Entre Céu & Mar escrita por Tassi Turna


Capítulo 25
A volta da filha pródiga


Notas iniciais do capítulo

Olá! Estou muito feliz pelos comentários. É realmente gratificante ver que estão gostando do meu trabalho! Espero que gostem desse capítulo, e continuem comentando!
Boa leitura!



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Você, caro leitor, pode imaginar a surpresa que Evellyn teve ao abrir a porta, e ver sua doce irmã Ágata bêbada e fora de si. Faziam algumas horas da madrugada de sábado, e aquilo parecia um sonho dos mais esquisitos. Charlie estava segurando-a pelo braço, e ela parecia caída de cansaço e de torpor.

–O que diabos aconteceu com ela? –Evellyn perguntou a Charlie, surpresa. Ele a devolveu para os braços da irmã.

–Ao que parece, Ágata foi a uma boate com Sofia. Ela encontrou Alex lá. Ele deu algo para ela beber e ela apagou. Se não fosse por Madison, eu não quero nem imaginar o que poderia ter acontecido!

Evellyn perdeu até mesmo o equilíbrio. Era muito para digerir.

–Madison? Ela está aqui? –Evellyn ficou ainda mais surpresa ao ouvir o nome da amiga. Então Madison salvou Ágata das garras de Alex? Por que ela fez aquilo?

Ela bem sabia que era por sua causa.

–Evellyn? Você está bem? –Charlie parecia preocupado com o devaneio de Evellyn.

–Sim, sim, Charlie. Eu estou bem. Obrigada por trazer minha irmã de volta.

–Por nada. –Ele disse indo embora, confuso com os acontecimentos daquela noite, já prevendo o sermão que levaria quando chegasse em casa.

Evellyn fechou a porta sem fazer barulho, e arrastou a irmã para o seu quarto silenciosamente. Não queria que Kate a visse daquele jeito. Ela já estava acostumada a cuidar de Evellyn, e não seria nem um pouco bom saber que Ágata se encontrava daquela maneira.

Evellyn repousou a irmã em sua cama, e a cobriu. A única coisa que Ágata poderia fazer agora é dormir. Pela manhã, as sequelas da sua ‘noite de folga’ viriam sem dor nem piedade. E agora era vez dela cuidar da irmã.

*****

Ágata acordou com os raios fortes do Sol chicoteando as suas costas. Um enorme peso pendia sobre a sua cabeça, e ela se sentia trancafiada à cama. As lembranças da noite passada pareciam vagas em sua memória, mas não por muito tempo. Evellyn faria questão de lembrar com detalhes a noitada de sua irmã.

–Bom dia, flor do dia. –Disse Evellyn em tom de deboche. –Trouxe o seu café da manhã.

Ágata murmurou algo inteligível antes de levantar a cabeça e dar de cara com a irmã.

–O que você... Ai.... Está fazendo aqui? –Ágata perguntou, levando a mão na cabeça.

–Eu vim cuidar de você. Tome um café bem forte e um banho gelado. Isso passa rápido. –Ela disse, dando a xícara para Ágata.

Ela olhava para Evellyn desconfiada. Aquela cena era inédita.

–O que aconteceu? Eu estou de ressaca? –Ágata perguntou assustada consigo mesma. Evellyn a olhou como se odiasse sua cara de sonsa.

–Sim, você está de ressaca. Fruto da sua noitada com a Sofia. Aliás, que ótima amiga ela é. Se não fosse por Madison e Charlie, você estaria acordando sabe-se-lá-onde, porque, adivinhe só? Você sofreu um boa-noite cinderela, e do traste do Alex ainda por cima! –Evellyn soltou a bomba.

Ágata parecia desnorteada. O que restava da memória da noite passada eram apenas fleches, e agora tudo parecia fazer sentido. Que perigo havia passado! Sabe-se lá o que poderia ter acontecido a ela se não fosse por Madison e... Charlie! Ela havia beijado Charlie! Lembrar disso parecia tão desnecessário naquele momento, mas agora se deu conta da estupidez que fizera. Ela sempre soube dos sentimentos dele, apenas se fez de desentendida. Nunca sentira nada assim por ele, e agora havia lhe beijado. Deu-lhe esperanças. E Anna? Seria verdade o romance entre eles? De tanto Sofia lhe falar ela também passou a suspeitar. Sofia... Ela não estava nem aí para ela. Mas Sofia não importava agora.

–Alex tem que ser punido. –Ela murmurou para si mesma.

–Finalmente algo que ambas concordamos. –Evellyn disse.

Ágata havia se esquecido da presença da irmã ali, sentada do seu lado, com um cuidado maternal muito suspeito.

–O que você está fazendo, afinal de contas? –Ela foi curta e grossa.

