A Despedida de Raymond escrita por Rach


Capítulo 1
Único - oneshot




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Uma vida inteira de união desprezada assim, como se fosse nada.

Pensei triste. O tempo parecia correr desesperado naquele dia. Dali a umas horas, eu iria me separar daquilo que já parecia ser vital. Estávamos juntos fazia anos, nunca conseguiram tirar ele de mim e agora, eu simplesmente iria me desfazer dele, era inacreditável.

- Raymond, eu já estou passando o perfume, é bom quando eu chegar em seu quarto você já esteja pronto.

Ouvi minha mãe gritar do quarto dela, eu iria com ela, em seu carro, pois meu humor não me permitiria dirigir e era bem capaz que eu fugisse para algum lugar para não ter que enfrentar tudo aquilo.

Sabia que quando ela avisava que estava passando perfume, eu tinha mais meia hora para me arrumar. Sendo assim, elevei os meus olhos preguiçosamente até o espelho do meu guarda roupa que estava aberto e encarei a minha figura, a imagem perfeita da desolação. Minha gravata nem mostrava indícios de tentativa de atá-la, minha blusa pra fora da calça e uma cara de má querência que se assimilava a criança birrenta. Estava simplesmente indignado.

Desde o primeiro ano eu sabia que esse dia iria chegar, meus pais me avisaram, mas eu não consegui me preparar, era uma perda muito grande. Uma perda que me fazia pensar no porque uma maldita formatura teria que mudar tanta coisa. Perderia outras coisas, minha casa, meus pais e outros amigos, por conta da faculdade. Chegava a ser cruel tirar tanta coisa ao mesmo tempo. A maioria dos adolescentes ficava animada com o fim dessa fase e com o novo rumo da sua vida, eu também ficaria, iria fazer cinema o que era demais, se não fosse ter que me despedir de algo tão amado.

Decidi não pensar mais naquilo, pelo menos na última meia hora que eu teria da minha vida de adolescente, precisava pensar em outra coisa. Percorri com os meus olhos cada canto do meu quarto até encontrar uma guitarra de quinta, mas que me rendia horas de relaxamento quando meus dedos acariciavam suas cordas. E era o que eu faria se, pendurado em seu braço, não tivesse o grande causador da separação mais dolorosa que eu sofreria em toda a minha vida, o chapéu de formatura.

Passei a me arrumar então, um nó de gravata nunca foi tão difícil de ser feito, e fazê-la, me dava a impressão de que tudo que eu iria fazer naquele dia, era meter uma corda no próprio pescoço e puxar, assim como as gravatas são feitas.

Logo eu estava pronto e minha mãe me olhava com orgulho pelo o espelho, ajeitando a gravata que mesmo depois de tanta luta havia ficado torta. Minha cara marrenta não havia melhorado, o que a fez me beijar na face daquele jeito carinhoso e constrangedor que apenas as mães conseguem fazer, dizendo que era o certo e que eu veria como tudo iria ficar melhor depois daquela noite. Diante dos meus murmúrios de descrença, ela desistiu de me animar e falou para que eu fosse para o carro que ela levaria a beca e o capelo. Malditas vestes.

 Eu a obedeci, sem antes espiar pela porta do meu quarto, tentando captar qualquer indicio do antipático do meu irmão, ter ele tirando com a minha cara naquele momento não era algo que eu precisasse.

Assim que entrei no carro, pareceu que o espírito do Ray de dez anos me possuiu. Fechei a cara da forma que ficasse mais claro possível o meu despontamento, e fui de casa até o meu destino se dizer uma palavra e olhando o tempo todo para fora do carro, as listras das pistas foram pintadas com dedicação, mereciam atenção.

Chegando ao salão, - que eu fiz questão que fosse o mais longe da cidade. Homens vão a barbeiros, e não a salões, certo? Não para minha mãe, que ainda insistiu para que eu fosse ao salão da senhora Donna. De jeito nenhum – senti o peso de um elefante pousar no meu estomago. Dali para o fim era um passo e minhas pernas teimosas não queriam dar mais nenhum.

Sentei na cadeira da cabeleleira tagarela, e abaixei minha cabeça, não queria ver. Escutava o barulho da tesoura e via chumaços de um tom castanho queimado do sol cair em meu colo, no chão. Flash dos momentos com o meu fiel companheiro passavam pela minha cabeça, as noites em que ele e eu agitávamos nos shows de rock em que apresentava às vezes, os dias frios em que ele mantinha pelo menos minha cabeça quente; ele era engraçado. Ali, aquele momento, era o fim de uma parceria de anos, eu havia perdido o meu amado cabelo.

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Horas depois eu estava encarando o retrovisor do meu carro velho na porta do ginásio da escola. Sacudia de leve a cabeça e gostava do efeito que fazia. A senhora do salão falou que fez uma hidratação especial não sei das quantas, e nem havia tirado tanto do tamanho, só o suficiente para que coubesse no capelo. Ele parecia também mais escuro e menos bagunçado, além de estar extremamente macio. Se eu soubesse, teria feito isso há mais tempo e era isso ai, havia superado...

- Ray! Cara, se você quiser ficar aqui até a formatura do Mikey avisa, pois eu quero muito ir pra casa, porra. – Gerard me tirou do meu momento de contemplação com um tom não muito agradável.

- Relaxa, nós já vamos, só estava arrumando o meu cabelo, aqueles cascudos estúpidos que me deram bagunçou ele todinho.

- Se despedindo novamente do seu cabelo, você quis dizer, não é? Cara, você fez isso a semana inteira! Se conforme, o chapéu de formatura não iria servir com o seu cabelo daquele jeito. Ele iria ficar flutuando.

- Já superei. Já disso isso para você. Só não queria parecer tão ridículo no baile da minha formatura, como na colação com aquele troço na minha cabeça.

 - Certo, superar significa guardar mechas roubadas do chão do salão em um pote. – o olhei incrédulo e ele completou sem que eu precisasse perguntar. – Lou e eu estávamos escolhendo algumas coisas para você colocar na mala e “acidentalmente” achamos o potinho.

Bufei e parei de me olhar no espelho. Era detestável essa mania do Gerard e do Lou de fuçar as minhas coisas.

- Ainda bem que ela não cortou mais. Fiquei quase careca. – sabia que tinha sido exagero.

- Sabe que não é como se você vá ficar com esse tamanho de cabelo na faculdade, né? – pelo grande ponto de interrogação que o meu rosto havia se tornado, Gerard percebeu que não, eu não sabia. – Ray, a primeira coisa que vão fazer é raspar seu cabelo quando aplicarem o trote em você. – havia certo pesar na sua voz.

Fiquei chocado, não me lembrava daquilo. Então era isso, uma semana para o fim definitivo, semana que de repente pareceu mais curta.

Ainda com os olhos arregalados voltei a me olhar no retrovisor e acariciar minhas mechas, sobre protesto de Gerard de que queria esta em casa antes do café da manhã. Protestos que foram completamente ignorados, sobrepostos por minhas lamurias.

 - Uma vida inteira jogada pelo ralo!

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada para quem ler... Não se esqueça de me dizer o que acharam!

Editei só para corrigir um errinho...desculpe.