Memórias escrita por Não sou eu


Capítulo 2
Luce




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Capitulo 2

O dia amanheceu rapidamente, e as enfermeiras vieram ajudar Luce a se levantar. Depois que saiu da enfermaria, não estava com vontade de ficar no quarto o dia inteiro, como a enfermeira recomendara. Olhou em seu relógio de pulso, há essa hora todos estavam no refeitório, pensou.

Quando entrou no refeitório, sentiu os olhares em sua direção, mas tentou ao máximo ignorar. Quando viu Arya, sentada em uma mesa no quanto, foi ao seu encontro. As conversas ficaram abafadas ao se aproximar, mas ninguém demonstrou nada, todos sorriram quando chamou Arya.

— Posso falar com você? — Arya parecia estar bem animada, Luce não conseguia entender como ela fora parar naquele internato, apesar de ser um pouco bipolar, não parecia ser alguém cometia algo tão grave assim, tão grave quanto que Luce cometera.

—Claro.

—Por que todos estão me olhando assim?

—Ah, isso. — Arya puxou Lucy, até estarem fora do refeitório, e se certificou de que não havia ninguém no corredor. —Todos aqui acham que você está grávida.

—O quê? Como assim grávida? — Lucy não conseguia acreditar nisto, olhava perplexa para Arya, que parecia estar se divertindo muito com seu espanto.

—Eu sei, eu também fiquei assim quando me contaram. E você não acredita quem estão falando que é pai. — Arya começou a rir, Lucy a beliscou para que continuasse. — Marcus. Eles falaram assim que seu desmaio foi muito suspeito.

Lucy estava realmente nervosa, não gostava que comentassem sobre sua vida, muito menos quando se tratava de algo tão sério.

—Quanta bobagem, eles terão que esperar nove meses, para comprovarem que estão errados.

—Calma Lucy, logo todo mundo esquece isso. — Arya a abraçou, mas para Lucy ela ainda parecia estar um pouco estranha. — Posso te fazer uma pergunta? — Quando Lucy fez que sim, ela continuou. — Seja sincera, e me diga, alguma vez aconteceu algo entre você e Marcus?

— Claro que não, Arya.

—Acredito em você, mas como consegue isso? Ele é tão lindo e tão tudo.

Lucy não podia lhe dizer o motivo, ela sabia que no fundo queria contar tudo a ela, mas mesmo assim não queria que sua amiga se afastasse dela.

—Não sei, acho que ele não faz meu tipo.

Antes que Arya pudesse lhe perguntar mais alguma coisa, saiu andando em direção aos jardins, queria ficar sozinha.

Quando chegou aos jardins, olhou para as vermelhas, como costumavam chamar as câmeras de segurança. Nunca gostou muito de saber que seus movimentos estavam sendo monitorados, então tentou pensar em outras coisas. Um pouco distante havia uma arvore, que sempre lhe lembrava duma criatura de um livro que havia lido. Sentou-se embaixo dessa arvore, e olhou ao redor. Daquele ângulo podia ver muito bem a floresta que cercava o lado direito do internato. Sempre tivera vontade de ir até lá, mas alguma coisa lhe dizia que não era muito seguro. Todos os alunos eram proibidos de sair do internato sem autorização, ainda mais quando se tratava da floresta.

Ninguém gostava muito desta parte do internato, poucas pessoas iam até aquele lugar, mas desde o primeiro momento em que avistou essa arvore tão engraçada, Lucy decidiu que seria um bom lugar para pensar. Gostaria de ter trazido um livro, pensou, já que não teria aula pelo resto do dia, não tinha nada de mais interessante para fazer. Olhou ao redor, até perceber que não estava realmente sozinha. Alguém a olhava, e mesmo que achasse isso impossível, sua pele parecia irradiar junto com o sol, ele era lindo, como se fosse um anjo.

Tentou desviar o olhar, mas era realmente difícil. Ela queria sentir seu toque, poder chegar perto dele. Daniel continuava parado perto da fronteira do internato com a floresta, seus olhos já não olhavam mais para Lucy, mas mesmo assim Lucy ainda sentia o calor que sentira ao saber que olhava em sua direção. Era totalmente estranho isso para ela, e mesmo assim, com toda a sua vergonha, ela queria poder falar com ele.

