Urameshiya! escrita por Tsuki Hikari


Capítulo 1
Are you there, Hanako-san?


Notas iniciais do capítulo

O primeiro conto, baseado na lenda "Toire no Hanako-san".



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Eu estava totalmente e absurdamente atrasada.

Tudo bem, eu admito. Eu esqueci que tinha de buscar minha irmã mais nova na escola. Mas quando minha mãe pediu, hoje de manhã, eu ainda nem tinha acordado direito, e minha mente estava emperrada de sono.

Olhei em meu relógio de pulso. Eram seis horas da tarde. Droga, droga, droga, droga. Ela saia às cinco horas. Eu estava uma hora atrasada.

            Sai correndo pelas ruas como se não houvesse amanhã. Da minha escola até a de minha irmã eram mais ou menos quinze minutos de caminhada, e como ambas saíamos da escola às cinco, eu deveria estar lá por volta das cinco e quinze. Entretanto, eu esqueci de buscá-la e  fiquei enrolando na escola, de bobeira com os meus amigos, e agora só chegaria lá por volta das seis e quinze. Talvez até em menos tempo, porque eu estava correndo, mas mesmo assim seria tarde.

            Eu tinha certeza de que, chegando em casa a noite, minha mãe iria me matar. Claro que eu não podia culpá-la, pois desde que meu pai havia sumido do mundo, quatro meses antes, ela tinha estado muito ocupada, trabalhando o dobro para arranjar dinheiro para sustentar sozinha seus três filhos, e eu – sua filha do meio ingrata – ao invés de ajudá-la, só atrapalhava.

            Não parei de correr até chegar à escola Chiheisen, onde a maioria das pessoas que moravam por perto faziam o ginásio – inclusive eu o tinha feito ali, antes de passar para o colegial esse ano. Respirei fundo algumas vezes, tentando normalizar minha respiração que tinha ficado desregulada com a corrida, e entrei no pátio da escola.

            Nenhuma alma viva por perto. Aparentemente todos os estudantes já tinham ido embora. Será que minha irmã estava esperando na sala de aula?

            Por sorte, uma professora saiu do prédio da escola para o pátio nesse exato momento. Como eu não estava mais com fôlego para correr, fui andando até ela.

            - Com licença, professora! – Chamei, ao alcançá-la – A senhora sabe me dizer se Katsumi Yoshida, da terceira série, ainda está na sala de aula? Eu sou a irmã mais velha dela, Maiko.

            - Oh, não. – Ela respondeu – Eu coincidentemente sou a professora da terceira série, e a Yoshida-san foi embora há mais ou menos dez minutos, com um garoto mais velho.

            - Um garoto mais velho?! – Durante um instante, pensei em toda sorte de coisas horríveis que podiam estar acontecendo com Katsumi. Ela podia ter sido sequestrada, levada para longe, estar sendo usada de refém, ou até estar morta. Mas depois percebi quem provavelmente era o “garoto mais velho”, e o medo virou raiva. – Ah, obrigada, professora. Já sei quem é. – Então, me curvei rapidamente para ela e depois fui embora, xingando em minha mente.

            Quando cheguei em casa e abri a porta, vi que eu estava certa. O idiota do meu irmão mais velho de dezoito anos, que estava no primeiro ano da faculdade de jornalismo, estava sentado no sofá da sala, ao lado da nossa irmã, assistindo a um programa de auditório na televisão. Quando eu entrei, ele se virou para mim e fez uma careta de repulsa.

            - Como você pôde esquecê-la na escola?

            - Você não deveria estar na faculdade, Soichiro? – Perguntei, sem paciência para ouvir bronca dele.

            - Eu estava. Mas então recebi uma ligação de Katsumi me pedindo para buscá-la na escola, que ela estava sozinha lá, que você a tinha esquecido. É demais pedir um pouco de responsabilidade para você, Maiko?

            - Katsumi! Porque ligou para ele? Você podia ter ligado para mim! – Exclamei, frustrada, mas já sabia a resposta. Ela preferia Soichiro a mim, mil vezes mais. Não que eu desse motivos para isso. – Tudo bem, que seja. Mas agora eu estou aqui, você pode ir embora.

            - Eu não vou embora. – Disse Soichiro – Vai que eu volto e você vai fazer outra coisa e não cuida de Katsumi?

            - Ela tem nove anos. Mesmo se eu me distraísse ela não iria morrer. E você sabe disso. Só está fazendo isso como desculpa para matar a aula.

            - Sua idiota! – Ele gritou, se levantando e indo em minha direção. Achei que fosse me bater, mas ele pareceu mudar de ideia, parou e respirou fundo.

            - Ei, Katsumi-chan, você quer ficar comigo ou com o Soichiro? Se escolher comigo, nós vamos ao supermercado comprar sorvete. Que tal? – Perguntei a ela. Foi um golpe de mestre. Ela adorava sorvete.

            - Soichiro, eu quero ficar com a Maiko. - Ela respondeu instantaneamente.

            - Ah! Ótimo! Bem, que seja. Mas não pense que eu não vou contar à mamãe depois que você se esqueceu de buscá-la na escola. – Ameaçou ele, com o dedo apontado para mim. Então, mal-humorado, se virou e foi embora pela porta da frente.

            Katsumi me olhou fixamente.

            - Certo, vou pegar dinheiro. – Conclui, com um suspiro.

            Fui até o meu quarto e peguei uma quantidade de dinheiro que considerei suficiente para comprar um pote de sorvete. Depois, nós duas fomos em silêncio para o supermercado que, por sorte, ficava na esquina de nossa casa.

