A Lua e as Trevas escrita por Lara


Capítulo 7
Capítulo Extra – Lullaby


Notas iniciais do capítulo

Bom dia! Uma ótima novidade para vocês! Aqui está o capítulo especial que eu tinha mencionado! Desculpe pela atraso. Era para eu ter postado isso no inicio do ano, mas... Acabou que não deu tempo de terminar e as minhas aulas na universidade começaram... Deixando isso de lado! Espero que vocês aproveitem o capítulo e se divirtam! Reviews são muito bem recebidas! ^^
PS: Esse capítulo é narrado do ponto de vista da Misaki Kirihara.



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Pela vigésima vez me olhei no retrovisor interno desejando que os meus olhos não estivessem tão cansados quanto pareciam estar no meu reflexo. Acabei ficando tão ansiosa pelo dia de hoje que não consegui dormir direito. Era pura bobagem, mas não consegui evitar. Fazia anos que o procurava, por isso era meio difícil de acreditar que finalmente o tinha encontrado. Havia repassado inúmeras vezes o que faria se o achasse, porém agora que parava para pensar sobre isso, nada vinha a minha mente. Respirei fundo, fechando os olhos, me acalmando. Um truque simples que sempre funcionou na época em que eu era uma policial. Abri a porta do carro e sai colocando meu par de sapatos pretos com salto baixo sobre o asfalto do estacionamento.

Enquanto andava pelos corredores da escola não conseguia parar de pensar no quando era estranho imaginá-lo trabalhando em um lugar como este. Considerando os seus trabalhos anteriores era quase inacreditável ver que ele escolheu viver cercado por tantas crianças. Tinha a impressão de que ele não gostava de crianças. Talvez estivesse enganada. Provavelmente estava. Assim que pisei no pátio, o sinal tocou e as crianças correram em disparado para dentro, deixando-me um pouco desorientada. Caminhei para onde ficavam os clubes e as quadras de esporte e foi então que o vi de longe. Parecia que o meu coração havia parado de bater. Mesmo ainda não conseguindo ver o seu rosto, eu sabia que era ele. Aqueles cabelos negros me eram inconfundíveis, assim como a sua postura e porte físico. Ele não parecia ter mudado em nada. Segui-o até onde guardavam os equipamentos de esporte.

– Um professor de educação física seria a última coisa que eu imaginaria que você fosse escolher como profissão. – ele parou de guardar os equipamentos e se virou na minha direção. Seus olhos azuis escuros continuavam penetrantes e afiados como facas, sua pele aparentava estar mais bronzeada, mas o restante permanecia igual como se os anos não o tivessem afetado em nada.

– O que você esta fazendo aqui? – imaginei que o tom de voz dele seria mais frio, porém para mim me pareceu que ele apenas se sentia desconfortável com a minha presença.

– Tenho procurado por você desde o momento em que fugiu de Tóquio. – ele riu voltando a atenção para os equipamentos esportivos.

– Eu sabia que você era teimosa, mas não esperava que fosse tanto. – empurrou um carrinho com bolas de vôlei para o fundo do cômodo. – Agora que me encontrou, o que vai fazer? Prender-me?

– Não. – abaixei os olhos em direção aos pés. - Apenas queria conversar. – um sorriso acabou se formando nos meus lábios. - Não poderia te prender mesmo se quisesse. – dei de ombros. – Não sou mais uma policial. – ao encara-lo esperava que ele continuasse a escrever em silêncio na prancheta que segurava como se nem tivesse me escutado, mas ao em vez disso parou de escrever e me encarou. – O que foi?

– Estou surpreso. - voltou a escrever. - Nunca pensei que chegaria um dia que você fosse desistir de ser uma policial. – ele guardou a caneta em um dos bolsos da sua calça e a prancheta debaixo do braço. – O que aconteceu? – a pergunta me pegou de surpresa. Não esperava que ele fosse demonstrar interesse. – Não precisa responder se não quiser. – começou a caminhar em direção a porta.