–Já disse. Estou cuidando de você.

–Cuidando de mim? Evellyn, você nunca deu a mínima pra mim. Agora é tarde. Seja lá o que você está planejando fingindo assim, ser boazinha, não vai colar comigo. –Ela disse com raiva, rejeitando o café.

–Como quiser Ágata. Se você quer continuar assim, me ignorando nessa casa enorme, pode continuar. Deve ser muito legal mesmo ter o coração cheio de ódio. É igual ao meu. Isso é realmente fantástico. –Evellyn disse irônica. –Mas pelo menos eu tentei, não é? E não se preocupe com Kate. Ela não precisa saber da sua noitada.

Ágata ficou surpresa com o ato da irmã. Aquele era o momento perfeito para ela se vingar, não era? Por que guardar aquilo para si mesma? Como... Como um segredo de amigas?

–Por quê? Pensei que iria adorar me ver de castigo. Eu iria contar para Kate o mais rápido possível.

Evellyn deveria se sentir ofendida pela ‘sinceridade’ da irmã, mas não. Ela apenas riu.

–Eu sei bem disso. Mas não estou fazendo isso por você. Estou fazendo por Kate. Não quero vê-la desapontada. Você nunca olhou para ela quando está desapontada. É de partir o coração. –Evellyn disse por fim, fechando a porta do quarto devagar.

–Descanse bastante. –Ela se despediu da irmã.

Ágata sabia o que ela estava querendo fazer. E não iria jogar o seu joguinho.

–Evellyn? –Ela chamou mais uma vez. –Preciso fazer uma pergunta.

–Faça. A essa altura eu sou mesmo um livro aberto.

–Você e Erick... Você sabe. Transaram?

A pergunta insólita de Ágata a pegou de surpresa.

–Claro que não! –Evellyn respondeu imediatamente com cara de nojo, omitindo o fato de ter pensado e até chegado a sonhar diversas vezes com isso. –Ao contrário do que você pensa, Erick gosta mesmo de você. Não me pergunte por que. Também não entendo. As únicas vezes que nos beijamos, eu que tomei a iniciativa. Ele tentou terminar com isso. Certa vez me confundiu com você. Não ligo se você ficar com mais raiva de mim depois disso. Não será novidade. Só não seja injusta com ele. Acho que vocês dois merecem a felicidade que eu nunca poderei ter com Hank.

E assim Evellyn saiu do quarto deixando Ágata sozinha com aquelas palavras, sem saber se podia acreditar nelas ou não. Foi então que se lembrou de mais uma coisa daquela noite.

Imediatamente pegou a sua bolsa e encontrou ali a droga que tinha como plano de incriminar Evellyn. Mas depois daquelas palavras, não iria conseguir. Ágata havia aprendido com Hamlet e O conde de monte cristo que vingança é o caminho mais destruidor que alguém pode seguir. E a pessoa a ser incriminada não era Evellyn. Era Alex. Ela colocaria um fim a todo sofrimento que aquele monstro proporcionou. Livraria Madison também. Ela havia a salvado, afinal de contas. Devia isso a ela.

Mas é claro que ela não poderia bancar a heroína presa àquela cama. Seguindo o conselho da irmã, Ágata entrou debaixo da água fria, que finalmente a despertou. Trocou de roupa rapidamente e pegou a bolsa junto com a droga. Era o bastante para incriminá-lo. Ela tinha testemunhas também. Havia Madison, e o barman que vira tudo também poderia ajudar. A julgar pela sua reação ao ver Alex, ele também não deve ser seu amigo. O importante era que Alex não podia ficar mais um minuto sequer solto.

–Ei, aonde vai com tanta pressa assim, hein Ágata saideira? –Kate perguntou curiosa. –Você nem me contou sobre a noite passada.

–Eu... Preciso resolver uma coisa. Algo que eu devo a Madison. –Ágata disse, olhando para Evellyn. E por incrível que pareça as duas trocaram um sorriso.

–Madison? Mas vocês nunca foram... –Kate não entendia nada e Ágata já havia saído.

–Eu sei que é estúpido lhe perguntar isso, mas Ágata lhe contou algo sobre a noite passada? –Kate perguntou a Evellyn.

–Kate. Ágata está aqui. Ela sobreviveu ao mundo lá fora. Ela é bem mais forte do que pensávamos. –Foi só o que ela disse, mantendo a promessa de não contar nada a Kate.

*****

Era estranho para Ágata estar de volta à delegacia. A última vez que esteve ali foi para mais uma vez dar o seu depoimento sobre a morte dos seus pais. Fez o esforço máximo para não lembrar daquilo. Ela tinha uma missão.