            Ao chegarmos lá, fomos até a seção de laticínios.

            - Escolhe aí qual você quer. – Eu disse.

            - Está bem. – Ela respondeu, com os olhos correndo pelas marcas e pelos sabores de sorvete que tinham disponíveis. Depois, escolheu sorvete de chocolate.

            Ela pegou o pote, e eu fui pagar no caixa. Depois voltamos para casa, onde nos sentamos diante da mesa da cozinha para o tomarmos.

            - Itadakimasu* - Falamos, em coro, antes de levar a primeira colherada à boca.

           - Ei, Maiko. – Katsumi me chamou, depois de um tempo.

            - O que foi?

            - Você já ouviu falar na brincadeira da Hanako-san?

            Parei de tomar meu sorvete e a fitei. Que pergunta era aquela, do nada?

            - Hanako-san? A do banheiro? Claro. – Respondi.

            Era óbvio que eu já tinha ouvido falar. Era uma brincadeira famosa. Diziam que, se você batesse na porta do banheiro três vezes e em seguida perguntasse: “Você está aí, Hanako-san?”, uma voz iria responder: “Estou aqui”, e se você abrisse a porta do banheiro, iria encontrar lá uma garotinha usando uma saia vermelha. Bom, pelo menos essa era a versão mais famosa. Outra dizia que, depois que você abrisse a porta, iria encontrar um réptil de três cabeças que iria te devorar, e ainda tinha outra que dizia que, depois que a voz dissesse “Estou aqui”, iria sair uma mão branca da porta e te pegar.

            - Minhas amigas queriam que eu a chamasse hoje. Eu não quis. Então, me chamaram de medrosa. – Katsumi contou, parecendo chateada.

            - Não tem de ficar com medo. Ela não existe. – Falei, voltando a tomar meu sorvete.

            - Eu sei, mas...

            - Mas você ficou com medo mesmo assim.

            - É.

            Larguei minha colher.

            - Vamos chamá-la aqui! – Exclamei, me animando com a ideia de fazer a brincadeira.

            - O quê?! Não, Maiko! – Ela disse, assustada.

            - Porque não? Eu estou aqui. Você não vai fazer sozinha. E ela não existe, mesmo! Aí amanhã é só você repetir na escola, e suas amigas engolirão as palavras delas. – Eu disse, decidida, me levantando.

            Katsumi mordeu o lábio inferior, indecisa. Mas por fim, cedeu.

            - Certo. Mas você faz. Eu só vou assistir!

            - Tá, tá... – Fiz pouco caso, e nós duas fomos em direção ao banheiro.

            - Maiko. Eu não quero mais. Eu estou com medo – Ela mudou de ideia, quando nós chegamos.

            - Tarde demais! – Falei, rindo. Então, bati na porta três vezes. – Você está aí, Hanako-san? – Perguntei, cantarolando.

            Não houve resposta.

            - Viu só? Eu falei.

            Mas Katsumi estava assustada demais para aceitar que eu tinha razão, e saiu correndo e gritando de volta para a cozinha.

*********

            O resto da noite foi tranquilo, tirando por eu ter levado bronca de minha mãe quando ela chegou por ter esquecido minha irmã na escola, mas isso eu já esperava. Eu e Katsumi não falamos mais de Hanako-san.

            No dia seguinte na escola, no horário do almoço, contei casualmente para minhas amigas sobre o ritual que tínhamos feito. Eles acharam graça quando contei a reação de Katsumi.

            - É óbvio que o ritual não deu certo, Maiko. A lenda diz claramente que só funciona na escola! – Comentou Ishi, minha amiga.

            - Você fala como se acreditasse. – Eu disse, rindo.

            - Ah, não é isso, é que... – Ela começou a tentar se explicar, o que só fez todas nós rirmos mais ainda – É assim, é? Vocês riem, mas duvido que tenham coragem de irem fazer o ritual aqui!

            - Ah, eu faço numa boa! – Minha outra amiga, Momo, declarou com um sorriso superior. E, antes que pudéssemos impedi-la, ela saiu correndo para o banheiro das meninas.

            - E então? Vamos segui-la? - Perguntei, com a voz ligeiramente entediada.

            - Não. Vamos ficar aqui e calcular o tempo que ela vai levar para voltar chorando de medo. – Respondeu Ishi, com um sorriso malicioso.

            - Boa ideia. – Eu disse, voltando a rir.

            E nós ficamos em silêncio, só esperando, contando o tempo mentalmente. Mas, com o tempo, um grande desconforto nos tomou. Já havia passado mais de dez minutos que ela fora.

            - Hm, Maiko? Acho melhor irmos procurar Momo. – Ishi falou.

            - Tudo bem, vamos. Se bem que eu acho que ela está demorando justamente para irmos procurá-la e ela poder nos assustar.

            - Se ela fizer isso, nós a matamos no lugar da Hanako-san.

            - Combinado.

            Então, nós nos levantamos e fomos até o banheiro feminino.

            - Momo? Nós já sabemos que você está aí, nem vem querendo nos assustar. – Já fui avisando, abrindo a porta.

            E me arrependi amargamente. Eu e Ishi gritamos de pavor ao mesmo tempo ao ver o interior do banheiro. As paredes e o chão ensanguentados, Momo morta no centro do aposento. E, na parede, escrito com o seu sangue, a mensagem:

            “A próxima será sua irmãzinha, Maiko Yoshida.”


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Notas finais do capítulo

(*Nota da escritora Itadakimasu é uma saudação que os japoneses fazem sempre antes de comer.)
Pois bem, gente. Esse foi o primeiro conto.