Antes que se contivesse, levantou-se e foi em sua direção. Quando chegou a certa distancia, muito perto de Daniel, suas pernas travaram, pensou em sair correndo dali e nunca mais voltar, mas ele perceberia e isso iria ser muito constrangedor. Ele se virou e Lucy sentiu suas bochechas ficando vermelhas.

—Sim? — Sua voz era linda, fazia com que se estremecesse ao ouvi-lo, e que percorresse um calor, jamais sentindo, por todo o seu corpo. Nas mãos de Daniel havia um papel, do qual Lucy não sabia o que era, mas podia perceber que se tratava de um desenho.

— O que você faz aqui? — Antes que percebesse o que havia dito, Lucy pensou que adoraria ter um buraco, onde pudesse se esconder. O que ela estava fazendo? Não era isso o que realmente queria dizer, isso com certeza a deixaria passar como tonta.

— Só me pareceu um bom lugar para pensar. Mas algo errado em estar aqui?

— Não, não tem. Acho que estou parecendo uma idiota, mas é só que, normalmente os alunos não gostam de vir aqui. —Agora, tudo parecia estar saindo normalmente, como se o conhecesse há muito tempo. Que bestagem, isso não era possível, pensou.

— Você está aqui. — Seu olhar era impossível de ser desviado, ele não parecia ser real, tudo nele deixava Lucy ainda mais intrigada.

— Sim, estou aqui, mas não sou como eles, pelo menos, acho que é assim que eles pensam.

Seu olhar, por alguns segundos, adquiriu uma expressão triste. A cabeça de Lucy começou doer de repente, fazendo que lembranças que não lhe pertenciam, tomassem sua mente. Ela conhecia aquele olhar, sabia que sim, mas da onde? As dores em sua cabeça aumentavam mais e mais. Caiu de joelhos, as mãos apertando a cabeça com força, mas nada que fizesse iria adiantar. Daniel abaixou-se ao seu lado, parecia preocupado, mas Lucy não conseguia pensar em mais nada. Algo lhe chamou atenção através de sua dor, quando Daniel a tocou sentiu novamente aquela corrente de eletricidade passar por seu corpo, a mesma que sentiu quando estava na enfermaria. Mas não havia tempo para perguntar nada, sua cabeça doía mais do que podia suportar.

Sentiu que não estava andando, mas alguém a carregava. Só podia ser Daniel. Enquanto passavam pelo corredor, olhares intrigados eram lançados em sua direção, mas nada importava. Em sua cabeça vozes sussurravam, mas ela não entendia o que diziam, apesar de saber que não era nada bom, tinha medo do que isso significava. Quando chegou a enfermaria, Daniel colocou-a novamente na cama em que estava noite passada, antes mesmo de protestar e dizer que não queria ficar ali, sentiu a dor da injeção, e tudo se escureceu.

Quando acordou, sentia-se um pouco de tontura por causa do calmante que lhe deram, mas sua cabeça não doía mais, apesar de estar um pouco dolorida. Não havia ninguém na enfermaria, olhou pela janela, a noite já chegara e a lua parecia mais bonita do que nas outras noites. Levantou-se e saiu pelo corredor, precisava ir para seu dormitório, ter uma noite de sono tranquila em sua cama. Duas vezes seguidas na enfermaria e sendo alvo de todos pelo internato, isso sim se podia se chamar de uma semana de difícil. Contudo, algumas coisas ainda pareciam estritamente estranhas, algo dizia que Daniel não era um estranho, ela sentia lá dentro que tudo que estava acontecendo com ela, tinha a ver com ele.

Olhou em seu relógio, todos iriam estar no refeitório, deduziu Lucy. Quando finalmente estava chegando ao seu quarto, alguém chamou seu nome, olhou para a garota que estava em sua frente. Ela era alta, seus cabelos eram pretos e caiam pela cintura, tinha muitos pircings, já havia visto algumas vezes pela escola, mas nunca conversara com ela, nem ao menos que ela sabia seu nome.