–Senhorita Baker? O que faz aqui? –Uma policial que parecia simpática lhe atendeu, surpresa.

–Vim prestar uma queixa a Alex Clavell. –Ela foi direto ao assunto.

O rosto da policial logo mudou de semblante. De alguma forma o nome de Alex não parecia inédito para ela.

–Queixa do que, exatamente?

–Tráfico de drogas, tentativa de sequestro e tentativa de estupro. Bom, isso é o que eu sei, mas tenho algumas testemunhas que na certa sabem de mais coisas do que eu.

A policial parecia chocada.

–Ele fez isso com você? –Ela parecia preocupada.

Com a expressão triste, Ágata concordou com a cabeça.

–E poderia ter acontecido algo pior, se meu amigo Charlie não tivesse aparecido. Olha, ele me ofereceu isso aqui. –Ela disse, mostrando a droga. –Eu achei melhor entregar. Ele disse que havia muito mais de onde essa veio. E me deu o cartão dele. –Ela deixou o cartão sob a droga.

A policial pegou todas as ‘provas ‘ que ela tinha.

–Você foi muito corajosa por ter vindo aqui, Ágata. O que você fez foi arriscado.

–Eu sei. Apenas o prendam, sim? Não quero que ele faça mais vítimas.

–Faremos isso. Agora temos um mandato de busca para ele, e graças ao seu cartão será fácil localizá-lo. A polícia tem uma dívida com você.

Uma dívida. Não era novidade a polícia ter uma dívida com elas. E pelo jeito que andavam as investigações sobre o assassinato de seus pais, a polícia era uma mal pagadora.

–Então paguem essa dívida achando o verdadeiro assassino dos meus pais. –Ela disse por fim, levantando-se para sair dali o mais rápido possível.

*****

Ágata deixou a delegacia e parecia ter deixado para trás um peso nas costas também. A julgar pelo seu comportamento nos últimos dias, aquela era a primeira coisa boa que fez durante muitos dias. Algum feito bom. Isso a fez lembrar-se do trabalho comunitário no hospital. Também havia esquecido aquelas crianças que tanto a adoravam. A sensação não era boa. É como se tivesse esquecido quem realmente ela era.

Kate tinha razão, mas isso não era novidade. Kate sempre era a voz da razão naquela casa.

Antes de voltar para casa, ela decidiu passar no hospital. Estava sentindo falta das crianças. E ao que parecia elas também sentiam sua falta, pois a receberam eufóricos.

–Sentimos sua falta, tia Ágata. –Elas disseram em coro.

–Também senti, crianças. –Ela disse abraçando cada um.

–Todos nós sentimos. –Stella apareceu na sala de repente.

Ágata olhou para ela e foi impossível não se lembrar de Erick.

–Oi Stella. –Ela disse com a voz triste.

–Olá, Ágata. –Ela a saudou também, mas era estranho conversar com ela novamente. –Você sumiu.

–Pois é. Eu andei um pouco... perdida. –Ágata disse e realmente era verdade.

–Entendo. Eu sinto muito pelo que aconteceu entre você e o meu filho.

Do jeito que ela fala até parece que foi um acidente.

–Pois é. Então, alguma novidade por aqui? –Ágata mudou de assunto.

–Ah sim. Temos uma nova paciente por aqui. Ela ainda está se recuperando. –Stella apontou para uma garotinha morena deitada numa cama. Uma parte do seu rosto era angelicalmente limpa, mas a outra parte revelava a natureza da destruição que a trouxe ali.

–Ela foi a única sobrevivente no incêndio na casa dela. Infelizmente o fogo consumiu uma parte do seu rosto e a visão dela foi prejudicada. –Stella explicava com dor no coração.

Uma órfã. Ágata entendia o seu sofrimento. Claro que a história da pequena garotinha era muito mais triste que a dela. Mas mesmo assim, ela sabia como era se sentir sozinha.

–Qual é o nome dela? –Ágata quis saber.

–É Bianca.

–Acho que vou até ela. Ler uma história, quem sabe. –Ágata se sentiu atraída pela história da pequena Bia.

Stella sorriu de emoção, e seus olhos brilhavam cheios de esperança.

–Muito obrigada, Ágata. Desde que ela chegou aqui ninguém quis se aproximar dela. Talvez pela aparência. –Stella disse, tendo cuidado para abaixar a voz na última frase.

Ágata sentou-se perto de Bianca, e esta logo percebeu sua presença.

–Quem está aí? –Ela disse. Sua voz era incrivelmente inocente e triste.

–Meu nome é Ágata. Sou voluntária aqui.

–Todo mundo fala sobre você aqui. Prazer em conhecê-la, tia Ágata. Pode me chamar de Bia. –Ela disse.