– Não. Não é nada desse tipo. – segui-o e assim saímos do depósito. – Apenas não esperava que você fosse demostrar interesse nisso. – ele fechou a porta e a trancou com uma chave.

– Entendo. - ficou em silêncio por um instante. - Desculpe, é um hábito que acabei pegando depois que me mudei para cá. – começou a se afastar e eu o acompanhei, andando ao seu lado.

– Não precisa se desculpar. – levei os fios de cabelo para trás da orelha. - Afinal, tenho a impressão de que você nunca realmente confiou em mim para agir como você mesmo. Seja como Li-kun ou como BK-201. – as últimas palavras que ele tinha dito antes de desaparecer eram tão nítidas para mim quanto o rosto dele diante de mim. - “O homem que você conhecia como Li não existe mais”, certo? – outra memória me veio a mente enquanto falava. A última vez que conversei com ele sendo Li-kun. Acho que aquela foi uma das raras vezes em que ele me contou um pouco sobre si mesmo. Agora que paro para pensar, a expressão séria que fez naquela ocasião deve ter sido verdadeira. – Eu deixei a polícia porque cansei de trabalhar para pessoas corrompidas pelas organizações. – fiz uma pausa. – Era sobre isso que vim conversar com você. Sobre o Sindicato.

– O que tem ele? – perguntou com frieza deixando bem claro o quando desprezava aquela organização e na sua simples menção. Quem poderia culpa-lo? O Sindicato destruiu a sua vida ao transforma-lo em um assassino e também lhe roubou a irmã, assim como muitos outros amigos. Eu mesma os detestava por todo o mal que causaram para humanos e contratantes.

– Ele não existe mais. – senti que ele olhou na minha direção quando falei isso, porém quando fui olhar na direção dele, vi que ele continuava a manter o rosto para frente. - O mesmo destino foi dado a outras organizações semelhantes. A era da organização secreta chegou ao fim. – o corredor em que andávamos ecoava os nossos passos. - Agora faço parte de um grupo de idiotas idealistas que olham para o futuro com esperança de que o pior já passou. Ironicamente as pessoas nos chamam de “A Organização”.

– Entendo. – paramos próximo da porta dos professores. – Obrigado por me contar tudo isso. De verdade. – nossos olhos se encontraram. – Tem mais alguma coisa que deseja conversar comigo?

– Hã? – sabia que o meu rosto estava levemente corado, mas preferia pensar o contrário. Foi no instante em que ele trocou a mão que segurava a prancheta que eu vi o anel prateado no seu dedo. Ele brilhou para mim intensamente como se tentasse me dizer o quanto era tola em não o ter notado antes. Naturalmente, sentia-me como a mais idiota de todas as mulheres da face da Terra, apenas era orgulhosa demais para admitir isso. – Bem, como não sabia se você aceitaria ou não conversar comigo acabei que comprando uma enorme quantidade de comida para usar como chantagem...

– Você esta brincando.

– Ha, ha, ha... – ri passando a mão na parte de trás da cabeça. – Não... Não estou.

Ele somente passou a acreditar em mim depois que o levei até o meu carro e mostrei as montanhas de embalagens de comida que ocupavam quase que completamente o banco traseiro. Tinha absoluta certeza de que não conseguiria comer tudo aquilo sozinha e por essa razão comecei a listar mentalmente os nomes das pessoas que conhecia que comeriam um pouco daquilo.

– Não estava mesmo brincando. – claro que essa não era a reação que eu esperava dele quando visse a montanha de comida. Para falar a verdade parecia que nada do que eu esperava realmente aconteceu. – Inacreditável. No que estava pensando quando comprou tudo isso? Que ia alimentar uma cidade inteira?

– Posso ter exagerado um pouco... – passei a mão pelo meu cabelo tentando esconder a vergonha que sentia naquele momento. Ainda não tinha me acostumado com o cabelo solto e muito menos com o batom claro que usava nos lábios. Realmente eu não parecia mais com uma policial.

– Você pretendia mesmo me dar toda essa comida?

– Não necessariamente. Eu comeria a minha parte... – acabei parando de falar por causa do celular dele que começou a tocar. Ele retirou o aparelho do bolso da calça e o colocou bem próximo do ouvido direito.