— Lucy, como você está? Ultimamente você tem ido muito para a enfermaria, não é?—Jenna olhava para Lucy com aqueles olhos como a noite, que lhe arrepiavam a espinha. Ela sempre estava junto de pessoas que nunca lhe atraíram muito, os góticos, não tinha nada contra, mas achava que não se encaixaria entre eles.

—Estou bem, obrigada. É tem sido uma semana muito desagradável para mim, mas está tudo bem, logo tudo volta ao normal. — Sua voz era fraca, Lucy sabia que Jenna lhe transmitia certo medo, o modo como pronunciava as palavras, lhe pareciam muito sombrio, lembrando-lhe muito alguém.

— Eu sei que você é muito mais inteligente do que aparenta ser. — Ela se aproximou de Lucy, e quando estava apenas alguns centímetros de Lucy, sussurrou ao seu ouvido. — Fique longe de Daniel, ele não é a melhor escolha para você, quem avisa amiga é.

Jenna saiu pelo corredor, e alguns segundos não havia mais vestígios de que aquela conversa realmente aconteceu. Lucy ainda permanecia parada entre a porta de seu quarto, não conseguia se mover. Não entendia o que Jenna queria dizer, nem porque ela falara de Daniel. Quando finalmente conseguia entrar em seu quarto, se jogou em sua cama, com muitos pensamentos rondando sua mente. Quem realmente era Daniel, e porque toda vez que o via, lhe acontecia algo? Eram tantas perguntas, mas todas eram relacionadas a ele. Porque pensara que iria ter paz aqui, sua idiota? Pensou, ela era um problemas, e problemas como ela, jamais são resolvidos.

Tentou se concentrar em seu sono, mas nada que fizesse tirara Daniel de sua cabeça. Ela sabia que no fundo algo estava acontecendo dentro dela, aquele tipo de sentimentos que nunca havia sentido antes. Olhou para o teto e ao ver que ali havia, sentiu um arrepio na espinha. Sempre odiou eles, e agora odiava ainda mais. Lucy sempre os chamou de sombras, pois era o que eles pareciam ser, deixavam sempre o ambiente frio, mas o que mais chamava a atenção de Lucy era o porquê de só ela poder vê-las. Saiu do quarto em disparada. A última vez que vira as sombras, coisas horríveis aconteceram, apesar de não saber ao fato se elas foram as verdadeiras culpadas.

Entrou no banheiro e lavou o rosto, e quando se olhou no espelho percebeu o quão acabada ficara nesses últimos dias. Voltou ao seu quarto, e as sombras ainda estavam sobrevoando no teto. Não aguentaria ficar ali com aquelas coisas, então saiu do quarto em busca de algum lugar sossegado.

Saiu andando pelos corredores, sem saber bem aonde queria ir. Quando viu que estava completamente sozinha, sentou em um canto mal iluminado, e lá deixou que suas emoções aflorassem, e suas lagrimas começaram a cair. Sempre tentara ser forte quando via as sombras, mas depois do verão passado, a dor que sentia ao vê-las, era pior do que qualquer coisa.

Olhou em direção ao corredor vazio em que estava, e tentou se lembrar de quando foi que começou a ficar tão sozinha, sem ninguém para lhe ajudar. É claro que ela sabia, mas no fundo só queria poder esquecer, poder refazer. O nome de sua tão dolorosa dor se chamara Penn, uma grande amiga, a única amiga que realmente teve. Conheceu Penn na escola anterior, onde sempre estudou, mas Penn era a garota nova, que ficou amiga algumas semanas depois das aulas começarem. Tudo se resolvia a ela, e Lucy estava adorando essa nova experiência de ter alguém em quem confiar. Compartilhavam tudo, e foi à única vez em que Lucy comentou sobre as sombras há alguém. Penn várias vezes ajudara Lucy quando queria pintar algum quadro, sem que seus pais percebessem, e assim mantinham um segredo. Mas no verão, as coisas aconteceram rápido demais, e até hoje Lucy se perguntava se tudo teria sido diferente se Penn não a tivesse conhecido.

Limpou as lágrimas e se recompôs, já passava das 11h00min, e isso era proibido no internato. Não avistou nenhuma das vermelhas naquele corredor, então olhou novamente para o corredor em que estava percebendo que nunca havia estado ali alguma vez.



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