A Cura escrita por Crica


Capítulo 1
Um abraço




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N/A:  Eu  não acredito, sinceramente, que todas as feridas de Dean Winchester possam ser curadas com uma visão do que seria e um puxão de orelhas angelical. Tenho para mim, que esse processo seria bem mais lento, limpando as feridas e curando-as de dentro para fora. Também tenho  sentido falta de um Sam mais presente. Daí que resolvi, por minha conta e risco, escrever este texto.

Ficam alertados os leitores que se trata de um UNIVERSO ALTERNATIVO e, apesar de conter spoilers de episódios anteriores, não tenho nenhum compromisso com o roteiro original. Portanto, se não gostam desse tipo de ‘viagem’, não leiam e não se aborreçam, nem a mim, com comentários a respeito da minha falta de sanidade. Disso eu já sei.

Para aqueles que curtem e toparem embarcar comigo, apertem os cintos, tragam seus lencinhos de papel e boa viagem!

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A CURA

Parte 1: Um abraço

          Os muitos hematomas, os olhos inchados, os cortes nos lábio inferior e sobre o olho esquerdo não deixavam qualquer dúvida do nível de violência a que tinha sido submetido. Sem falar na tortura psicológica, executada com requintes de crueldade, estraçalhando de vez o que sobrara de sua alma.

          Nem todo o analgésico do mundo seria capaz de aliviar a dor que sentia.

          Nem todo antidepressivo que houvesse sobre a face da Terra poderia livrá-lo dos pesadelos que o assombravam, agora, mais do que nunca.

          Nem se passasse o resto de sua miserável existência curvado sobre os joelhos, toda a penitência seria insuficiente para expiar os seus pecados.

          Por isso, desde que tinha recobrado a consciência naquele quarto de hospital, o que mais fazia era fingir-se de inconsciente, porque estar consciente do que fizera, já era ruim o suficiente. Não queria pensar, apesar de não poder evitar. Mas também não queria abrir os olhos e encarar o mundo lá fora. Um mundo que ele tinha condenado e que agora, deveria resgatar.

           Ouviu, entre uma conversa e outra, os médicos declararem o quanto estavam surpresos com o fato de seu cérebro ainda estar inteiro dentro do crânio. Inteiro... Eles não fazem idéia do quão destruído ele estava. Não havia mais nada inteiro naquele corpo ou naquela mente.

          Ouviu, durante o estágio de transição – sim, transição mesmo, porque, em dado momento, não sabia se ia ou se ficaria, até que se sentiu puxado para baixo e acorrentado àquela cama  – a voz doce e preocupada de Sam. Como sentia saudade daquele tom. Acreditava que fora a voz de seu irmão, mais do que qualquer coisa que o havia segurado. A voz suave e suplicante do irmão mais novo, pedindo que ele fosse forte e lutasse. O calor da mão de Sammy sobre a sua mão, exercendo uma pressão suave, que há muito não sentia. E, mais uma vez, ficou.

          Também não esperava receber a visita de Castiel num  dos raros momentos em que Sam deixara o quarto - O garoto precisava de um café. Estava quebrado – Não estava a fim de nenhuma conversa angelical. Não depois de tudo o que tinha passado, mas precisava confirmar a história de Alastair, mesmo que, lá dentro, bem no fundo, soubesse a verdade. E aquilo doeu. Doeu mais do que o inferno ou qualquer tortura que tivesse sofrido. E o despedaçou de vez. Total e completamente, espalhando os cacos minúsculos por tantos lugares que seria praticamente impossível recuperá-los. Fechou os olhos e esperou, engolindo sua própria dor e vergonha, que aquela criatura celestial fosse embora e o deixasse em paz.

           E os dois dias seguintes, passou assim, em silêncio, no escuro. A luz feria seus olhos e qualquer som era demais para seus ouvidos. A solidão e o vazio eram toda a companhia que desejava no momento. Nada de explicações ou teorias ou justificativas. Apenas o silêncio.

          No meio da manhã, Sam entrou animado no quarto, abriu a porta do armário e atirou as roupas do irmão por sobre a cama.

         Ainda com os olhos entreabertos, mas muito perceptíveis, porque as íris verdes contrastavam com o roxo escurecido ao redor das órbitas, Dean seguiu, silencioso, os movimentos do mais jovem.

_ O médico disse que podemos ir – Em outros tempos, a notícia seria mais do que aguardada, seria comemorada por ambos. Mas só Samuel tinha um sorriso genuíno estampado no rosto.