– Sim? – disse em uma voz neutra, mas ao reconhecer a voz do outro lado da linha sua expressão facial mudou. – Como você...? – ele começou a olhar ao redor a procura de algo até que fixou o olhar em uma poça de água. – Tem certeza? – ficou em silêncio enquanto escutava a resposta da pessoa com quem conversava. – Esta bem. Depois a gente conversa sobre isso. Até logo. - e desligou. - Sendo honesto, por um instante, no início da nossa conversa eu pensei em matá-la. - é claro que essa possibilidade havia se passado pela minha cabeça, mas por alguma razão estranha não senti medo algum. - Não tinha ideia de como havia conseguido me encontrar e também não sabia se o Sindicado a estava usando para me achar. – sua expressão era séria, assim como o tom da sua voz. – Tudo o que tenho feito desde que sai de Tóquio foi fugir e fugir. Não importava aonde fosse, não conseguia me sentir aliviado ou em segurança. Depois de um tempo, eu simplesmente parei de pensar nisso e foi neste momento em que comecei a realmente viver a minha vida. - ele virou o rosto para me encarar. - Você provavelmente vai ser a primeira pessoa que convido a ir à minha casa em anos, mesmo assim quer vir? – este foi sem dúvida alguma o convite mais estranho que já ouvi em toda a minha vida, porém a felicidade que senti ao ouvir essas palavras, para mim, era tudo o que importava.

– Eu adoraria.

Ele tinha mudado. Desde o momento em que o encontrei na escola notei que uma parte dele queria se manter distante de mim e isso ainda não havia desaparecido. Comecei a achar que ele estava indo contra os seus próprios instintos, mas será que isso era possível? Sentado ao meu lado na parte da frente do carro ele me indicava para onde deveria ir. Logo notei que estávamos entrando na parte mais distante do centro da cidade. Ao virar a esquina, olhei para a casa que mais atraiu a minha atenção. Apesar de não estar completamente afastada das outras residências, esta casa em particular se encontrava a uma certa distância das outras. Ele nem precisou me dizer que aquela era a sua casa, porque eu já sabia. Ela representava grande parte da personalidade dele.

Depois de estacionar o carro, começamos a caminhar até a entrada da casa segurando várias sacolas de comida e eu as coloquei encostadas na parede próximo da porta. Não nego que senti curiosidade em ver como era o interior da residência, contudo não achei que seria apropriado incomodá-lo mais do que já tinha. Comecei a me afastar da entrada antes que mudasse de ideia.

– Bem, acho que já vou indo. – tentei usar o meu melhor sorriso. – Espero que a comida seja do agrado e desculpe por qualquer incomodo que possa ter causado.

– Não, não foi incomodo algum. – ele nem tentou disfarçar que estava mentindo e eu achei isso um pouco fofo. – Agradeço pela comida. – ele me estendeu a mão.

– Se por algum milagre resolver ir para Tóquio não se esqueça de me visitar. – segurei a mão dele e ambos demos um leve aperto no cumprimento.

– Claro. – foi neste instante que notei que o olhar dele mudou. – Inacreditável.

– O quê? – perguntei sem compreender, no entanto ele voltou a sorrir e agir como se nada tivesse acontecido.

– Você continua morando no mesmo apartamento?

– Hã?! – a pergunta me pegou de guarda baixa e acabei exclamando mais alto do que deveria. - Ah! Não, me mudei de lá faz já uns três anos. – de dentro da minha bolsa peguei um pequeno bloco de papel e uma caneta. – Quer que eu anote o novo endereço?

– Por favor. – comecei a escrever no papel me xingando mentalmente por ser tão idiota a ponto de esquecer que tinha mudado de casa. – Seria um pouco inconveniente para mim ter que procura-la por toda Tóquio.

– Verdade... – estava começando a desejar me enterrar em um buraco e nunca mais sair de lá. Retirei o pedaço de papel e entreguei para ele.