–É um prazer conhecê-la também.

–Tia Ágata? Pode ler para mim? É que eu ainda estou aprendendo a ler em braile... –Ela disse com a voz triste. Deve ser muito triste mesmo a sensação de não poder ler.

–Claro. O que você quer que eu leia?

Ela pegou um livro que estava sob a mesinha com o lanche. O livro estava um pouco chamuscado nas postas.

–Foi a única coisa que eu consegui recuperar. É uma história que minha mãe gostava de ler para mim.

Ágata leu o título. “Um desejo e dois irmãos”. Ela nunca tinha ouvido falar daquele. Mas começou a lê-lo mesmo assim.

Dois príncipes, um louro, e um moreno. Irmãos, mas os olhos de um azuis, e os do outro verdes. E tão diferentes nos gostos e nos sorrisos, que ninguém os diria filhos do mesmo pai, rei que igualmente os amava.

Uma coisa porém tinham em comum: cada um deles queria ser o outro. Nos jogos, nas poses, diante do espelho, tudo o que um queria era aquilo que o outro tinha. E de alma sempre cravada nesse desejo insatisfeito, esqueciam-se de olhar para si, de serem felizes.

Sofria o pai com o sofrimento dos filhos. Querendo ajudá-los, pensou um dia que melhor seria dividir o reino, para que não viessem a lutar depois da sua morte. De tudo o que tinha, deu o céu para seu filho louro, que governasse junto ao sol brilhante como seus cabelos. E entregou-lhe pelas rédeas um cavalo alado. Ao moreno coube o verde mar, reflexo de seus olhos. E um cavalo marinho.

O primeiro filho montou na garupa lisa, entre as asas brancas. O segundo filho firmou-se nas costas ásperas do hipocampo. A cada um, seu reino. Mas as pernas que roçavam em plumas esporearam o cavalo para baixo, em direção às cristas das ondas. E os joelhos que apertavam os flancos molhados ordenaram que subisse, junto à tona.

Do ar, o príncipe das nuvens olhou através do seu reflexo, procurando a figura do irmão nas profundezas.

Da água, o jovem senhor das vagas quebrou com seu olhar a lâmina da superfície procurando a silhueta do irmão.

O de cima sentiu calor, e desejou ter o mar para si, certo de que nada o faria mais feliz do que mergulhar no seu frescor.

O de baixo sentiu frio, e quis possuir o céu, certo de que nada o faria mais feliz do que voar na sua mornança.

Então emergiu o focinho do cavalo marinho e molharam-se as patas do cavalo alado.

Soprando entre as mãos em concha os dois irmãos lançaram seu desafio. Alinhariam os cavalos na beira da areia e partiriam para a linha do horizonte. Quem chegasse primeiro ficaria com o reino do outro.

– A corrida será longa, – pensou o primeiro. E fez uma carruagem de nuvens que atrelou ao seu cavalo.
– Demoraremos a chegar, – pensou o segundo. E prendeu com algas uma carruagem de espumas nas costas do hipocampo.

Partiram juntos. Silêncio na água. No ar, relinchos e voltear de plumas. Longe, a linha de chegada dividindo os dois reinos.

Os raios de sol passavam pela carruagem de nuvens e desciam até a carruagem de espumas. Durante todo o dia acompanharam a corrida. Depois brilhou a lua, a leve sombra de um cobriu o outro de norte mais profunda.

E quando o sol outra vez trouxe sua luz,surpreendeu-se de ver o cavalo alado exatamente acima do cavalo marinho. Tão acima como se, desde a partida, não tivessem saído do lugar.

Galopava o tempo, veloz como os irmãos.

Mas a linha do horizonte continuava igualmente distante. O sol chegava até ela. A lua chegava até ela. Até os albatrozes pareciam alcançá-la no seu vôo. Só os dois irmãos não conseguiam se aproximar.

De tanto correr já se esgarçavam as nuvens da carruagem alada, e a espuma da carruagem marinha desfazia-se em ondas. Mas os dois irmãos não desistiam, porque nessa segunda coisa também eram iguais, no desejo de vencer.

Até que a linha do horizonte teve pena.

E devagar, sem deixar perceber, foi chegando perto.

A linha chegou perto. E chegou perto. Baixou seu vôo o cavalo alado, quase tocando o reflexo. Aflorou o cavalo marinho entre marolas. As plumas, espumas se tocaram. Céu e mar cada vez mais próximos confundiram seus azuis, igualaram suas transparências. E as asas brancas do cavalo alado, pesadas de sal, entregaram-se à água, a crina branca roçando já o pescoço do hipocampo. Desfez-se a carruagem de nuvens na crista da última onda. Onda que inchou, rolou, envolvendo os irmãos num mesmo abraço, jogando um corpo contra o outro, juntando para sempre aquilo que era tão separado.