        Dean inspirou profundamente e voltou a face para o lado da parede. Seus olhos se prenderam em algum ponto por ali, sem dizer uma palavra. Ir. Ir para onde? Na melhor das hipóteses, para um quarto de motel onde, mais cedo ou mais tarde, teria que responder a um inquérito sobre o que tinha acontecido. Ele estava passando essa.

_Vamos lá, homem, anime-se! Não acha que está na hora de pular dessa cama ?

          A empolgação do caçula era contagiante. Pena que ele tinha sido vacinado contra qualquer tipo de esperança. E sabe como é, vacinas em doses homeopáticas são muito eficazes, com efeito prolongado.

           Se alguém lhe dissesse que, algum dia, estaria protelando a saída de um hospital, diria que o sujeito tinha perdido a sanidade, mas era exatamente isso que Dean desejava naquele instante. Desejava que Sam fosse embora e o deixasse só. Desejava ser esquecido. Todavia, conhecia seu irmão e sua determinação. E pelo tom de sua voz, o rapaz estava determinado a levá-lo dali, o mais depressa possível.

_ Como é? Vai levantar e se vestir ou quer uma mãozinha, preguiçoso?

         Teve vontade de mandar Sam à merda, quando este puxou os lençóis para o lado, mas sua garganta ainda doía um bocado. Decidiu engolir o xingamento e fazer o que seu irmão pedia. Afinal, passara a maior parte de sua vida engolindo o que tinha vontade de dizer e fazendo o que não queria, só porque deveria. Então, não seria muito diferente do que sempre fora.

          Pôs as pernas pra fora da cama e desceu. Quando seus pés tocaram o chão frio, o mundo todo girou. Os joelhos dobraram-se, mas Sam estava lá,  alerta, e o apoiou, impedindo a queda.

_ Ei, você está bem ? – Ele estava longe de se sentir bem _ Espere. Vou te ajudar com as roupas.

_ Sam? – A voz saiu muito baixa e rouca _ Sai de cima de mim.

           Excelente. Uma reação. A primeira, em dias. Nada nem sequer perto do que Samuel esperaria do irmão mais velho, em condições normais – normais para o jeito Winchester de ser, que fique bem claro -  mas ainda assim, um lampejo de esperança de que Dean pudesse estar voltando.

_ Desculpe-me, cara, eu não queria pressionar. Vai com calma, Okay?

_Posso tomar um banho primeiro ? – a sobrancelha esquerda subiu.

_ É claro. Sem pressa – Sam saiu da frente e indicou, com um gesto, o caminho do banheiro.

_Ótimo .

         Os passos arrastados e os ombros caídos resumiam bem, aos olhos do jovem Winchester, o estado de espírito do mais velho. Nunca antes vira Dean tão abatido. Mas isso não importava agora. O importante é que seu irmão estava de pé e só precisava descobrir uma forma de ajudá-lo a manter-se assim.

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          O motor do Chevrolet Impala ronronava sobre o asfalto a algumas horas, tendo o mais moço dos irmãos ao volante. O outro, no banco do passageiro, apenas mantinha os olhos fixos em lugar nenhum, através do vidro fechado da janela.

          Estavam à beira do Apocalipse, às portas do fim do mundo, mas, naquele instante, nada era mais importante para Sam do que trazer seu irmão de volta. Tudo mais poderia esperar. Se não pudesse juntar os pedaços de Dean novamente, não faria qualquer diferença estar vivo ou morto. Pouco importaria se todas as hordas do inferno invadissem a Terra, porque não restaria mais nada pelo que lutar.

          Samuel sabia perfeitamente o que atormentava seu irmão. Tinha escutado a conversa entre ele e Castiel no hospital. Chegara no exato momento em que o anjo  confirmava o destino que o aguardava. Seu coração sangrou, atrás daquela porta, com cada lágrima derramada por Dean. Não teve coragem de entrar. Deveria, mas não teve. O que diria, afinal? Nada do que pudesse dizer, poderia amenizar a sua dor. Invadir o quarto, naquele momento, só faria Dean sentir mais vergonha e repulsa por si mesmo.

          No rádio, os K7s rodavam, um depois do outro, toda a trilha sonora de suas vidas.

          Mais um tanto de milhas de estrada e Dean continuava alheio ao mundo, à música e às poucas tentativas do mais novo em iniciar uma conversa. Ele não estava ali. Para falar a verdade, não estava em lugar algum. Vez por outra, apoiava a cabeça na janela e deixava cair as pálpebras, mas acordava sobressaltado, com aquele brilho das lágrimas no canto do olho e a respiração entrecortada. Outro pesadelo. Os pesadelos eram agora, seus mais fiéis companheiros. Nunca falhavam. Bastava que fechasse os olhos, fosse por cansaço ou  somente para fugir da vista de Sam, que lá vinham eles.