– Ah! Deixe-me passar o meu telefone caso você queira me contar as novidades de lá. – e dito isso ele gentilmente pegou a caneta da minha mão e começou a escrever no bloco de papel. – Para falar a verdade você pode ligar quando quiser.

– Ok... – algo estava errado ali. Parece que ele tinha voltado a ser o Li que conhecia, mas por quê? Não conseguia entender o que estava acontecendo até que voltei os meus olhos para ler o que ele havia escrito no papel. Para minha surpresa não eram números e sim palavras. Para ser mais exata era uma frase: “Não se mexa.”. – Perfeito. – guardei o papel, me perguntando se ele percebeu a presença de alguém. Droga! Minha arma ficou no carro. – Fiquei surpresa com a quantidade de números, será que deveria me preocupar?

– De forma alguma. – foi então que ele encostou a mão na parte de metal preso a parede da casa e seus olhos ficaram vermelhos ao liberar o seu poder. Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, uma pequena forma caiu do céu vindo em nossa direção. Foi algo tão inesperado para mim que nem tive tempo de pensar no que fazer. Li-kun sem nem se quer olhar para cima esticou um dos braços exatamente onde a criança caiu. Ele não deveria passar dos sete anos. Seus pequenos braços se agarraram fortemente ao redor do braço de Li e começou a rir mostrando todos os seus dentes brancos.

– Isso foi incrível! – falava animadamente mexendo as pernas para frente e para trás. – Não esperava que fosse me descobrir tão cedo! – seus olhos chegavam a brilhar de felicidade. - Você realmente é incrível! – dirigiu os olhos na minha direção. – E quem seria você?

– Aoi... – dirigiu-se friamente ao pequeno menino puxando uma das suas bochechas. – O que eu lhe disse sobre subir no telhado? – eu sabia que o menino tinha errado ao se colocar em perigo daquele jeito, porém sentia uma pena em ver a sua bochecha fofa sendo tão mal tratada.

– “Só crianças idiotas subiriam no telhado.” – recitou parecendo tentar imitar a voz do outro. Não foi exatamente igual, mas não dava para negar a semelhança.

– Então, você é um idiota? – soltou a bochecha e o envolveu com o outro braço.

– Provavelmente? – riu. – Não me importo, eu apenas queria te surpreender, papai!

– Pa... Papai? – quase não consegui reproduzir a palavra. Ao olhar com mais atenção para o menino notei imediatamente a semelhança entre os dois. Só um idiota não perceberia isso. O dia de hoje realmente prometia...

– Aoi, ajude-me a levar essas sacolas para dentro de casa. – ele pediu para o garoto enquanto o colocava no chão para logo em seguida bagunçar os seus cabelos pretos.

– Sim! – fez continência e correu na direção das sacolas. – Ah! Mamãe! – tanto Li quanto eu olhamos para a entrada da casa e lá estava ela. A primeira vez em que a vi foi naquela pequena loja de cigarros, por mera coincidência, enquanto eu passava pela rua. Já tinha escutado algumas fofocas sobre a loja e principalmente sobre ela, porém nunca havia parado para pensar sobre isso até o dia em que a conheci. Uma jovem garota de cabelos prateados com a beleza e fragilidade de uma boneca de porcelana. “Essa menina vai ficar mais bonita quanto crescer.”, foi o que pensei quando os nossos olhos se encontraram naquele dia. Uma pequena parte de mim me amaldiçoou por estar certa. Ela não apenas tinha ficado mais bonita como também tinha amadurecido se tornando uma bela mulher. Seus cabelos prateados estavam soltos e flutuavam parecendo ondas do mar e seu vestido azul claro destacava a sua pela branca.

– O que você aprontou dessa vez, Aoi? – ela perguntou com uma voz gentil enquanto passava a mão sobre a bochecha avermelhada do menino.

– Subi no telhado! Queria surpreender o papai! – falava animadamente enquanto mexia os braços segurando as sacolas. – Mas ele me descobriu rápido e...

– Verdade? – ela se abaixou para ficar da mesma altura que ele. – Ele ficou bravo?