Desliza a onda sobre a areia, depositando o vencedor. Na branca praia do horizonte, onde tudo se encontra, avança agora um único príncipe, dono do céu e do mar. De olhos e cabelos castanhos, feliz enfim.”

Quando a narrativa de Ágata teve o seu fim, ela ficou em silêncio por um tempo, olhando a linha do horizonte refletindo sobre a história que acabara de ler. História esta que parecia ter sido escrita especialmente para ela e a irmã. A diferença entre os dois irmãos, a discórdia, o pai (que no caso se parecia muitíssimo com Kate) que se entristecia com as brigas dos irmãos, e que dividiu o reino (ou no seu caso, a empresa) para não haver mais brigas. A competição entre os dois. Era incrível como algumas palavras ficam tão marcadas dentro de nós.

–Você é uma ótima contadora de histórias. –Bianca a despertou de suas meditações. –Eu poderia jurar que você estava participando da história.

–É eu acho que participei de uma forma ou de outra. –Disse Ágata, ainda pensativa.

–Obrigada por ler para mim. Acho que você a primeira pessoa que conversou comigo normalmente aqui. –Ela parecia taciturna.

Ágata olhou para a menina ao seu lado cheia de compaixão. Levantou-se e deu um beijo em sua testa.

–Obrigada você, Bia, por ter aberto os meus olhos.

Ironicamente, uma menina cega havia a ajudado a enxergar a vida com outros olhos. E ela nunca havia enxergado tão bem.

*****

Longe dali e de toda a beleza daquela cena, Trina se encontrava com Jeferson, seu detetive particular, mais uma vez. Depois de tantos meses sem resposta alguma, ela estava quase desistindo. Mas conhecia Jeferson muito bem, e quando ele desaparecia assim é que entrava com afinco em seu serviço e nunca falhava.

Os meses parados lhe deram tempo de sobra para pensar na ameaça que fizera a Evellyn. Foi um ato insano e estúpido, com toda a certeza. Agora Evellyn nunca mais confiaria nela. E para completar, as fotos haviam sumido para sempre e sabe-se lá em que mãos elas poderiam ter caído. Mas se Jeferson a ajudasse mesmo talvez algum dia Evellyn recuperasse a confiança nela.

–Pensei que havia me abandonado. –Trina disse a Jeferson com um sorriso malicioso e uma voz manhosa. Ele adorava isso e ela sabia.

– Quem é vivo sempre aparece. –Ele disse.

–Espero que esteja trazendo boas novas. –Trina disse, e algo na sua voz revelava impaciência.

–Minha descoberta é uma boa nova sim. Eu sei onde Connor está. –Ele disse casualmente.

Os olhos de Trina brilharam de puro êxtase. Enfim! Enfim o acharam! Todas as suspeitas sobre ela seriam encerradas. Se Connor fosse pego, então pegariam o mandante de tudo isso. O verdadeiro culpado.

–Onde ele está? Você precisa me dizer! Como descobriu isso? Onde estão as provas? Eu preciso ir à delegacia para revelar isso!

–Vamos com calma, Trina. Sempre impaciente, não é? Como eu efetuei minha descoberta não é necessário discutir. O importante a dizer é que minhas fontes nos leva à Escócia, numa propriedade rica da família dele.

–Eu sabia! Sabia! Connor sempre adorou a Escócia. –Ela disse, e mal se continha na cadeira daquele restaurante. Queria ir atrás de Connor agora mesmo.

–Entretanto, eu ainda preciso comprovar isso. Ele pode estar saindo de lá. E sabe, eu sempre quis conhecer a Escócia. Porém, o preço da viagem nunca me foi acessível...

Trina já havia entendido o recado. Imediatamente pegou a sua bolsa e tirou de lá um pacote bem recheado de notas, depositando-o sob a mesa.

–Eu sei que o seu serviço tem um preço, Jeferson. Embora que apesar de lhe pagar qualquer quantia, eu serei eternamente grata por tirar esse peso de minhas costas.

Ele pegou a quantia em dinheiro e colocou-a na mala. Assim que se viu com as mãos livres, pegou a mão de Trina e beijou-a.

–Não me leve a mal, Trina. Amigos, amigos, negócios à parte. Mas saiba que eu sempre terei uma estima muito grande por você. –Ele disse em tom galanteador.

Trina enlaçou suas mãos as dele também, e lançou-lhe um olhar provocante.

–Querido Jeferson, eu sei disso. Também me sinto assim por você.

Um grande silêncio reinou ali, junto com a enorme vontade de terminar aquela conversa em um lugar mais particular.

