“Eu nunca me esquecerei de ti.”

Um arrepio fininho subiu pela espinha de Rachel. Mas era um daqueles arrepios que em nada se pareciam com uma boa sensação, pelo contrario. Quem quer que fosse que lhe estava a enviar mensagens, estava perto o suficiente para saber o que se passava na sua vida. A última ela tinha ignorado, mas esta despertou-lhe algum medo. Guardou o telefone no bolso, e manteve-se ali.

O cheiro a fumo e a queimado parecia entranhado nas paredes escuras daquele enorme espaço onde já tinha sido tão feliz. Era impossível para ela deparar-se com aquela destruição e não sentir os olhos arderem com as lágrimas constantes. Passaram-lhe tantas recordações pela memória, tantas que era difícil distinguir o que tinha sido real daquilo que ela tinha planeado viver futuramente. Quinn tinha saído do hospital no dia anterior. Era de manhã, quando Rachel desceu até ao restaurante a loira ainda dormia. No dia anterior, quando chegara aquela casa que não reconhecia, embora com uma atitude mais calma continuava a ser portadora de uma postura revoltada. Rachel cedeu-lhe o quarto e dormiu no quarto de hóspedes, Santana recusou-se piamente em ficar no apartamento, alegando que Quinn tinha de “acordar para a vida e perceber que todos estão a fazer um esforço”. Rachel deixou-lhe toalhas limpas na casa de banho e retirou algumas coisas suas do quarto de vestir para não ter de lá ir incomodá-la. O que a morena não viu, foi que Quinn utilizou um dos lençóis que encontrou numa gaveta para cobrir o quadro com a foto de Rachel que ela própria tinha exigido que ficasse lá. Rachel também não a ouviu chorar de noite, nem os muitos insultos que ela divagou. Não pretendia demorar muito, tinha descido ao restaurante para se encontrar com o agente do seguro que tinha pedido uma reunião com ela para lhe comunicar o que tinham dito os peritos acerca da causa do acidente e se cobriam ou não os custos, mas depois do agente abandonar o local, Rachel continuou ali, parada, a processar toda a informação que tinha recebido.

– Imaginei que estavas aqui. – disse Santana enquanto pousava as mãos em cima dos ombros de Rachel. A morena virou a cabeça, sem movimentar o corpo, sorriu com tristeza a olhar para Santana e recostou-se naquele aperto. A latina tinha deixado cair todas as suas armas de arremesso desde que tudo tinha acontecido, e esteve sempre do lado de Rachel. Após a mais baixinha se recostar, a latina envolveu-a com os braços. – Deu-te muito trabalho?

– Meteu-se no quarto quando chegou, até agora.

– Não comeu?

– Acreditas que estive para lhe deixar o tabuleiro à porta?! Mas parecia que estava a dar de comer a um prisioneiro. – respirou fundo. – Deixei que ela tivesse a iniciativa de sair do quarto para comer, mas aparentemente não saiu nem quando eu me deitei.

– Há de comer.

– Já deve ter ido fazê-lo. Eu saí de casa há quase duas horas.

– Demorou assim tanto tempo a reunião?

– Um bocadinho. Mas depois eu fiquei aqui...- Rachel fez uma pausa e continuou. – Acreditas nisto? – disse enquanto fazia um movimento com a cabeça para o local destruído. Santana depositou-lhe um beijo na nuca e voltou-a para ela.

– O que disse o seguro? – contrariamente ao que a latina estava à espera, Rachel baixou a cabeça e fechou os olhos com muita força antes de responder.

– Não pagam.

– Como? – disse Santana perplexa. – Como assim, não pagam? Têm de pagar...

– Não pagam porque a perícia disse que foi negligência. Parece que alguém não desligou o bico do fogão.

– Segundo o Mass, a Judy estava perto do fogão e a explosão veio da cozinha. Ele diz que sobreviveu porque tinha vindo à recepção buscar uma caneta porque a do fornecedor falhou.

– Como é que ele está? Eu ainda não consegui ir vê-lo esta semana. Tem sido uma semana de loucos.

– Os teus pais ligam-lhe todos os dias, a Britt e o Kurt foram lá ontem. Eu liguei-lhe ontem, ele sabe que a Quinn vinha para casa hoje. Disse que gostava muito de a ver, mas não se sente preparado para não ser reconhecido por ela. Diz que é demasiada coisa ao mesmo tempo. Falou-me de ti.

– Do quê?

– Que tu és uma das pessoas mais fortes que ele conheceu na vida, e olha que ele conheceu muita gente.

– Tenho mesmo de lá ir vê-lo. E percebo que ele não tenha forças para enfrentar a amnésia da Quinn para já. Foi tudo ao mesmo tempo.