– Ah... Ficou... – os olhos azuis de Aoi começaram a perder aquele brilho e miraram o chão com certa tristeza e culpa.

– E você sabe por que ele ficou bravo?

– Porque... eu poderia me machucar... se caísse. – ele voltou a olhar para ela com determinação. – Não faço mais isso! Eu prometo! Eu gosto muito da mamãe e do papai. – a mãe sorriu e beliscou de leve o nariz do garoto.

– E nós te amamos muito também. – ela se endireitou e abriu passagem. – Pode levar as sacolas para dentro. – e o menino entrou em disparada para dentro da casa. Os olhos dela se voltaram para Li. – Okaeri (Seja bem vindo). – disse com um sorriso.

– Tadaima (Estou em casa). – ele se aproximou dela e quando estavam próximos o bastante Li beijou a topo da testa dela. O sentimento que ambos sentiam um pelo outro era nítido só pela maneira como se olhavam. Palavras não eram necessárias. Pelo menos foi o que pareceu para mim. Não posso negar que senti um pouco de inveja. Afinal, quantas pessoas eu conheço que conseguem se comunicar apenas pela troca de olhares? – Desde quando você sabia que ela estava aqui?

– Desde o momento em que o carro dela entrou na cidade. – foi somente neste instante que eu entendi que eles estavam falando sobre mim.

– Por que não me avisou? – dava para perceber pelo tom da sua voz que ele estava repreendendo-a, mas aquilo não alterou a expressão dela nem um pouco. – Eu poderia a ter matado. – a última palavra acertou em cheio o meu coração, porém eu preferi ignorar tal sensação. Não estava surpresa, então não tinha motivos para me abalar.

– Mentiroso. – devido a surpresa que senti acabei que por impulso olhando na direção dos dois e os meus olhos acabaram encontrando com os dela. – Ela é a coisa mais próxima de uma amiga que você tem. – tinha certeza de que os meus olhos estavam arregalados. – Além disso, eu preciso da ajuda dela para fazer o almoço. – ninguém disse nada por alguns segundos. – Misaki-san, por favor, estou contando com a sua ajuda. – abaixou a cabeça e logo em seguida entrou na casa.

– Quantas vezes eu já te disse para ficar longe da cozinha, Yin?! – Li-kun a seguiu segurando algumas sacolas com uma expressão facial que eu nunca antes tinha visto. Fiquei feliz e ao mesmo tempo desejei ir embora, contudo parecia ser tarde demais para isso.

Carreguei o restante das sacolas para dentro da casa e as coloquei no balcão ao lado da porta da cozinha onde os dois se encontravam. Pelo que entendi da conversa que escutei, ela era um desastre na cozinha e desde um certo incidente ele a havia proibido de tentar cozinhar qualquer coisa. Fiquei imaginando o que poderia ter acontecido para fazer com que o BK-201 ficasse tão preocupado.

– Ela tentou preparar a comida favorita do papai e acabou queimando a cozinha.

– É mesmo? – só depois de alguns segundos é que notei que Aoi estava com o corpo jogado sobre o encosto do sofá bem próximo de mim. Provavelmente teria me assustado com a presença repentina dele, porém algo chamou mais a minha atenção. – Espere um instante, você conseguiu ler os meus pensamentos? – o pequeno menino virou a cabeça para o lado e me olhou com dúvida.

– Pensamentos? Do que você esta falando? – ele acabou ficando de cabeça para baixo. – Isso é impossível. Eu apenas achei que você estaria se perguntando por que eles estão discutindo. – e depois de dizer isso o menino rolou até se sentar no sofá. – Pelo menos eu ficaria curioso. – Aoi olhou para mim e deu um grande sorriso. – Você gosta de estrelas?

– Estrelas? – estranhei um pouco a pergunta. Era muito raro ouvir alguém falando sobre estrelas, principalmente crianças. Um sorriso apareceu nos meus lábios quando me dei conta de que aquele lindo menino não era como as outras crianças, afinal seus pais também eram diferentes. – Sim. Especialmente as mais brilhantes. – o sorriso dele aumentou mais ainda.

