emmett não era tão polido quanto a mãe e o irmão. Intrometer-se era da sua natureza. Mas eu não me importava mais; como havia dito eu não tinha segredos para os Cullen.
_Bem, pelo menos agora eu tenho as respostas. – Terminei de comer as panquecas, e descartei o prato para o meu lado. Antes que eu pudesse pensar no que fazer, Esme recolheu a louça e levou para a cozinha. Por vezes eu me sentia constrangida quando eles cuidavam tão bem de mim. – Mesmo que eu não goste, saber a verdade é melhor do que viver na ignorância.

Levantei-me, sentindo algumas dores. Eu não queria que ninguém soubesse das minhas dores, mas era impossível escondê-las. O bebê se mexia demais, eu estava muito inchada, e meu corpo parecia incrivelmente frágil. Eu tentava me alimentar de sangue, pois era só o que eu queria, mas eu precisava de muito mais sangue do que eu conseguia ter. Ou os Cullen iriam à loucura caçando para mim ou eu teria que lidar com o enfraquecimento de meu organismo. A cada chute e a cada hemorragia, eu consumia uma quantidade impressionante de reservas para me regenerar. Edward não me deixava sozinha exatamente por aquela razão; porque ele sabia que eu estava fraca e debilitada. Demais, para um imortal. Mais do que eu desejava.

Apesar da minha irritação com os híbridos, com Rudolph e com qualquer outra memória do covil, Felicia era a minha mãe biológica e eu não podia manter um sentimento negativo quanto a ela. Principalmente porque ela não era culpada pelo que acontecera. Talvez nem Rudolph fosse culpado, ele fosse simplesmente egoísta demais para pensar em alguém que não ele mesmo. Os híbridos pareciam nutrir uma noção de comunidade e fraternidade que não era condizente com aquele perfil de Rudolph. Logicamente, ele era um vampiro. E um vampiro que se alimentava de sangue humano. Porém eu também não conseguiria manter sentimentos ruins quanto a Rudolph. Felicia foi categórica ao afirmar que ele me amava. Que eu fora a única que ele amou. Ele sempre me tratou de forma especial. Poderia Rudolph nutrir um sentimento paterno para comigo? Como Edward e o nosso filho?

Não, nada em Rudolph poderia se comparar a Edward. Nada naquela minha família biológica real poderia se comparar à minha família por afinidade, os Cullen. Aquela era a minha realidade, a que eu havia escolhido para mim. Não importava o que fora ou o que seria, eu sabia que a minha família, a que eu chamaria de família, seria sempre a família dos Cullen. E eu não estava preparada para abrir mão da vida que eu havia escolhido para mim.

Mas eu precisava encarar alguns fantasmas do passado antes de me conciliar com o futuro. Duas noites após a chegada de Felicia, Alice teve a visão que todos aguardavam. Os híbridos estavam deixando o covil, e eles sabiam onde procurar. A notícia foi dada durante uma das convenções dos Cullen, no salão principal.
_Vamos ter que brigar? – Emmett, punhos cerrados, socando a própria mão.
_Ninguém vai brigar, Em… – Carlisle sacudiu a cabeça, reprovando a atitude do filho. – Alice, quantos virão?
_Quatro. – A pequena vampira parecia em transe, os olhos arregalados e olhar distante. – São quatro… Um deles é jovem.
_Deve ser Ferdinand. – Eu disse, sentindo fisgadas por todo o corpo. – Rudolph provavelmente o traria para buscar sua prometida.
_Ele é muito inconsequente. – Felicia reprovou. – Ferdinand é um híbrido muito jovem para sair em uma missão dessas.
_Os outros são híbridos?
_Vampiros como Rudolph. Só o jovem é híbrido.
_Richard e Brandon. – Felicia considerou. – São os que Rudolph confia mais…
_Eles trazem o rastreador? – Eu tinha que perguntar.
_O animal? – Alice perguntou, ainda em transe.
_Sim…
_Eles trazem um animal, como um lobo… mas não é um lobisomem…
_O rastreador é um mutante. – Eu sabia aquelas respostas. – Ele é um animal, um lobo… mas vampírico. Ele tem presas afiadas e se alimenta de sangue. É só mais um integrante do show de horrores do covil.
_O que faremos? – Esme perguntou, olhos pousados na imagem pensante de Carlisle. O patriarca da família Cullen estava concentrado nas respostas de Alice.
_Não faremos nada. – Eu me manifestei. Os olhos de Edward imediatamente assumiram uma coloração escurecida, e ele me encarou com perplexidade extrema. Eu pude sentir sua agonia, todos puderam. – Eles vêm por minha causa, quem precisa resolver isso sou eu.
_Não. – Edward cerrou os punhos e se colocou ao meu lado, olhando-me de cima. Eu tinha o semblante decidido, e a reação de Edward fez com que os Cullen compreendessem algumas de minhas intenções. – De jeito algum, nem pense…
_Edward… – Eu sorri para ele, e levei meus dedos até sua face, acariciando-a. – Meus problemas, minha solução.
_Bea, você é parte da família. Não vamos deixá-la enfrentar isso sozinha. – Jasper manifestou-se.
_Eu não pretendo enfrentar sozinha. Eu preciso do apoio de vocês, ou não conseguirei fazer isso.
_Não! – Edward me segurou firme pelos dois braços, os dedos comprimindo minha pele com muita força. Baixei o olhar novamente, não conseguindo olhar diretamente em seus olhos. Os Cullen estavam todos apreensivos, ninguém exatamente entendendo o que havia; o que eu decidira. De fato, eu também podia desenvolver conversas mentais… talvez fosse
_Eu já me decidi, Edward. Em quanto tempo eles chegam, Alice?
_Amanhã. – A vampira disse, dispersando-se de seu transe.