–Acho que tenho de ir agora. –Jeferson quebrou o silêncio, soltando as mãos de Trina e pegando a mala.

–Sim, vá. E me traga aquelas provas. Tome cuidado, Jeferson. –Ela disse realmente preocupada. Temia que o mandante lhe tirasse mais uma pessoa querida.

–Não se preocupe Trina. Eu sei o que eu estou fazendo. Até a próxima. –Ele disse beijando sua mão pela última vez.

Trina voltou para o seu solitário apartamento contente com a primeira notícia boa em meses. Finalmente aquele pesadelo estava chegando ao fim.

O circo estava se fechando, e todos conheceriam a verdadeira face do assassino.

*****

Ágata chegou a casa e logo foi surpreendida pela presença de Anna. Ela parecia estar lhe esperando há um bom tempo.

–Anna? O que você está fazendo aqui? Eu tentei falar com você...

–Eu sei, eu andei um pouco distante. Eu também preciso falar com você. –Ela disse e parecia preocupada.

As duas subiram para o quarto de Ágata para ter mais privacidade. Anna sentou-se à cama de Ágata com o semblante aflito.

–Onde você estava? –Anna perguntou, a fim de adiar o que tinha a dizer.

–Eu fui ao hospital e hum... à delegacia.

–À delegacia?! –Anna perguntou surpresa. –O que você foi fazer lá?

–Eu fui denunciar Alex. Lembra-se dele?

–Claro, mas denunciar o quê? O que aconteceu?

Ágata respirou fundo antes de começar a narrar sua pequena aventura da noite passada.

–Bom, acredite ou não, mas ontem eu fui à uma boate com Sofia. Encontrei Alex lá. Nós começamos a conversar e ele me ofereceu uma bebida e drogas também. Eu aceitei ambos, mas não usei a droga, eu... –Ela hesitou por um momento e diminuiu o tom de voz. –Eu ia usá-la para incriminar Evellyn, mas me arrependi.

Anna parecia estar perplexa com aquele lado de Ágata que ela não conhecia.

–Ágata, eu não estou te reconhecendo!

–Eu sei, eu errei e agora me deixe continuar. Eu bebi e de repente comecei a perder a consciência. Ele aplicou um boa-noite cinderela em mim! E sabe-se se lá o que poderia ter acontecido se Charlie não tivesse chegado a tempo...

–Charlie? Como ele foi parar nessa confusão? –Anna não estava gostando nada disso.

–Pois é... Acho que Madison conseguiu avisá-lo e ele foi me salvar. E, pra falar a verdade, estou me sentindo culpada pelo que eu fiz...

–O.. o que foi que você fez? –Anna já sentia a ponta do ciúmes surgir. Ela era bem possessiva.

–Eu não estava no juízo perfeito e... e acabei beijando-o. Ele não recuoou. Agora estou com medo do que pode ter significado para ele. Você sabe, ele sempre teve uma paixão por mim e... Anna? Anna?

Anna estava furiosa e soltava fogo pelas narinas. Olhava incrédula para Ágata.

–Isso não está acontecendo... –Ela repetia para si mesma, efetuando uma massagem na cabeça como se precisasse se conter.

–Anna? O que aconteceu?

Anna olhou furiosa para Ágata, impossível de acreditar em uma pessoa tão sonsa.

–O que aconteceu? Aconteceu que você teve todo o tempo do mundo para beijar o Charlie, e escolheu justamente o momento que ele estava te esquecendo para ficar comigo! E o pior de tudo é que deve ser alguma vingançinha boba contra o Erick. Ele tem sentimentos, Ágata! Tanta coisa que nós estávamos passando, e mais essa agora!

Então era verdade. Sofia tinha razão. Agora Ágata percebera a burrice que havia feito.

–Anna, eu não sabia, eu sinto muito. Eu juro que não queria.

–Não sabia? Eu sei que você desconfiava. Sofia vivia fofocando sobre mim. E depois do vídeo constrangedor que ela gravou, todo mundo sabe! Mas você não deve ter percebido porque estava ocupada demais com os problemas do seu mundinho! –Anna explodiu.

–Anna, me desculpe... Eu não sabia de nada. De vídeo nenhum. Eu acho que não fui uma boa amiga, não é? –Ela assumiu envergonhada.

Aos poucos Anna ia recuperando a calma, embora aquela fosse a primeira vez naquela conversa que Anna concordava com ela.

–Eu exagerei também. Você não sabia de nada, então não tem culpa. Mas Charlie...

Ágata sentiu um enorme desconforto ao ver que havia estragado a felicidade dos seus melhores amigos. Julgou tanto Evellyn, mas na verdade ela era igual à irmã.