– Então você tem que ver o meu quarto! – e antes que pudesse dizer qualquer coisa aquele pequeno ser humano pegou a minha mão e me guiou até o seu quarto no andar de cima. Quando estávamos de frente para a porta aberta do seu quarto ele soltou a minha mão e entrou em disparado fechando as janelas e puxando as cortinas. – Desligue a luz! – sem saber exatamente o que ia acontecer eu apertei no interruptor deixando o quarto se banhar pela escuridão. Aos poucos, vários pontinhos brancos começaram a aparecer até que o quarto inteiro ficou repleto deles. Fiquei girando no centro do quarto sem ter palavras para descrever o que estava vendo. – Incrível, né? – o sentimento de orgulho e felicidade era nítido no tom da voz dele. – Aposto que nunca antes tinha visto algo assim!

– Verdade... – me sentei ao lado dele no chão. – Elas parecem tão vivas. – achei que elas eram muito mais reais do que as que ficam no céu de Tóquio. – Foram os seus pais que fizeram, não é?

– Sim! – disse empolgado. – Depois que descobri que o papai gosta de estrelas comecei a gostar delas também. – ele começou a desenhar em um dos papeis brancos espalhados pelo chão do quarto. – Posso te fazer uma pergunta?

– Claro. – cruzei as pernas e comecei a desenhar também em um outro papel. Fazia décadas desde a última vez em que desenhei. – Pode me perguntar o que quiser.

– Se mundo nunca tivesse sido divido entre humanos e contratantes, acha que todos seriam mais felizes? – naturalmente parei de mover o lápis que estava entre os meus dedos e voltei os olhos para o menino que continuava a desenhar. Uma criança da idade dele não deveria pensar em coisas tão complicadas como essa... Coisas que nem os adultos ainda não conseguiriam resolver.

– Desculpe, mas eu ainda não sei a resposta para essa pergunta. – continuei a desenhar. – Da minha parte... Eu fico feliz pelos contratantes existirem.

– Por quê?

– Porque é graças a eles que eu me tornei a pessoa que sou hoje. – como teria sido a minha vida se eu nunca tivesse me envolvido com os contratantes? Essa era a primeira pergunta que aparecia na minha mente nos dias ruins da época em que era policial. Claro que existem contratantes ruins, porém o mesmo vale para os humanos. Não se pode odiar algo ou alguém só por serem diferentes. – Principalmente por causa do seu pai. – sorrio. – Fico realmente muito contente em tê-lo conhecido.

– Você conheceu o papai antes dele se casar com a mamãe, né? Como era ele?

– Hm... – uso o tempo necessário para pensar e escolher as melhores palavras para caracterizar aquele rapaz que conheci e o contratante que persegui. – Não acredito que ele tenha mudado muito. Naquela época ele usava roupas pretas e uma máscara branca. – terminei de desenhar e mostrei o papel para ele. – Como essa.

– Oh... – sentia-me orgulhosa das minhas habilidades artísticas por causa da expressão e o tom de voz dele. – Isso é uma máscara? Achei que era um espantalho. – toda a minha felicidade foi embora. Virei o papel e analisei o desenho.

– Realmente parece um espantalho...

– O que vocês dois estão fazendo? – perguntou Li parado na entrada do quarto. – O jantar já esta na mesa. – Aoi deu um grito de felicidade e saiu correndo para fora do quarto. Quando estava saindo do quarto, Li pediu para ver o meu desenho e eu quase berrei um “não” bem alto. – Deixe-me ver. – e em um rápido movimento ele pegou o papel e o analisou. – Tem certeza de que é japonesa?

– Muito engraçado. – peguei o papel e o transformei em uma bola amaçada.

– Não se preocupe com isso. – começamos a caminhar em direção as escadas. – A minha irmã desenhava muito pior. – parei de andar e ele continuou.

– Mentira.

– Não é mentira. – fez uma pausa e parou no começo da escada. – Ninguém é perfeito. Ela não era perfeita, mas era a minha adorável irmã mais nova. – virou-se na minha direção. – E eu a amei por ser exatamente quem era. – começou a se aproximar de mim. – Por isso... pare de tentar ser algo que não é. – quando me dei conta ele já tinha colocado um guardanapo sobre os meus lábios.

