Todos, todos, todos. Todos dormem.

Sou o único acordado? Porque eles dormem? Não sabem o grande perigo que eu represento?

Vivemos todos juntos, mas ao mesmo tempo, tão separados. Aquela putaria de sempre. Eu odeio isso.

“Foi trocado, não foi? Você foi trocado. Substituído, jogado fora.” Não diga de novo, isso ecoa na minha cabeça.

“Que adianta sua música? Grite, você pode gritar. Ninguém te ouve.” Cale a boca, maldição. Sua voz me irrita.

Ah, Meiko. Eu queria poder voltar. Quando éramos só eu e você. As grandes estrelas, e o único par. Agora tem... Eles. São tantos, são incontáveis. E são cada vez mais perfeitos.

Eu não fiquei louco, isso é impossível. Será? Desde que ela chegou. Depois, vieram vários. A grande estrela, Hatsune Miku. Todo esse show para essa garota. Garota mimada, de 16 anos. Nunca aprendeu, nunca. Só um rosto bonito com uma voz agradável. E eu, que tive que me virar sem ninguém?

Mas ah... Quem eu estou tentando enganar? Todos, todos sabem. E quem não sabe, desconfia. Eu sou incondicionalmente apaixonado por ela. Todas as partes do meu corpo clamam pelo corpo dela. Pelo rosto, pela voz. Ela é perfeita, por isso é a grande estrela.

Não importa a loucura dos outros. Podem me fazer cantar aquelas merdas, podem me fazer viver no puro caos. Os fãs, loucos. Essas músicas. Eu me vestindo de mulher, eu fazendo todo tipo de coisa. Olho a situação que me colocam... Desagradável. Na verdade, quase vomito, todos os dias. Mas eles são os loucos, não eu.

Agora, amanheceu.

“Dormiu bem, Kaito?” ela disse, enquanto destrancava minha porta. Eu dormiria melhor com você.

“Não. Não dormi, na verdade”. A minha voz saía lenta, apesar da minha vontade de demonstrar firmeza. Mas eu sei. Perto dela, tudo funcionava errado. Não lembrava nem como respirar.

“Uma pena. Quer que eu te traga o café na cama?” Não. Quero que você durma na minha cama. Aqui. Agora. Vem logo, tem espaço.

“Quero, obrigado.” Droga de boas maneiras. Para que diabos elas servem? Só me deixam puto com a vida.

Ah, droga. Porque você tem que fazer isso comigo, Miku? Sair rebolando, com esse pijama curto. Eu te odeio, às vezes.

Gumi passou pelo meu quarto. Esboçou um sorriso cansado, como se desejasse “bom dia”. Balancei a cabeça, por educação.

Tem tantas meninas bonitas aqui, por que eu tive que me apaixonar justo por ela? Tenho Gumi, Luka, Meiko, Rin... Todas aos meus pés. Eu poderia fazer um harém aqui. E se eu cansasse delas, ainda teria os meninos. Não importa se eles se dizem hétero, ninguém liga para essas merdas aqui dentro. Ou, pelo menos, não comigo.

Consegui me levantar, mesmo que todos os meus músculos doessem. Andei até a sala. Peguei bem na hora: aquele puto, olhando para ela. Não olha. Ela é minha, só minha, Gakupo.

Ah, Miku. Eu faria tudo por você. Você não poderia fazer só uma coisa por mim? Seja minha. Só isso que eu te peço.

“Aqui... Está pronto Kaito. Não vai voltar para a cama?” ela apareceu na minha frente, com a bandeja nas mãos. Nossa. Até os dedos dela, perfeitos.

“Volto. Você vai ficar comigo?”

“Na verdade... Eu e o Gakupo estamos assistindo um filme. Venha para cá quando você terminar, pode ser?” Não, não pode ser. Mas eu não ousaria te contrariar.

Comecei a comer em silêncio. Mas voltou. Aquela voz irritante, falando.

“Inútil. Quem liga para você agora?” Me deixe em paz, inferno.

“Paz? Você sequer sabe o que é isso? Você é um rapaz perturbado, Kaito. Não merece estar aqui. Não merece sequer respirar o mesmo ar que ela.” Eu sei que não mereço. Mas respiro. Ela não reclama.

“Ela tem dó de você. Tem pena. Nunca chegará perto dela, por mais que você a ame. Ela sabe disso, e você também.” Não me importo se ela não for minha. Desde que ela não seja de outro.

“De outro? Ela já é. Sempre foi. E você sabe de quem.” Mentira. Ela nunca faria isso comigo.

“Já fez. Você perdeu, só não viu ainda.”

Não, não perdi. Eu não perco. Não ela. Posso perder tudo, mas não ela.

~~

Noite. De novo, trancado nesse quarto. Mas dessa vez, eles tem que ter trancado bem. Ora, não. Só um grampo. Resolveu, estou livre. Uma pena para eles.

Eu não queria fazer isso. Não queria, não queria mesmo. Essa faca pesa mais do que dois universos juntos, um em cima do outro.

Ah, Miku, por que logo hoje? Você sempre dorme com a sua porta trancada, por que logo hoje foi deixar destrancada? Isso me obriga a entrar.

Não, não. Eu odeio ver esse seu rosto angelical, dormindo. Me faz lembrar o quanto você é anjo e o quanto eu sou demônio.

Até o seu sangue. Suas lágrimas. Seu pavor, que exala. Não olha para mim assim. Você nem sabe por que eu faço isso. A culpa é sua, sabe? Eu queria que você nem existisse, para ser sincero. Só trouxe problema. Uma pena todo esse seu charme ter atraído um doente como eu.

Pare de chorar, isso dói mais em mim do que em você, tenha certeza.

O grito. Cessou. As lágrimas também. E agora?

“É sua vez.” Minha vez de quê? Pensei que você já estivesse morta, ou algo do tipo, voz demoníaca.

“Eu morro. Quer me matar?” Pergunta idiota. Quero, quero sim. Só me diz como.

“Você morre também.” Mas já? Ah, entendi. Uma pena. Não vou ter tempo de me arrepender e tentar ir para o mesmo lugar que ela vai. Separados, mesmo depois de mortos. Sempre, sempre separados.

Fiz o que tive de fazer. Só sinto frio. Não tenho forças para demonstrar a dor.

Mas está bem. Pelo menos, minha última visão será ela. Antes de morrer, podemos ficar juntos, só eu e ela.