–Espero que vocês resolvam isso. –Ágata disse completamente envergonhada.

Anna lembrou que Ágata não era a única coisa que impedia seu relacionamento com Charlie dar certo.

–Talvez não. Meu pai nunca vai aceitá-lo. –Anna disse com a voz triste.

–E você vai deixar o seu pai mandar na sua vida para sempre? –Ágata disse com uma independência que jamais pensou que tinha.

Anna ficou a pensar por um momento em suas palavras.

–É você tem razão. –Anna disse levantando-se. –Preciso ir agora, mostrar ao meu pai que ele não pode me controlar mais. –Ela disse, convicta.

*****

É claro que quando Ágata se dirigiu à delegacia, fizera isso com a melhor das intenções. Em sua mente, estava livrando Madison das garras de Alex. Mas não se perguntou se poderia feri-la se a tirasse de repente de suas garras assim. Madison era sim uma de suas vítimas, e talvez a que mais sofreu em suas mãos. Porém, ela não era inocente. Estava envolvida demais com os negócios de Alex.

E foi por essa razão que o pânico tomou conta de todo o seu ser quando um dos ‘funcionários’ de Alex lhe avisou que a polícia estava vindo.

–É o fim da linha para todos nós. –Alex anunciou para todos.

Mas Madison não ia desistir ali. Não serviria Alex cegamente como vinha fazendo. Estava na hora de dar o seu ultimato.

–É melhor você me tirar disso, Alex. –Ela o ameaçou em particular.

Alex riu em deboche.

–E o que te faz pensar que eu vou livrar a sua barra?

–Bom, Alex, todos nós sabemos quem te denunciou, não é? Pois bem, eu sei de muitíssimas outras coisas sobre você, suficientes para te manter preso pelo resto da sua vida e um pouquinho da outra vida, se eu acreditasse em reencarnação. –Ela disse com convicção.

Não lhe agradava ver Madison tomando as rédeas da situação. Saindo impune. Vencendo-o. Mas que outra alternativa ele tinha? Na dúvida do que fazer, ele lhe deu um tapa forte no rosto.

–Suma daqui, e prometa não dizer uma só palavra. –Ele ordenou.

–Tenho sua palavra de que não vai me incriminar? –Ela custava para acreditar que estava finalmente livre de suas mãos.

–Sim, você tem. Eu posso ser um monstro, mas não sou burro. Agora vá, vá Madison! –Ele a machucou pela última vez, e Madison correu para longe daquele pesadelo que esteve presa.

O caminho de volta para casa não era longe. Assim que o ônibus lhe trouxe de volta ao ‘paraíso’ de Orange County, ela continuou o caminho a pé. As frias gotas de chuva eram a única companhia que ela tinha, rolando pelo seu rosto parando exatamente onde Alex havia lhe dado um tapa. Havia doído, mas não lhe magoara nem um pouco. Aquele era o último. E nunca, jamais deixaria que alguém fizesse o mesmo com ela novamente.

A cada passo ela chegava mais perto de sua antiga casa, e uma dúvida em si lhe persistia na mente. Há um tempo ela desistiu de toda a sua vida aqui. Abandonou-lhes. Eles lhe receberiam de volta? Será que todas as pessoas que magoou quando partiu poderiam perdoá-la algum dia?

Quando Madison chegou a calçada de sua casa, ela estava completamente encharcada e o medo de pedir para voltar ainda estava sob suas costas. Completamente sem forças, ela sentou-se na calçada, sem se importar com as gotas de chuva cada vez mais grossas, que se misturavam com as suas lágrimas de arrependimento.

Provavelmente ela continuaria ali se Gean, seu mais novo vizinho que ainda não conhecia, não tivesse parado bem ali. Aquela garota com as roupas todas encharcadas, cabelo colado no rosto e maquiagem borrada lhe chamou a atenção.

–Precisa de ajuda? –Ele perguntou caridoso, pensando se tratar de alguma mendiga.

Madison levantou o rosto e se surpreendeu com a voz tranquilizadora dirigida a ela. Ultimamente só era tratada com gritos.

–Acho que sim. –Ela disse com a voz rouca de tanto chorar.

Ele se aproximou dela e compartilhou o seu guarda-chuva. Madison estava trêmula de frio e de medo. O que aquele sujeito queria ao tentar ajudá-la?

–Qual o seu nome? –Ele quis saber, curioso.

–Madison. E aquela é minha antiga casa. –Ela disse apontando para a casa de seus pais.

–Madison? Tenho ouvido falar de você desde que cheguei aqui.Então você é a filha deles? Nossa! Você não faz ideia do quanto eles ficarão felizes ao saber que você voltou! Meu nome é Gean. Eu vim visitar minha irmã e meu amigo Erick. Que por sinal é amigo de Evellyn. Vocês são amigas, não é?