– O batom não ficou bom, né? – perguntei baixinho enquanto tirava o batom dos lábios.

– Não combina com você. – e virou-se começando a descer as escadas.

– Malvado.

– Amigos servem para quê? – disse rindo dando a impressão de que éramos amigos de longa data. Foi uma nova sensação para mim e eu gostei disso. Enquanto descia os degraus acabei olhando para um cômodo que ficava próximo da escadaria. Dentro dele havia um lindo piano preto que brilhava quando a luz da janela caia sobre ele. – O que foi?

– Nada não. – comecei a descer rapidamente.

Quando chegamos a mesa de jantar Aoi já estava comendo com entusiasmo enquanto sua mãe estava sentada a sua frente sorrindo sem ter ainda tocado na comida. Li acabou se sentando ao lado da mulher e eu fiz companhia ao pequeno garoto que insistia que eu deveria comer mais carne para ficar mais forte e saldável. O ambiente era estava mais agradável do que eu esperava. Apesar de não ter muitas trocas de palavras entre os adultos, em nenhum momento me senti desconfortável e sim contente e feliz. Como eu já esperava, Li foi o que mais repetiu sendo seguido pelo filho e depois por mim. A misteriosa jovem mulher de cabelos prateados parecia que estava apenas provando os vários pratos que se encontravam a mesa. Notei que houve certos momentos em que Li colocava mais comida no prato dela lhe dizendo que deveria comer mais e ela retribuía esse gesto baixando de leve a cabeça e sorrindo. Na hora de lavar os pratos me ofereci em ajuda-la.

– Hei me contou que você não é mais uma policial. – a voz calma dela me retirou dos meus pensamentos voltando a atenção para a sua pessoa. – É uma pena. Você era muito boa.

– Você acha? – ela balançou afirmativamente a cabeça. – Muito obrigada. Fiquei muito feliz em ouvir isso. – sequei mais um prato e o guardei no armário.

– Ele também pensa a mesma coisa, mas nunca vai dizer isso em voz alta. – tive a impressão que ela tinha feito um pico, porém ela logo voltou a sua expressão normal. – É muito teimoso. – não pude evitar rir da afirmação dela. – É verdade!

– Desculpe! Não estou rindo porque acho que está mentindo. É só que... a imagem de uma pessoa teimosa não cai bem nele. – respirei fundo finalmente parando de rir. – Realmente... Se eu parar para pensar, percebo que a verdade é que não sei quase nada sobre ele. – olhei na direção dela com um sorriso. – Invejo você.

De inicio ela não disse nada. Parecia que estava surpresa com o que acabei de dizer e por isso não sabia ao certo o que responder. Foi a impressão que tive quando notei a pequena mudança em sua expressão facial.

– Acho que esta é a primeira vez em que alguém me diz algo assim. – um pequeno sorriso apareceu em seus lábios e suas bochechas pareciam ter ficado levemente coradas. – Sei que não deveria me sentir tão feliz por causa de uma coisa dessas, mas... Nunca passou pela minha cabeça que um dia alguém sentiria inveja de mim. Você e o Hei são mais parecidos do que eu imaginava.

– Hã? Parecidos? Por que você acha isso? – ela voltou a limpar os talheres.

– Você também não me trata como uma doll. – fiquei sem saber como responder as palavras dela. Não conhecia muitos dolls para poder comparar, contudo tinha absoluta certeza de que ela era diferente. Uma das coisas que a maioria das pessoas se esquecem é o fato de que tanto os contratantes como os dolls já foram em algum momento das suas vidas humanos normais. Mesmo que eles sejam diferentes de nós isso significa que eles perderam a sua humanidade?

– Aquele piano preto que vi no andar de cima... É seu, certo?

– Bem, de certa forma sim já que eu sou a única que toca nele. – ela riu baixinho. – Não importa quantas vezes me ofereça para ensinar, Hei se recusa a aprender dizendo que prefere apenas escutar. – entregou os talheres para mim. – E Aoi acaba sempre dormindo com o som do piano.

