Red, White, Blue Is In The Sky escrita por Rennan Oliveira


Capítulo 1
Tell Im Your National Anthem




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/237612/chapter/1

O ano era 2019. Rachel Berry-Hudson, com quase trinta anos, já vivera muita coisa até aquele momento e imaginara que o que viria a partir daqueles dias era apenas a vida cotidiana de uma mulher casada, até então sem filhos. Sim, Rachel estava casada com Finn – mesmo depois de todas as dificuldades sofridas até o momento do casamento – e, durante muitos anos, se sentiu a mulher mais feliz que podia haver em todos os Estados Unidos.

Quer dizer, em nenhum instante ela pensou que a ideia de Finn, de se alistar no exército e querer entrar para as forças armadas, fosse ser um problema. Rapaz crescido, tinha a mente suficientemente sã para saber qual o caminho certo a trilhar. Além do mais, ele comentara na frente de muitas outras pessoas que esse era seu plano de carreira, e que tinha sérias intenções de seguir os passos do pai – exceto pela parte da morte, muito embora não fosse o exército a causa dela. Rachel apoiava esse desejo do marido porque achava justo que ele corresse atrás do que desejava, assim como Finn também não via problema com o fato de ela querer se tornar uma excelente cantora de teatro e bater a meta de ganhar pelo menos cinco Tony Awards por papéis feitos na Broadway. A justiça era praticada por ambos os lados.

Mesmo que ela fosse falsa de certa forma.

Rachel nunca em sua vida pensou que os Estados Unidos voltariam a entrar em guerra, e duvidava que Finn pensasse o mesmo. Não havia mais motivos para fazer renascer aqueles tempos antigos onde o menor dos motivos era suficientemente bom para que grandes coronéis erguessem seus dedos e apontassem na direção do território inimigo, exigindo que seus recursos, soldados, avançassem em direção aos homens adversários e os aniquilassem. Mas nunca esteve tão enganada. As notícias de que o atual presidente dos Estados Unidos andara tratando com líderes do Iraque sobre o compartilhamento de recursos naturais – algo que andara bem escasso não só para os lados do oriente, mas para os demais países também – já haviam sido corridas há muito tempo, mas não existia uma pessoa sequer que não as julgasse como boatos, uma vez que notícias como essas eram muito mais do que absurdas.

Era a população subestimando o poder de busca de informações que bons jornalistas têm. Isto é, as notícias sempre foram verdadeiras, embora as negociações nem sempre fossem tão pacíficas quanto as revistas e os jornais, sempre tendenciosos, davam a entender. Portanto, para os portadores dessas informações, a declaração de guerra não fora uma surpresa total. Quem se sentiu verdadeiramente espantada foi a população, que, de um momento para o outro, viu as paredes de tranquilidade que circundavam seus bairros irem abaixo como se de nada fossem feitas. Homens que não eram familiares a ninguém começaram a caminhar pelas ruas usando fardas e portando metralhadoras com o único motivo de perturbar a alegria daquela que era a nação mais rica do mundo. Vingança porque os maiores recursos estavam por aqueles lados, e porque o presidente dos Estados Unidos era egoísta demais para dividir certas riquezas.

Foi nesse momento que Finn Hudson foi convocado. Dentro do exército, ninguém é poupado quando a coisa fica feia, nem mesmo quem está em altos cargos, como era o caso de Finn. Num dia, ele chegou feliz do trabalho, beijando a esposa, contando as novidades do quartel e fazendo amor com ela ao anoitecer. No outro, nem mesmo voltara para casa. Foi quando a comida foi posta à mesa e Rachel se deparou sozinha na hora do jantar que ela percebeu que havia algo de errado acontecendo.

Como suspeitara, a guerra estava de fato ocorrendo lá fora, e seu marido muito provavelmente estava embrenhado nela.

Rachel primeiro chorou. Chorou aos soluços, desesperada e se sentindo desamparada. Perdera o chão ao pensar que não poderia fazer nada a respeito da ausência de Finn, e foi então que percebeu que seu alicerce, a pessoa que sempre a ajudava a colocar a cabeça no lugar e a pensar com mais clareza, não estava por perto, nem mesmo para consolá-la, justamente porque estava no trabalho. Um trabalho que era arriscado.