Gean falava muito, assim como ela. Será que é isso que chamam de alma gêmea?

–Bom, costumávamos ser. Prazer em conhecê-lo, Gean.

–Agora que já estamos apresentados, pode me dizer o que você fazia sentada na calçada levando uma surra da chuva?

–Estava esperando criar coragem para voltar para casa. –Ela disse envergonhada.

–Está voltando de uma grande aventura, não é? –Ele parecia conhecê-la tão bem para alguém com quem fala há apenas alguns minutos.

–É uma grande aventura nem um pouco boa. –Ela admitiu.

Gean parecia estar interessado em tudo que viesse a seu respeito.

–Você poderá me contá-la depois, mas, pensando bem, acho que é um pouco tarde para despertar os seus pais, não acha?

Madison fez os cálculos a partir da hora que havia chegado à cidade e as horas já se avançavam depois da meia noite.

–Tem razão. –Ela concordou.

–Você pode ficar na minha casa, só por essa noite se quiser. Minha irmã deve ter algo que caiba em você. –Ele ofereceu.

Madison pensou em recusar de imediato. Havia acabado de conhecê-lo, e se tinha algo que aprendera durante toda a sua aventura era não confiar cegamente. Mas Gean parecia ser diferente, e qualquer coisa era melhor do que ficar sentada na sarjeta levando uma surra da chuva, como ele dissera.

*****

Gean a levou para sua casa, que era bem quente e aconchegante. Fazia um bom tempo que Madison não pisava em um verdadeiro lar como aquele. Ele apareceu alguns minutos depois segurando um moletom velho e toalha.

–Minha irmã disse que você pode usar isso, se ninguém aparecer para acordá-la de novo. O banheiro fica logo ali. Eu vou preparar um leite quente com mel para você enquanto toma banho.

Gean era tão protetor e cuidadoso! Era uma daquelas pessoas que a fazia crer em anjos.

–Obrigada. –Ela disse, indo em direção ao banheiro.

Tirar aquelas roupas encharcadas e deixar que a água quente lhe limpasse por completo funcionou como a melhor das terapias para Madison. Dentro de poucos minutos ela apareceu na cozinha totalmente revigorada, com os cabelos molhados caídos nos ombros, e o moletom vermelho da irmã de Gean, que deixava suas pernas e boa parte dos hematomas à mostra.

Gean olhou para os seus machucados com um olhar diferente, como se ele estivesse sentindo suas dores quando os adquiriu. Agora mais de perto, Madison pôde notar suas feições. Gean tinha um rosto inocente. Seus cabelos eram daquele castanho acinzentado, e algumas coisas, como o seu sotaque, por exemplo, denunciavam certa influência inglesa na sua miscigenação.

Ele tinha aquele charme inglês inconfundível e irresistível. Como ele veio parar ali?

–Sente-se. –Ele disse enquanto lhe entregava a xícara de leite e alguns cookies. Ele sentou-se perto dela também e a surpreendeu com um beijo na testa. Madison se odiou por se esquivar imediatamente, mas não era sua culpa. Ela nunca foi tratada daquela forma.

–Desculpe-me. –Ele disse, rubro de vergonha. –Eu sinto muito que algum monstro tenha feito isso com você. Você não merece isso. –Ele se referiu aos seus hematomas.

–Gean, eu não sei como posso te agradecer por tudo isso. Ninguém nunca me tratou dessa forma. –Madison estava surpresa por ainda ser possível encontrar bondade nas pessoas.

–Não precisa me agradecer. Mas, eu sou um curioso nato, e adoraria saber o que aconteceu com você. –Ele disse, pegando uma mecha de seu cabelo molhado e colocando atrás da orelha.

–É uma longa história. –Ela lhe advertiu.

–Eu sou um bom ouvinte. Aliás, faz um bom tempo que alguém me contou uma história antes de dormir.

Madison se permitiu rir dessa vez. Gean era encantador, e tinha receio de que ele mudasse de ideia ao seu respeito ao ouvir sua história. Mas ele teria que saber de uma forma ou de outra. Então, ela venceu mais uma vez o cansaço e começou a relatar a sua história.

Madison não fazia ideia do que estava acontecendo com o seu coração naquele momento, mas pela primeira vez naquele dia, ela teve total certeza de que a melhor coisa que poderia ter feito era voltar para sua vida.


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Notas finais do capítulo

O conto "Um desejo e dois Irmãos" é uma obra da Marina Colasanti. Ele me inspirou bastante para essa história.
Espero que tenham gostado desse capítulo e vem muitas outras surpresas por aí!



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