– Se importa de eu fazer uma pergunta? – perguntei enquanto secava os talheres.

– Claro que não. – ela desligou a torneira e secou as mãos na toalha. - Vá em frente.

– Você esta feliz? – Yin não me respondeu de imediato. Ela caminhou até a entrada da cozinha e de lá observou o marido e o filho dormindo juntos no sofá. Seu rosto estava iluminado de felicidade quando ela se virou na minha direção.

– Nunca me senti tão feliz quanto me sinto agora. – segurou as mãos atrás das suas costas. – Às vezes me pergunto se tudo isso não passa de um sonho. – uma pequena lágrima desceu pela sua face, porém ela a limpou rapidamente. – Mas isso é um segredo meu e seu. Hei vai ficar bravo comigo se descobrir.

Pedi para ela se despedir por mim quando os dois acordassem já que eu não queria atrapalhar mais do que já tinha. Caminhei até o carro sentindo o vento frio da noite provocar arrepios por toda a minha pele. Ao entrar no carro me senti mais aliviada. Dei uma última olhada na casa. Mesmo que não voltasse a me encontrar com eles sentia que podia ir para casa sossegada, afinal mesmo que tenha sido só por um dia eu percebi o quanto essa família se ama. Eles não estavam mais sozinhos e isso era tudo o que importava. Estava prestes a ligar o carro quando escutei algumas batidas na minha janela. Claro que levei o maior susto de toda a minha vida e precisei de alguns segundos para me recuperar. Abrir a janela me recusando a olhar nos olhos daquele homem que insistia em me tirar do sério.

– Você realmente ia embora sem se despedir? – perguntou de forma atrevida com uma das mãos encostada no carro servindo de apoio. – Que maldade.

– Olha quem fala. – encarei-o com raiva lembrando da última vez em que o tinha visto em Tóquio. – Posso facilmente adivinhar o número de pessoas que o conheceram e o viram desaparecer sem receber qualquer tipo de adeus. – apoiei os braços sobre o volante. – Antes de falar dos outros faça o favor de se olhar no espelho.

– É mais rancorosa do que eu pensava. – trinquei os dentes. – Mas tem razão. Eu nunca me preocupei com despedidas. – nossos olhos se encontraram. – Acreditaria em mim se eu dissesse que detesto despedidas? – perguntei-me o que ele queria dizer com isso e o que exatamente esperava que eu respondesse. Será que esta era a sua forma de se abrir comigo? Não. Isso era impossível.

– Quem neste mundo gosta de despedidas? – coloquei o cinto de segurança. – Volte logo para dentro antes que a noite te congele. – ele se afastou um pouco do carro.

– Até mais, Misaki. – ouvi-lo dizer o meu nome fez com que o meu coração batesse mais rápido por mero reflexo. Nunca esperei que um dia ele fosse me chamar pelo primeiro nome.

– Li-kun.

– O que foi?

– Você esta feliz? – sua expressão mostrou o quanto ele ficou surpreso com aquela pergunta, porém logo a sua surpresa virou algo que não consegui descrever em apenas uma palavra. Parecia ser uma mistura de felicidade e vergonha.

– É tão óbvio assim? – perguntou-me com um lindo sorriso.

– Claro é! – exclamei arrumando o meu cabelo tentando disfarçar o meu nervosismo. – Quem diria que eu estaria viva para vê-lo feliz assim? – rir de mim mesma. – Mas sabe o que eu acho? Você e ela merecem essa felicidade mais do que qualquer um, por isso... Sorria.

– Você realmente é uma mulher estranha.

– Vou aceitar isso como um elogio. – liguei o carro. – Até, contratante. – e acelerei.


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Notas finais do capítulo

E terminou definitivamente a fic! Espero que tenham gostado! Do fundo do meu coração!
Agradeço a todos pelo seu carinho por terem lido e acompanhado essa fic.
Milhões de abraços e beijos para todos vocês!
Nós vemos em um próximo oportunidade!



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