Vícios e Lembranças escrita por AArK


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Estou parada, porque a inspiração não vem, e enquanto isso não acontece... Bebo e escrevo one-shots bobas. :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/235451/chapter/1

Acordou de manhã, havia pegado no sono no sofá. A sala toda parecia de pernas pro ar. Fazia tempos que havia dito para si mesma para arrumar aquela bagunça, mas a preguiça não permitira. Ouviu umas batidas na porta e viu entrando pela mesma, pelo buraquinho dos correios, cartas e mais cartas. Era o porteiro. Sempre fazia isso. E mais um bolo de cartas se acumulava ali, naquele espaço. Não as abriria e nem leria. Já sabia do que se tratavam, sempre a mesma coisa, cobranças. Cobranças das editoras, dos patrões, dos revisadores, dos vendedores, e tudo o mais. Isso porque era uma escritora. Fazia trabalhos para jornais e revistas, escrevendo crônicas e colunas simples. E também lançava uma coleção de livros. Havia se programado para fazer no total quinze, até agora, havia lançado apenas nove, então, ainda faltavam seis. Mas não tinha mais inspiração. Desde “aquilo” perdera total inspiração em sua vida e trabalho. Ou talvez, nunca tivesse... Deveria ser uma espécie de mentira que contava sempre a si mesma, e que por alguma ironia do destino, funcionava. Pensou conclusivamente isso, e então, resolveu “se mexer”.

Levantou-se do sofá e foi tomar um banho. Entrou no chuveiro de roupa e tudo. Deixou a água gelada cair sobre seu corpo. Ela era sempre assim, apenas porque não havia ainda consertado a fiação do banheiro como deveria fazia meses, e por isso, mesmo no frio, congelava. Começou a tirar as roupas ali mesmo. Uma camisa preta de banda que ficava larga e comprida em seu corpo esguio e a calcinha que usava por baixo. Jogou os dois no chão do banheiro, se lavou mais um pouco e saiu. Ainda molhada, andou pela casa até o quarto. Lá, retirou do armário uma camisa preta de banda (sim, outra), uma bermuda jeans (totalmente masculina), uma calcinha nova, um top (preferia usá-los ao sutiã) e meias semi-limpas (andava com preguiça de lavar a roupa também), e começou a se vestir. Colocou a roupa mesmo molhada. O cabelo curto, sacudiu-o com a mão e deixou estar assim. Bocejou. Calçou tênis e foi até a cozinha novamente.

Na cozinha, abriu a geladeira e deu uma olhada. Pão com mortadela, já meio mordido e guardado ali. Pegou-o assim mesmo e o mordeu. Duro. Intragável. Cuspiu na pia e jogou-o fora. Abriu a geladeira de novo. Cerveja. Pegou uma lata, abriu e bebeu. Bocejou de novo. Andava assim agora. Bebendo. Bebendo sem parar. Foi assim que foi parar no sofá, como em outras ocasiões. Melhor do que quando parava no tapete sujo da sala. Pensou consigo. Foi andando até o sofá novamente e se sentou. Depois de alguns goles na cerveja de marca barata, colocou-a de lado e puxou pra si seu laptop, largado ali em um canto. Abriu o documento de texto e tentou escrever alguma coisa.

Olhou para o branco, pro papel branco, pro papel digital branco e tentou escrever. Tentou digitar alguma coisa. Escreveu umas seis palavras. Parou. Leu a frase. Leu de novo. E apagou-as todas. Escreveu umas treze dessa vez. Leu. Bebeu mais uns goles da cerveja ruim. Daí, apagou novamente. Suspirou. Concluiu que não conseguiria escrever. Largou o laptop no chão e deitou no sofá. Bebeu alguns goles, mesmo deitada e com dificuldade por causa disso. Olhou pro teto.

Seu celular começou a tocar em cima de uma mesa, na sala. Tocava uma música que gostava, mas que há muito tempo não ouvia. Apenas pelo celular. Estranhou. Daí lembrou-se que em uma de suas bebedeiras, havia arrancado o telefone da parede fora, com as próprias mãos, num acesso de raiva. O fio se partiu com uma força estrondosa que ela nem explicava. Geralmente, precisava ser cortado com um alicate. Bem... Não foi necessário. Depois disso, nunca mais recebeu ligações.

Levantou-se com muito custo, demorou e tudo. Daí, exatamente quando pegou no celular, ele parou de tocar. Odiava quando isso acontecia. Aliás, odiava ligações e telefones. Lembrou-se agora melhor da sensação que a fez arrancar o telefone da parede. Mas na verdade... Havia um motivo maior por trás desse.

Seu cérebro começou a viajar... Viajar pra cantos nunca mais visitados. Cantos ignorados por pura sobrevivência. Sobrevivência a qual já parecia extinta, mesmo com esses cantos desaparecidos.