          Dez horas atrás do volante e a coluna de Samuel começou a gritar por um pouco de descanso e uma cama macia. Não estava acostumado a dirigir por tanto tempo, sem parar. Acionou a seta e entrou no desvio quando viu a placa da parada de caminhões. Não seria mesmo grande coisa, de certo, mas era o que tinham, no momento.

          O Chevy preto foi estacionado numa vaga entre dois reboques. Sam desceu, deixando seu irmão no carro, e dirigiu-se à recepção para providenciar as acomodações. Na saída, parou à porta e observou, de longe, o outro, recostado. Era estranho como os papéis estavam se invertendo. Era sempre Dean quem providenciava tudo e cuidava de detalhes como hospedagem e alimentação.

          Sam aproximou-se da janela e bateu no vidro, despertando o irmão de seu transe. Gesticulou para que o outro abrisse a porta.

_ Você está bem? – Uma pergunta idiota. Estava na cara que nada estava bem com Dean, mas  Sam era assim. Ele precisava de respostas. E a resposta veio num gesto afirmativo, não muito convincente _ Estamos num quarto do segundo andar. Vamos?

         Que opção? Um quarto no segundo andar de um pulgueiro era melhor do que outra noite dentro do carro no meio da estrada.

          Quando Dean saiu, Sam já tinha retirado a bagagem e trancava tudo com cuidado. Ambos seguiram pela escada na lateral do prédio, em direção ao quarto alugado.

         Como sempre, ao abrirem a porta encardida, se depararam com o mesmo cenário deprimente: as paredes desbotadas, a mobília desgastada e aquela decoração típica dos motéis de beira de estrada. Nada diferente do que estavam acostumados. Uma droga.

          Sam entrou primeiro e largou as mochilas no chão. Vistoriou, rapidamente, o ambiente e parou diante do mais velho, sem saber direito o que dizer.  Essa era uma constante em suas vidas ultimamente. Não saber o que dizer. E pensar que num passado não muito distante, as palavras não eram problema para o caçula. Expressar seus sentimentos era tão simples quanto tomar um copo d’água e espremer Dean até a última gota de paciência para que pusesse pra fora o que sentia, sua especialidade. Mas agora, tudo estava diferente. Haviam muitos segredos e abismos entre eles.

           Dean também não disse nada. Seus olhos percorreram o lugar e desceram para o chão. Caminhou a passos lentos até uma das camas e sentou-se, deixando escapar um gemido, ao fazê-lo.

_ Dean? 

_ Não foi nada, Sam. –  O tremor na voz disse mais do que as palavras.

_ Oh, droga. – Os ponteiros do relógio, no pulso de Samuel, o alertaram _ Esqueci completamente do remédio. Está com dores, não é? Por que não disse nada, Dean?

_ Não é nada demais, ta? – não dava pra disfarçar aquela ruga de expressão que se formava na testa _ Só preciso descansar um pouco.

_ Eu sinto muito, cara. Eu... Não poderia ter esquecido – olhou ao redor e buscou a chave do carro que tinha jogado sobre a cômoda  _ Olha só, você deita e descansa. Vou buscar os seus analgésicos e alguma comida. Prometo que não demoro.

          Dois passos daquelas pernas enormes bastaram para chegar à porta. Antes de atravessá-la, Sam voltou seu olhar sobre o irmão, mais uma vez.

_ Você vai ficar bem?

_ Claro. Saia daqui e traga o maldito remédio antes da minha velhice, de preferência.

_ Certo. Estou indo – Sorriu pela resposta malcriada. Mais um bom sinal, por menor que fosse.

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          Sam rodou por mais de meia hora até encontrar uma farmácia. Agora era providenciar uma refeição decente e retornar.

          Estava ficando preocupado. Já havia ligado duas vezes e Dean não atendia o celular. Entrou numa lanchonete de fast food e fez o pedido. Saiu apressado  e retornou ao quarto o mais rápido que pôde.

          Da vaga no estacionamento, avistou as luzes na janela do quarto. Algo em seu peito doeu e subiu as escadas saltando os degraus, como se sua vida dependesse disso.

          _ Merda! – Aquele pressentimento nunca falhava _ Merda, Dean! – correu até o banheiro e concluiu que o mais velho tinha saído e carregado sua mochila com ele, deixando o telefone celular sobre o criado mudo _ Mas, que merda!!! – Bateu a porta e correu de volta para o carro.

          Onde Dean estava com a cabeça? Como pode sair daquele jeito e naquelas condições?

