O som delicado do piano de calda branco ecoava por todo o ambiente, a medida que meus dedos tocavam as teclas, na já conhecida composição suave. Era um movimento completamente involuntário. Todas as vezes que tinha um tempo sobrando para conseguir respirar fundo e tocar um pouco de piano, a melodia saia como se fosse de vontade própria, segundos antes daquela estranha e já familiar sensação de saudades.

Saudades de algo que nunca vivi.

Não fui eu quem compôs a melodia. Duvidava um pouco que tivesse tamanha capacidade para imaginar algo tão lindo e suave quanto e, ao mesmo tempo, nunca havia ouvido ninguém toca-la. Ninguém pessoalmente, pelo menos.

Em meus sonhos, quase todas as noites os mesmos, via um homem de cabelos da mesma cor que os meus, sentado em um maravilhoso piano preto reluzente, em uma sala perfeitamente decorada. Ao seu lado, sempre sentada uma mulher de cabelos escuros e cacheados, que apenas o observava, quanto este tocava as notas que eu já conhecia até o final. E então ambos percebiam a minha presença ali, escondida atrás de um pilar e me chamavam para que me juntasse à eles. Costumava acordar exatamente no momento em que a mulher virava-se para mim, impedindo-me de ver seu rosto, tal como o do homem.

Era, no mínimo, estranho meu sonho. Parecia tão real... Como uma memória distante, a muito perdida.

"Mamãe?" A voz doce e suave de uma criança tirou-me dos meus breves devaneios, fazendo-me parar entre uma nota e outra e me virar para trás.

Ali, de pé, com um pijama que mais parecia um macacão de bebê com diversos desenhos infantis espalhados e coçando o olhinho direito, estava o meu filho.

Sim, eu era mãe solteira. E sim, eu tive meu filho no primeiro ano da faculdade, há dois anos e meio atrás.

Matthew nasceu de um relacionamento que mantinha desde meu último ano no colégio. Nathan - o pai imprestável e irresponsável - e eu passamos na mesma universidade e decidimos morar juntos.

Minha mãe surtou, é claro, dizendo que isso nunca daria certo, pelo fato dele ser apenas um humano e ser muita coisa para mim. Ela e meu tio fizeram uma aposta, dizendo que não passaria de um ano essa nossa relação e adivinhem... Durou um pouco mais de dois meses.

Mães devem ter algum tipo de bola de cristal ou poder magico ou algo do tipo. Espero também desenvolver esse poder, porque né, até agora nada.

De qualquer forma, Nathan e eu terminamos quando ele descobriu que estava grávida. Sumiu do mapa por alguns meses e voltou quando Matthew tinha dois meses, alegando que iria arcar com as consequências. Pirado, apenas.

Hoje nós dois só nos falamos por causa do meu bebê. Sim, meu bebê. Eu cuido dele praticamente sozinha. Nathan acha que ser pai é apenas pagar algumas coisas para Matt e busca-lo aos domingos a tarde para almoçar e devolve-lo duas horas depois. Iludido.

"Não deveria estar dormindo, pequeno?" Ergui a sobrancelha, enquanto esticava as mãos em sua direção.

Meu filho praticamente pulou no meu colo, antes de me encarar com aqueles lindos olhos verdes claros. Herdou do pai a única coisa útil que ele tinha.

"Acordei. E ouvi a música." Explicou, ajeitando-se em meus braços. "Pode tocar com a mamãe?" Perguntou por fim, fazendo-me sorrir.

Matthew era tão apaixonado por piano quanto eu.

"Está tarde meu amor. Talvez amanhã eu toque com você, tudo bem? Agora está na hora de irmos para a cama"

Ou ele ir para a cama e eu ir para a bagunça. Não espera, sou uma mãe responsável. Sou uma mãe responsável... De apenas 20 anos... Ou 10, decida o que quiser.

"Sem sono, mamãe." Ele fez aquele enorme bico o qual eu tenho uma vontade imensa de aperta-lo e não soltar mais.

"Você dorme comigo então." Disse, antes de me levantar de onde estava sentada.

O jeito era terminar a noite como mãe mesmo.