– Foi tudo ao mesmo tempo para todos.

– Ele também perdeu muita coisa, Santana.

– Eu sei. E ainda por cima esta história do restaurante...

– Eu pago. Eu vou meter este restaurante de pé.

– Como assim? Do teu bolso?

– Sim. E vou-lhe mudar o nome. – disse a morena decidida.

– Rachel, eu sei que a Quinn perdeu a memória, mas este restaurante... – Rachel interrompeu-a.

–Eu sei Santana. Mas não é por isso. Eu vou remodelar isto tudo. A cozinha vai ser no extremo oposto, o salão vai ser do lado onde era a cozinha. Ele vai ficar irreconhecível. Mas vai-se chamar Love Judy. – Santana sentiu as lágrimas a subirem-lhe aos olhos. O coração de Rachel conseguia transcende-la. – E o Mass vai voltar... tudo a seu tempo.

– Sabes que me tens aqui sempre, não sabes? – disse a latina com calma.

– Sei que não imagino o que seria de mim se não estivesses aqui ao pé de mim. Nem sei como um dia te vou agradecer isto. – respondeu Rachel enquanto dava um passo em frente para abraçar Santana.

– Não sejas parva! Nem te admito que digas isso.

– A Mercedes ligou ontem a dizer que eles estão todos a dar conta do recado na academia. Que o Sam está a safar-se muito bem no estúdio... – de repente, Rachel lembrou-se que tinha de comentar com Santana outro problema. – Ah! Tenho de te contar... já me ia esquecendo. Recebi mais mensagens. – Santana abriu os olhos chateada.

– Recebeste mais mensagens? Quando? Porque é que não me disseste?

– Estou a dizer agora. Recebi uma no outro dia no hospital, e recebi outra há bocado antes de chegares.

– E o que dizem? – Rachel mostrou o telefone a Santana e ela leu. – Isto é alguém que sabe da tua situação.

– Sim, essa última é demasiado clara.

– Merda! De amanhã não passa. – diz a latina furiosa.

– O quê?

– Eu estou a resolver essa situação, mas não tenho tido muitas noticias. Amanhã vou mudar de método. Não fiz nada porque com isto tudo, isso ficou para segundo plano e eu achei que podia esperar porque não tinhas recebido mais. Mas amanhã vou-me dedicar a isso e vou ver se ainda esta semana sei quem é a criatura que te envia essas mensagens. Quanto a ti... – disse apontando o dedo chateada. – Como recebas mais mensagens e não me avises imediatamente, vamos ter um problema. E tu não queres ter um problema comigo! – Rachel sorriu.

– Certo. – e bateu continência.

As duas amigas subiram para o apartamento de Quinn e Rachel, e quando entraram Quinn estava sentada no sofá com um prato de bacon e ovos mexidos.

– Afinal tens apetite. – disse a latina sem a cumprimentar.

– Deixa-me em paz. – respondeu Quinn enquanto olhava para a televisão e fingia que via o que estava a dar.

– Que bom humor.

– O mesmo que o teu que nem “olá” disseste quando entraste.

– Ah, desculpa! Nunca pensei que ia ferir os teus sentimentos. Afinal com 17 anos o nosso trato era um bocadinho diferente. – disse Santana irónica. Tratar Quinn como uma coitadinha, principalmente com a atitude arrogante que ela tinha adoptado, estava completamente fora de questão para Santana. Rachel às vezes tremia com a postura da latina, mas percebi perfeitamente qual era o objetivo dela.

– Eu já não tenho 17 anos. Tenho 24.- respondeu Quinn enquanto pousava o prato em cima da mesa de centro, se levantava do sofá, metia as mãos na cintura e olhava para Santana. – Não é?! – a latina esboçou um sorriso irónico enquanto Rachel passava por detrás dela e se enfiava na cozinha com uma expressão “sai daí”.

– É. Então vamos lá discutir como abriu a bolsa no dia de hoje. Sabes? Fiz uns investimentos interessantes há dois meses atrás, e todos os dias estou à espera de um momento chave para vender as ações. Será hoje? – Santana disse isto tudo enquanto rodeava o sofá e procurava o comando da televisão. Quando o encontrou, recostou-se no sofá e olhou para Quinn que permanecia de pé. – Não te vais sentar? – a loira sentou-se com uma expressão confusa no rosto.

Na cozinha, Rachel sorriu.