O problema todo era “aquilo” afinal. Sempre fora, sempre seria. O problema todo era...

Ela.

Ela, mais uma vez.

Começou a remoer e a se lembrar de tudo, mesmo que não quisesse. Por um instante, esqueceu-se de tudo. Do mundo ao redor, de si, daquela sala, do celular, do telefone e até da cerveja... E como se tudo se dissolvesse num mar de inexistência, as lembranças começaram a tomar forma. Tomar forma pra lhe contar novamente a questão das questões. O porquê de só dormir direito à noite etilicamente.

...

Acordou de manhã, em sua cama, em seu quarto. Sua cama era grande e macia, de casal, mas apenas ela dormia ali. Levantou-se e foi tomar um banho, como sempre fazia. Tirou seu pijama de dormir, colocou-o dobrado em cima do cesto de roupa suja para a empregada lavar. Entrou no chuveiro e tomou um banho quente demorado. Acordava cedo o suficiente pra poder fazer isso e não se atrasar. Saindo dali, vestiu uma blusa de banda (como sempre), uma calça jeans e tênis. Foi até a cozinha, fez misto-quente na chapa pra si e suco de laranja, comeu e bebeu. Então, pegando sua mochila, onde guardava sua carteira e suas coisas principais, saiu de casa.

No meio do caminho, a pé, encontrou um amigo.

- Ei, você tá livre amanhã? Vai rolar uma festa lá em casa! E você sabe... Você pode conseguir alguns contatos legais!

- Opa! Seria legal! Posso ir sim!

Os dois se acenaram num até, e ela partiu para o lugar onde trabalharia em uma nova coluna empolgante. Falaria sobre política, um dos assuntos que lhe chamava muita atenção. Tinha uma proposta até ideológica. Queria animar as pessoas a verem o valor da política, para poder melhorar nas decisões e combater o conformismo da população. E vamos dizer... Demorou a encontrar uma publicação que aceitasse esse seu objetivo e seu ponto de vista. Mas enfim, ela parecia razoavelmente satisfeita com seu trabalho, realizada e feliz. Trabalhou o dia todo, até o dia seguinte, quando tiraria uma folga.

E veio o dia da festa.

Se arrumou mais do que de costume, colocando uma blusinha social branca e calças jeans pretas, colocou um sapatênis comportado também, e ajeitou o cabelo com gel. Geralmente, não fazia isso. Mas tinha bons pressentimentos. Pegou um táxi, porque não dirigia, e foi até o apartamento de seu amigo. Diferente de si, que era classe média, seu amigo tinha muito dinheiro e morava numa área privilegiada da cidade. Havia ganhado uma herança gorda dos pais, e praticamente, não fazia nada da vida. Mas, pela sorte dela, ele conhecia muitos nomes famosos, em tudo quanto era ramo da arte, isso graças as festanças que ele dava. Incluindo essa. E como foi recomendado, alguns renomes de Editoras grandes, dentre outras coisas, estariam lá, por isso mesmo, ela estava fazendo questão de ir.

Ou ao menos, ela estava querendo se convencer disso. Realmente sentia como se algo especial fosse acontecer nessa festa, mas ela nem imaginava o que poderia ser.

Chegando lá, encontrou seu amigo, o cumprimentou e foi pegar uma bebida. Não bebia muito, apenas de vez em quando. Principalmente pra escrever. A bebida fazia sua mente fluir. Mas não gostava de exagerar, nunca lhe fazia bem. Comeu alguns salgadinhos também (eram “salgadinhos” de ricos, aqueles pãezinhos com patê e outras frescuras). E então, foi sentar-se em algum lugar do incrível apartamento do amigo.

Era enorme. Ficava na cobertura de um prédio, possuía quatro quartos e dois banheiros. Todos os cômodos eram gigantescos. E ali, onde estavam, numa enorme varanda onde todos cabiam, haviam assentos (onde inclusive, ela estava), havia uma linda, linda, explêndida vista, para a praia.

- Sente-se por aí que eu levarei a Editora até você! – Disse o amigo, um pouco antes dela pegar a bebida.

E ela lá, esperava. Até que enfim, veio uma pessoa até si, e sentara ao seu lado. De primeira mão, seu cérebro lhe avisou... Era a “pessoa da Editora”. Mas de segunda, ele lhe aplicou uma brincadeira... Não era possível. Era a visão mais linda que já teve no mundo. Estatura baixa, como gostava; cinturinha fina, pele bronzeada, seios fartos, coxas bem “apanhadas”, um vestidinho curtinho, preto e apertado; cabelos ondulados, negros, volumosos e brilhantes;  olhos mel, e por fim, o sorriso branco mais lindo que já viu na vida. A escritora ficou bestificada com tamanha beleza.

- Er... Você é da Editora? – A de cabelos curtos perguntou.

- Editora? Ah... Não, não.

Abriu outro sorriso lindo.