Eu me afastei do grupo, caminhando e direção ao jardim dos Cullen. Aquele jardim me trazia boas memórias. Eu não me esqueceria das vezes em que me entendi com o sol… a relva macia e as flores que exalavam um perfume tão familiar. Mas eu não podia ter aqueles pensamentos nostálgicos. A minha decisão estava tomada, mas ela significava exatamente ficar ali, entre os Cullen, por toda a eternidade. Eu não pretendia deixá-los, deixar Edward. Eu precisava resolver uma pendência, um problema que eu sequer sabia existir. Tão logo ele se resolvesse, eu retornaria para eles. Para ele, para o meu noivo. Edward precisava entender aquilo, ele precisava compreender que aquela situação fora causada por mim, e somente eu poderia resolvê-la. Não cabia a qualquer dos Cullen. E eu não pretendia imputar-lhes a responsabilidade por isso.

Eu precisava enfrentar a realidade. Felicia era minha mãe, Rudolph era meu pai, e ele pretendia ter-me de volta no covil. Ele pretendia unir-me com Ferdinand e dar continuidade a seus planos completamente descabidos. Cabia a mim fazê-lo compreender o quanto tudo aquilo era insano. O quanto ele feria os sentimentos alheios. Cabia a mim fazê-lo enxergar. Ele era meu pai, e ele me amava. Ele teria que me ouvir. Ele também precisava enfrentar a realidade. Para Rudolph, a realidade era simples. Eu amava Edward, e ficaria com ele. Eu amava os Cullen, e ficaria com eles. Não importava saber que eu tinha uma família biológica; aqueles laços nunca me fizeram sentido algum. Eram duas realidades conflitantes que precisavam se encaixar. Como eu e Edward. Era somente uma questão de enquadramento.

Não era da minha natureza ser prática, menos ainda lógica. Eu era um ser muito pouco racional. E grávida eu poderia me considerar completamente irracional. Toda aquela ponderação ia de encontro a todas as expectativas. Rosalie foi quem decidiu buscar-me no jardim, alguns minutos depois. Estavam todos preocupados comigo, e eu preocupada com todos. Eu era forte o suficiente, eles não precisavam se preocupar. Tudo sempre se ajeitaria, comigo.
_Bea, venha para dentro… logo vai escurecer e Edward…
_Seu irmão agora manda recados? – Eu a interrompi e impliquei, um tanto quanto amarga. Talvez fosse uma defesa natural, repelir as pessoas amadas para não fazê-las sofrer.
_Ele ia dizer que está lá dentro, parado, da mesma forma que você o deixou. – Rosalie confessou. Virei-me para ela, um tanto surpresa com a constatação. – Pensei que talvez você conseguisse fazê-lo mover-se…
_Ele não deve estar muito satisfeito comigo, no momento.
_Você decidiu ir embora? – Então ele não havia contado a minha decisão. Nem Alice. Talvez esperassem que eu mudasse de idéia.
_Eu decidi resolver a questão sem envolver vocês mais do que já se envolveram. – Falei, tentando ser mais educada.
_É um pouco tarde agora, Bea. – Rosalie moveu os ombros, intentando deixar-me. – Todos já estão envolvidos, e o sofrimento é inevitável.

Eu não estava mesmo muito feliz com aquilo tudo. O mundo particular que construí para mim, sob o sol, parecia prestes a ruir. Como um castelo de areia, frágil e inconsistente. Eu não sabia que as coisas da vida pudessem desaparecer como areia no mar, e eu não pretendia permitir aquilo. Mas era inevitável que a infelicidade me abatesse naquele instante. Eu simplesmente não queria fazer o que eu estava decidida a fazer. Mas era inevitável, também, que eu o fizesse. Acompanhei Rosalie para dentro da casa, para encontrar a cena que ela descrevera. Apesar dos muitos minutos que eu ficara no jardim, pensando, Edward não havia se movido. Esme estava ao seu lado, mão em seu ombro, enquanto Edward se mantinha inerte, como uma estátua. Aproximei-me dele, envolvendo-o com meus braços e afundando-me em seu peito, como de costume. Senti seus dedos relaxarem e se dirigirem para meus cabelos, enquanto eu respirava lentamente. Talvez eu também soubesse como acalmá-lo.
_Espere que o amanhã chegue, Edward. – Sussurrei, só para ele. – Ainda não sabemos o que virá.
_Mas você já tomou a sua decisão. – Ele me apertou com muita força para si.


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