–x-

– A Mercedes, o Sam, o Kurt, o Dave, a Britt e a Santana vêm cá jantar hoje. – Quinn permanecia sentada no sofá. Ali tinha estado o dia inteiro, inclusive quando Santana se tinha ido embora há 5 horas atrás. Rachel esteve o dia todo entre preparar as coisas na cozinha, ir à internet ver receitas, e ganhar coragem para dizer a Quinn que tinham visitas. Não porque ela não reagisse bem, senão porque sabia que ia ser ignorada. E não estava enganada. Tinha-se sentado ao seu lado para lhe dar a informação e tinha pousado o seu telemóvel em cima da mesinha de centro. Ao não receber resposta da parte da loira, pegou no prato e no copo que estavam ao lado do telemóvel e levou-os para a cozinha. Enquanto pousava a loiça no balcão ao lado da pia, ouviu o toque de uma mensagem. Voltou à sala, sentou-se no mesmo sitio e abriu a mensagem.

“O vestido que trazes hoje é perfeito. Deixam ver essas alucinantes pernas. Só de pensar que muito em breve vou tocar nelas...”

Levantou-se tão rápido do sofá que assustou Quinn. Custava-lhe engolir a saliva que estava presa na boca. Aquilo começava a ser preocupante. Apertou o botão de chamada e ligou para Santana enquanto se dirigia para a cozinha. Quinn achou estranho e debruçou-se no sofá para poder acompanhá-la com o olhar.

– Recebi outra. E esta mete medo. – disse Rachel quando a latina atendeu.

– Duas no mesmo dia?! O que dizia a mensagem?

– Santana estou a ficar com medo. – a morena ignorou a pergunta.

– A Britt está a acabar de tomar banho, eu já estou despachada, nós íamos aí ter daqui bocado mas eu vou apressá-la. Reenvia-me isso.

– Sim. Obrigada. – e desligaram. Quinn voltou a sentar-se no sofá normalmente, porque achou que Rachel voltaria à sala. Mas isso não aconteceu. Deixou passar uns minutos e foi à cozinha. Mas a distração de Rachel fez com que a morena se assustasse quando Quinn perguntou:

– O que é que foi isto? – com a sobrancelha franzida.

– Desculpa, assustei-me. – nem teve tempo para ficar feliz por Quinn falar para ela, porque a loira decidiu continuar.

– Vais-me responder?

– Não foi nada de especial. Não te preocupes. Eu já estou a começar o jantar, vamos ver se corre bem, quem cozinha bem aqui não sou eu. – e sorriu com carinho.

– Eu não estou preocupada com nada, só quero saber o que foi porque não gosto que me escondam coisas. – respondeu a loira arrogante. Rachel respirou fundo mas acabou por responder.

– Eu tenho recebido algumas mensagens anónimas. Desde já algum tempo. Entretanto tinham parado mas agora voltavam. Até há pouco tempo eram mensagens “poéticas”, se é que me faço entender, não tinham nenhum conteúdo especifico. Era como alguém a filosofar. Mas entretanto o tom mudou. E desde o acidente que parece que tenho alguém a seguir-me. – Quinn engoliu em seco automaticamente. Não sabia porque é que o seu corpo tinha tido aquela reação completamente involuntária.

– Mas ameaçam-te? – embora estivesse com alguma dificuldade em disfarçar o interesse, Rachel ajudou-a nisso, ignorando aparentemente a preocupação dela. Mas era só aparentemente, porque na realidade estava a ser confortante trocar mais de duas palavras com Quinn depois de tanto tempo. Mesmo que fosse por motivos menos agradáveis.

– Não. Mas dão a entender que me estão a vigiar.

– Como assim?

– Hoje, por exemplo, diziam o que eu trazia vestido. – Quinn revirou os olhos sarcasticamente. – Posso ver isso? – perguntou com o mesmo tom da expressão, mas Rachel percebeu que era uma reação de autodefesa para não demonstrar preocupação. A morena mostrou-lhe todas as mensagens que tinha recebido desde a primeira vez.

Sentiu muita necessidade de lhe falar no episódio da primeira mensagem. Que achava que tinha sido ela a enviar e que lhe tinha mostrado mal tinha lido, mas achou que ia estragar o momento. Quinn leu tudo até ao fim e no final adoptou uma cara séria e chateada. – Essa pessoa sabe que eu perdi a memória.

– Sim, consegue perceber-se pela mensagem desta manhã. – Quinn fixou o olhar num ponto qualquer na cozinha e “hibernou”. Rachel fixou o olhar nela, mas preocupada. – Tu não corres nenhum perigo Quinn. Seja quem for a Santana vai descobrir. – disse enquanto pousava a mão no ombro da loira. Quinn olhou para ela e devolveu-lhe o telemóvel. Depois saiu da cozinha enquanto dizia.

– Eu não estou preocupada.