- Então...?

- Apenas te vi aqui. Sentada, sozinha, bebendo... E achei interessante. Resolvi te conhecer. Tem problema?

Ela ficou alguns segundos calada, chocada com a informação, e então:

- N-não! Não! Está tudo bem!

As duas conversaram o resto da noite. O amigo parecia ter se esquecido da Editora, e ela parecia também. Agora, seus olhos apenas lhe levavam àquela pessoa encantadora, que lhe apaixonou de súbito.

E aquela conversa naquela festa, fora a primeira de muitas conversas... Pois, logo depois daquilo, as duas começaram a sair juntas. E logo depois, a namorar. E logo depois, a morarem juntas, durante... Seis... Longos... Anos.

Até “aquilo” acontecer.

...

Acordou de manhã, olhou para seu lado, na cama, com um olhar amoroso, mas logo notou que ela não estava ali. Estranhou. Então, levantou-se, bocejou e preparou-se para seu banho. Mas antes, ia pedí-la, onde quer que estivesse pela casa, para acompanhar-lhe como fazia quase sempre. Porém, quando chegou na sala, o segundo lugar principal da casa, também não se encontrava. Coçou a cabeça. Estaria no banheiro ou na cozinha? Foi para os outros dois lugares e... Nada. Ela não estava ali.

Seu coração começou a disparar forte. A confusão tomava sua mente.

Onde ela estava? Por que havia saído? Ela não trabalhava naquele dia! Ela deveria estar ali! Será que saiu por causa de alguma emergência? Será que algum amigo seu surgiu e a chamou pra dar uma volta? Não, surreal demais. Teria lhe avisado de qualquer forma. Deixaria um bilhete. Bilhete. Olhou rapidamente pra cima da mesa, e ao lado do seu laptop enxergou, um pedaço de papel. Por alguns minutos, seu coração se acalmou. Era isso... Havia saído por algum motivo, e deixou o bilhete pra avisar, mas... Ao pegar o papel, e ler seu conteúdo...

“Sinto muito. Muito mesmo. Deveria ter dito antes. Deveria ter feito antes. Eu sei. Não fui uma boa pessoa. Espero que me perdoe, mas... Não tenho mais como continuar com você. Adeus.”

Praticamente “caiu” sentada no sofá, ainda com o papel em mãos, incrédula. E por mais alguns minutos ali, continuou incrédula. Só conseguia reler aquilo e olhar ao redor, como se não enxergasse nada daquilo, apenas coisas em sua cabeça. Ainda não havia caído a ficha. Não era possível. Lia e relia. Não era possível. Por quê? Por quê? POR QUÊ?

Levantou-se rapidamente, ainda com o papel em mãos, e então, foi até o armário da cozinha. Abriu-o com pressa e retirou dali uma garrafa de uísque cara, que compraram juntas. Planejavam fazer um bar (aqueles armários onde se guarda bebida), e por isso, compraram algumas garrafas de bebida quente, que prometeram deixar guardadas e fechadas para beberem apenas em ocasiões especiais. E até então, ficariam num bar, que comprariam juntas, apenas enfeitando a casa. Bom... Era uma ocasião especial. Mas não a que ela esperava que fosse. Abriu a garrafa, largando o papel em cima da pia, e o pegando-o logo a seguir, novamente... Enquanto abocanhava o gargalo da garrafa de uísque e virava todo o seu conteúdo líquido e ardente pra dentro de si.

Jogou-se de novo no sofá, um pouco da bebida alcoólica caiu sobre sua camisa de banda, e então, ela voltou a ler as letras... Era sim, a caligrafia de sua amada morena de sorriso lindo. E ficou lá, lendo e relendo, enquanto bebia mais e mais uísque no gargalo. Sentia vontade de vomitar... Mas agora, seus olhos que começaram a vomitar lágrimas, como uma cachoeira. Ela não emitia som algum com a boca, era esquisito. Era um choro silencioso. Preenchido pelo barulho da garrafa virando seu conteúdo pra dentro de si, e por fim, leves golfadas que evitava dar, na pressão do enjôo e da força da bebida que tomava.

Terminou o dia com... A garrafa de uísque vazia no chão, o bilhete picotado em pedaços pelo tapete da sala, ainda limpo e... No banheiro, vomitando na privada, quase deitada no chão. Seus olhos, vermelhos, inchados, ainda soltavam lágrimas... Lágrimas que depois de soltas durante muitos, muitos, muitos dias... Iriam secar. Mas a mágoa...

Essa ficaria por muito tempo ainda.

...

Então, após se preencher e debulhar-se com todas essas lembranças, antes boas, depois dolorosas, voltou à realidade. Bambeou a cabeça um pouco, e então, lembrou-se do celular que tocara. Olhara finalmente para a tela, pra captar a ligação perdida e...

Era dela.

FIM


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vícios e Lembranças" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.