Um trabalho que poderia levá-lo à morte.

Rachel não dormiu naquela noite. Chegou a deitar-se, sem nem mesmo trocar de roupa, mas não pregou os olhos durante um segundo sequer. Não conseguia, pois o marido ainda não voltara, porque muito provavelmente estava por aí, explodindo cabeças estrangeiras – e isso na melhor das perspectivas. Rachel queria ter alguma notícia sobre ele para, pelo menos, não sustentar expectativas mentirosas, que poderiam deixá-la insana.

Por isso que, pela manhã, com o sol ainda nascendo, ela tomou a coragem de fazer algo. Vestiu suas melhores roupas, usou de suas melhores maquiagens, penteou seus cabelos num penteado adulto e retirou-se para procurá-lo. Não queria parecer uma mulher viúva que estivesse conformada com a morte do marido. Queria parecer uma mulher forte, que sabia encarar os problemas de frente, e que não se deixava abalar por pouca coisa. Quem sabe ela própria não se convencesse disso enquanto estivesse no caminho?

Pegou seu Chevrolet na garagem e arrancou-o pelas ruas de seu bairro. Dirigiu como uma louca em fuga – em tempos como aqueles, motoristas perigosos não eram um problema que mereciam tanta atenção da parte dos outros. Ligou o rádio não para se distrair, mas para se informar sobre o que estava acontecendo e sobre quais rotas devia tomar se não queria pegar uma em que o trânsito estivesse ruim. Por causa disso, ouviu quando uma repórter com a voz notavelmente nervosa anunciou que havia um grande agrupamento de cidadãos em torno da Times Square, onde alguns soldados andavam tomando conta dos feridos de uma batalha que acontecera ali. Rachel sabia que era arriscado encaminhar-se para um lugar como aquele, mas mesmo assim não se deixou abalar.

Chegou à Times Square em quinze minutos e largou o carro estacionado de qualquer jeito na guia da calçada. Em seu salto alto, correu como uma dondoca que corresse atrás do cachorro que suas mãos delicadas deixara escapar. Avançara poucos metros pela Broadway e já notou uma grande movimentação e um intenso barulho.

O que havia ali era um amontoado de pessoas desesperadas e amedrontadas e aparentemente sem rumo. Choravam umas nos ombros das outras enquanto algumas gritavam aos berros para um deus que devia ter ouvido suas preces e deixado seu ente querido sair vivo da chacina. Rachel engoliu em seco, entristecida por aquela imagem. De repente, deparou-se querendo ajudar cada uma daquelas pessoas, fosse com uma palavra confortadora ou dando um ombro para que elas desabafassem e aliviassem a dor. Tal pensamento durou apenas uma fração de segundo, porque então ela se lembrou de que ela própria podia ter pedido um ente querido – um muito querido.

E foi então que tornou a ficar histérica.

- Com licença! – esbravejou enquanto empurrava as pessoas para os lados. Naquele momento, Rachel tinha uma força que seu minúsculo corpo jamais carregara. Seria capaz de mover montanhas para encontrar Finn se fosse preciso, tão apavorada que estava.

Ao longe, ouviu o hino dos Estados Unidos tocando e franziu o cenho. Olhou para cima, como se de lá viesse o som, e percebeu papeizinhos picados coloridos – vermelhos, azuis e brancos – voando aos montes sobre as cabeças das pessoas, como se estivesse acontecendo uma comemoração ali, e não um mutirão de ajuda. Querer mascarar algo que devia ser horrível com um clima de festa deixou Rachel ainda mais irritada do que já estava. Não demorou muito e já estava a ponto de derrubar as pessoas que não queriam abrir passagem.

Chegou à grade de proteção que circundava o centro da Times Square e enxergou o que todos viam. Havia tantos corpos espalhados pelo chão que quase não havia asfalto visível. Eram crianças, idosos, adultos, jovens, de todas as raças e gêneros, como se a morte tivesse optado por levar pelo menos uma amostragem de cada grupo de Nova Iorque. Além de pessoas comuns, havia oficiais do exército abatidos ali. Quando viu que eles eram mais numerosos do que ela esperava, Rachel sentiu as pernas fraquejarem. A ideia de que Finn poderia estar no meio deles era horrível. Se estivesse, Rachel achava melhor que morresse ali também.