          A cabeça de Sam fervilhava. Acelerou o automóvel e saiu do estacionamento cantando os pneus, em direção à próxima cidade. Não pensou, só seguiu seus instintos, porque Dean poderia ter seguido em qualquer direção, mas como  não o tinha visto no caminho de volta, mais certo seria que tivesse seguido adiante. Enquanto acelerava, torcia para que o irmão não tivesse conseguido uma carona ou roubado um carro.

          Não levou mais do que três ou quatro minutos em alta velocidade, para que o rapaz avistasse a silhueta, à beira da estrada. Parou o carro bruscamente no acostamento, um pouco à frente do irmão, ainda muito pálido.

_ O que você pensa que está fazendo? – Saltou do automóvel gritando _ Perdeu completamente o juízo, Dean? – abriu os braços naquela sua expressão de indignação, diante do mais velho, impedindo-lhe a passagem.

_ Sai daminha frente, Sam – ele não ia ceder. Estava cansado daquilo tudo e não queria mais. Não queria mais viver assim.

_ Vai sonhando.

_ Sam... Por favor. – Por que diabos Dean não o olhava nos olhos? Sempre que eles brigavam, era aquele olhar penetrante de Dean que o vencia. E ele não estava mais lá. Estava sempre no chão.

_ Entra no carro – se não tomasse as rédeas agora, estaria tudo perdido. Era a sua vez de cuidar de Dean e não o deixaria partir, nem por um decreto.

_ Sam... – a voz revelava o cansaço _ Você deveria se afastar de mim, se sabe o que é melhor para você.

_ Entra no carro, Dean. Você está confuso, cara. Vamos voltar para o hotel e conversaremos com calma, certo?

_ Não. Não está nada certo- o meio da estrada não era o lugar mais adequado para uma conversa familiar, mas voltar para aquele quarto estava fora de questão.

_ É, eu sei. Só me deixa te ajudar- aquele passo pra frente foi mais complicado do que poderia imaginar_ Não se afaste de mim.

_ As coisas que eu...

_ Eu também não tenho sido um santo ultimamente, Dean – Não importa o quanto custasse, Sam não deixaria que o irmão se afastasse. Não outra vez. _ Tenho feito coisas...  Coisas das quais não me orgulho...  Coisas que me envergonham e tem afastado a gente.

_ Não faça isso... Por favor...

_ Ouça-me, está bem? – agora era a hora. Era a hora de por tudo pra fora e em pratos limpos. Se quisesse trazer Dean de volta, teria que dar o primeiro passo e a melhor maneira de provar confiança era com a proximidade _ Eu tenho ouvido seus pesadelos nos últimos dias, depois daquilo tudo e posso imaginar o quanto você está sofrendo, mas preciso de você aqui comigo, cara. Preciso que seja meu irmão novamente porque, sem você, sinto que vou me perder de um jeito que não vai ter volta.

_ Você sabe que não sou mais o mesmo.

_ Não, não é – segurou firme nos ombros do irmão _ Olha pra mim, Dean... Por favor...- esperou que o outro levantasse a vista e o que viu foi um vazio infinito que lhe doeu na alma _ Você é humano, meu irmão. É normal que esteja se sentindo destruído. Tudo o que você está passando é demais pra qualquer um, mas eu acredito em você, Dean. Você é Dean Winchester e mais ninguém seria capaz de superar essa dor que está aí dentro.

_ Eu... Eu não con...consigo, Sam... – estava desabando outra vez e sentia as pernas tremerem, o ar faltar. Aquela sensação de solidão e abandono o invadiam novamente.

        O que mais Sam poderia dizer para convencer Dean de que estava ali, por ele e para ele? O que mais poderia fazer para provar que não importava o que tivesse feito, o que diziam as profecias ou o que estivesse por vir, eles ainda continuavam sendo irmãos, continuavam sendo uma família ?

         E o que o caçula fez, foi o que seu coração mandou: Abraçou seu irmão, num abraço forte, apertado e caloroso. Num abraço silencioso que, em si, dizia tudo o que se passava em seu peito.

          Dean sentiu, naquele abraço, a firmeza que precisava. Sentiu, nos braços de Sam, seu Sammy outra vez. Sentiu-se, como há muito tempo não se sentia, amado. E o abraçou, também, com força e vontade. Retribuindo aquele gesto que recuperava um pouco de sua alma, um pouco do que estava perdido.

_  Eu preciso de você, Dean.

_ Estou aqui, Sammy, e não vou a lugar algum.

 

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N/A(2): Primeira dose. Só faltam duas. As coisas vão começar a melhorar.


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