Apoiando-se na grade para procurar firmeza, ela viu quando uma bandeira gigantesca foi estendida num dos prédios à sua frente: a bandeira dos Estados Unidos. Caiu solenemente, como se em câmera lenta, dançando ao ritmo do vento quase que instantaneamente. Nesse momento, os alto faltantes que tocavam o hino declamaram:

Oh, thus be it ever when freemen shall stand.

Between their loved home and the war's desolation!

Blest with victory and peace, may the heaven-rescued land

Praise the Power that has made and preserved us a nation.

Rachel debulhou-se em lágrimas ao ouvir isso. Baixou a vista embaçada em direção aos homens de farda que agora surgiam por ali, andando como verdadeiros soldados, disciplinados e invejáveis, e por algum motivo sentiu raiva deles. Raiva por não darem a mínima para sua dor. Raiva porque não a haviam procurado para dizer o que havia sido de Finn.

Raiva porque fora tola demais ao deixar que ele seguisse essa carreira tão imbecil.

Mas então seus olhos encontraram os do seu homem. Finn estava parado, vestido em sua farda, fitando sério o nada, até que levou seu olhar a Rachel. Três ou quatro lágrimas correram pelo rosto da mulher que, de tão descrente, teve que limpar a vista a fim de verificar se não estava vendo coisas onde não havia.

Mas Finn de fato estava lá. Não era uma miragem ou fruto de sua imaginação. Finn estava vivo, são, salvo, e nunca parecera melhor.

Num ímpeto, Rachel saltou a grade de proteção e se jogou para o centro da Times Square. Ignorou que pisava no meio de cadáveres e simplesmente correu ao encontro de seu amado, os cabelos sacudindo às suas costas, as vestes dançando ao vento como numa cena de filme, em câmera lenta.

Finn arregalou os olhos ao ver sua esposa aprontar dessa forma, mas, na posição em que estava, não podia fazer muita coisa – não que quisesse. Rachel não levou nem um minuto para percorrer todo o mar de defuntos e alcançá-lo, e, quando chegou, ele não teve nem tempo nem vontade de impedir o que veio a seguir.

Rachel ficou na ponta dos pés e puxou-o para um beijo. Finn, surpreso, fechou os olhos e deixou-se embalar. Puxou sua esposa mais para perto e apreciou aquele gesto de amor como se fosse o último. Quando menos pôde perceber, estava chorando – assim como Rachel, de tanta emoção. Quando seus lábios se desprenderam, Rachel puxou Finn para perto mais uma vez e tornou a beijá-lo. Foi só quando se separaram novamente que as palavras surgiram.

- Eu pensei que você tinha morrido.

- Eu pensei que nunca mais voltaria a te ver.

- Eu estava desesperada...

- Eu pensei em te avisar, mas não consegui...

- Nunca mais volte a fazer isso, a menos que queira sua mulher morta no chão da sala!

- Nunca mais farei nada do tipo.

Seus olhares tornaram a se encontrar. Os olhos de ambos brilhavam.

- Eu te amo demais. Não conseguiria perdê-lo assim, tão cedo.

- Eu te amo ainda mais. E não se preocupe: não vai ser tão cedo que você vai me ver longe da nossa casa.

Rachel sorriu e voltou a chorar. Finn, contagiado por esse sentimento, não conseguiu conter as próprias lágrimas.

Voltaram a se beijar e, quando terminaram, Rachel sussurrou:

- É em tempos como esses que percebemos quem amamos de verdade. Eu nunca vou te abandonar, Finn. Nunca!

Finn tomou-a nos braços e foi como se a guerra de repente não significasse mais nada, ou que não tivesse qualquer importância. Rachel, em seus braços, foi tomada pela mesma sensação.

E assim eles permaneceram por muito tempo, certos de que, enquanto tivessem um ao outro, nada seria capaz de abalá-los.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Tenho escutado muito Lana del Rey ultimamente, então qualquer semelhança dessa história com a música "National Anthem" não é mera coincidência. Se ainda não ouviram o novo álbum dela, aqui vai a minha indicação :)